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Refém da privataria

A capital paulista corre o risco de herdar dívida bilionária ao término da concessão de 36 anos

Deboche. Na pressa de rifar a lucrativa companhia, Freitas, Nunes e Leite se valem de um mambembe estudo de impacto orçamentário com apenas quatro páginas – Imagem: Edson Lopes Jr./Prefeitura de São Paulo
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O prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes, tem feito por merecer o apoio do governador Tarcísio de Freitas ao seu projeto de reeleição. Em tempo recorde, o alcaide providenciou o estudo de impacto orçamentário que faltava para a privatização da Sabesp avançar na Câmara Municipal. A juí­za Celina Kiyomi Toyoshima, da 4ª Vara de Fazenda Pública da Justiça de São Paulo, havia cobrado o documento, além de exigir a realização de todas as audiências públicas previstas, para liberar a votação decisiva do projeto que dá o aval da cidade à venda. Apenas seis dias depois, lá estava o secretário municipal da Casa Civil, Fabrício Cobra, com a papelada na mão.

Na verdade, papelada é um termo impreciso. O tal estudo tem míseras quatro páginas, o suficiente para a Secretaria Executiva de Planejamento e Entregas Prioritárias da Prefeitura concluir – oh, surpresa! – que não haverá impacto algum. “A proposta legislativa não cria qualquer nova despesa ou implica qualquer renúncia de receita para o município”, diz o órgão. Crítico da privatização da Sabesp até pouquíssimo tempo, o presidente da Câmara Municipal, Milton Leite, do União Brasil, deu-se por satisfeito e agora tem pressa para pautar a segunda e derradeira votação do projeto – na primeira, a venda da empresa foi aprovada por 36 votos a 18, com a adesão maciça da base de Nunes. O vereador pretende levar a pauta ao plenário na quinta-feira 2, após a conclusão desta reportagem. A oposição ainda tenta obter uma liminar para adiar. Sabe que, se a votação ocorrer no momento, a companhia de saneamento será, em breve, uma empresa sob controle privado.

“O prefeito está zombando do Judiciário, porque esse estudo foi feito em 15 minutos, é uma planilha de Excel que adicionaram ao projeto. Não vamos aceitar esse deboche”, protesta Celso Giannazi, do PSOL. O vereador observa que o estudo de impacto orçamentário deveria ter sido elaborado pela Secretaria de Finanças, não por um órgão que assina a peça. Após a prefeitura apresentar o documento de quatro páginas, ele defende a contratação de uma consultoria externa, “com técnicos competentes”, capaz de elaborar um laudo realmente confiável para balizar a decisão sobre a privatização da Sabesp. Para contratar o serviço, seria necessário fazer uma licitação, e é exatamente isso que Freitas, Nunes e Leite tentam evitar a todo custo. Após a desastrosa atuação da privatizada Enel nos apagões do início do ano, a população paulistana ficou mais relutante em aceitar a entrega de serviços essenciais à iniciativa privada. Alguns vereadores talvez não estejam dispostos assumir o ônus político da privatização durante o período eleitoral.

O contrato não prevê amortização completa dos investimentos realizados após a venda da empresa, alerta a oposição

O aval da capital paulista é considerado decisivo para o destino da Sabesp. A cidade concentra cerca de 45% das unidades consumidoras. No contrato de prestação de serviços firmado entre a companhia e a prefeitura, havia uma cláusula antiprivatização, a prever que as instalações da Sabesp deveriam ser encampadas pela administração municipal, caso o controle da empresa de economia mista passasse para a iniciativa privada. Nesse caso, a prefeitura teria de lançar um edital, aberto a todas as empresas interessadas, e não somente à Sabesp, para celebrar um novo contrato de concessão.

O vereador Hélio Rodrigues, do PT, alerta para outro ponto sensível do projeto aprovado em primeiro turno pela Câmara. Diferentemente do contrato vigente, o novo não prevê amortização completa dos investimentos feitos pela empresa responsável pela Sabesp na cidade ao longos dos 36 anos de concessão. “Repare a armadilha: se a companhia fizer investimentos bilionários, como estão previstos, e ao final desse processo ela entender que não obteve retorno, ela pode cobrar isso do município. A prefeitura terá de se virar para pagar essa conta ou pode se ver forçada a renovar a concessão em troca da dívida. Ou seja, a capital paulista ficará refém dessa situação.”

Assessor jurídico do vereador petista, o advogado Glauco Santos estudou modelos de concessão feitos dessa forma em outros estados do Brasil e alerta que o risco de a cidade contrair uma dívida bilionária é maior do que se pode imaginar. Apresentado pelo governo do estado, o novo contrato prevê investimentos de 157,5 bilhões de reais na Grande São Paulo até 2060. Para fazer tais aportes, a empresa responsável deve contratar empréstimos e, ao término da concessão, essa dívida pode ficar para o poder concedente, no caso, a prefeitura. “Identificamos esse tipo de problema em Tocantins e Manaus, por exemplo. Algumas concessionárias chegaram a contrair empréstimos com empresas do mesmo ramo empresarial, a juros absurdos, que depois foram empurrados para o Poder Público. São Paulo corre esse risco, pois o contrato não prevê a amortização total dos investimentos.”

O novo contrato também não deixa claro quais serão os parâmetros para definir a tarifa social, que hoje beneficia famílias inscritas no Cadastro Único de Programas Sociais, o CadÚnico. Segundo José ­Faggian, presidente do Sintaema, o sindicato dos trabalhadores da Sabesp, a empresa cobra uma das taxas mais baixas do ­País, e a cota social poderia ser ampliada. “A tarifa social hoje atende 12% dos clientes, isso custa apenas 1,5% da arrecadação. É possível ampliar esse público sem comprometer o orçamento da companhia. Se quisessem dobrar o número de beneficiários, custaria 3% das receitas. Isso é insignificante no balanço geral. Além disso, a empresa tem dinheiro suficiente para assegurar a universalização dos serviços”, afirma.

Espantosamente, o governador paulista e seus aliados nas prefeituras estão empenhados em sacrificar uma galinha de ovos de ouro. Com 12 mil funcionários, a Sabesp tem um valor de mercado superior a 50 bilhões de reais. Trata-se de uma empresa superavitária, que apresentou um lucro líquido de 3,52 bilhões de reais no ano passado, alta de 12,9% em relação ao resultado obtido em 2022. “Não há motivo para rifar a empresa dessa forma. A privatização é um péssimo negócio para o estado de São Paulo.” •

Publicado na edição n° 1309 de CartaCapital, em 08 de maio de 2024.

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