Política
Reclamação no Congresso e baixa aprovação de MPs expõem dificuldade na articulação de Lula
O governo publicou medida para compensar o novo decreto do IOF; Hugo Motta reagiu e disse que Legislativo não tem compromisso para aprovação


Com a publicação de mais uma medida provisória pelo governo Lula (PT), cresce a percepção de “descrédito” por parte dos congressistas acerca da articulação petista no Legislativo. Dados que apontam a baixa eficiência do instrumento evidenciam o distanciamento entre o Executivo e o Congresso Nacional.
Em 2025, são 15 MPs em tramitação e outras 14 que perderam a vigência. O número não é considerado alto, mas a importância dos assuntos tratados pelas medidas faz com que deputados e senadores aleguem desprestígio. Um dos porta-vozes deste grupo descontente é Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara.
O deputado veio a público no início desta semana afirmar que os congressistas não têm “compromisso” com a aprovação de medidas do governo. O estopim para a crítica foi o pacote de medidas fiscais para compensar o novo decreto do IOF.
“O compromisso feito sobre as medidas que virão na MP foi do Congresso debater e analisar. Elas serão debatidas pontualmente. A partir daí, vamos ver de fato o que passa dessa Medida Provisória. Se o Congresso não concordar com muitas das medidas que o governo vai trazer, vai haver um ‘descasamento’ e nós vamos estar daqui a dois, três meses, discutindo qual o decreto que vai vir”, disse Motta em um evento em São Paulo.
A desavença ocorre porque com a edição de uma MP o governo “fura” a fila: a medida passa a valer imediatamente, produzindo efeitos legais tal qual uma lei aprovada pelo Congresso. No entanto, sua vigência é temporária: dura 60 dias e pode ser prorrogada por mais 60.
Durante esse período, o Congresso Nacional deve analisar e votar a medida, decidindo se ela será convertida em lei. Caso não seja aprovada no prazo, a MP perde a validade, embora os efeitos gerados sob sua vigência possam, em muitos casos, permanecer.
Esse movimento é normal em tempos republicanos, com presidentes desde Fernando Henrique Cardoso (PSDB) editando mais de 100 MPs por mandato. Contudo, a ação recorrente de tratar de assuntos importantes por MPs faz com que seja cada vez mais evidente a baixa eficiência da articulação do governo Lula.
Só neste ano, pelo menos seis ações consideradas prioritárias para a gestão federal foram apresentadas vias MPs. Temas como o Vale Gás, a Tarifa Social da energia elétrica, o crédito consignado para trabalhadores e a alteração dos valores da tabela progressiva do Imposto de Renda foram tratados com esta ferramenta. O último movimento do governo – estopim para as críticas de Motta – foi a compensação a recuos sobre o IOF.
Baixa aprovação
Apesar de ser um instrumento recorrente, dados mostram que ele não é nada eficiente no governo petista. Entre janeiro de 2023 e o início de 2025, o presidente Lula enviou 104 MPs ao Congresso Nacional, segundo levantamento produzido pela consultoria Metapolítica, mas só 14% foram convertidas em lei.
Para efeito de comparação, o terceiro mandato de Lula tem a mais baixa taxa de aprovação de medidas provisórias das últimas gestões, perdendo para o segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), interrompido por um impeachment, e para o mandato de Michel Temer (MDB), que ficou dois anos e sete meses no cargo.
Os índices também se distanciam significativamente dos dois primeiros governos de Lula.
Compare com outros mandatos:
- FHC 2 – 102 MPs apresentadas, sendo 82% transformadas em lei e 18% prejudicadas;
- Lula 1 – 226 apresentadas, sendo 91% transformadas em lei e 9% prejudicadas;
- Lula 2 – 186 apresentadas, sendo 85% transformadas em lei e 15% prejudicadas;
- Dilma 1 – 143 apresentadas, sendo 74% transformadas em lei e 26% prejudicadas;
- Dilma 2 – 77 apresentadas, sendo 78% transformadas em lei e 22% prejudicadas;
- Temer – 135 apresentadas, sendo 54% transformadas em lei e 46% prejudicadas;
- Bolsonaro – 284 apresentadas, sendo 58% transformadas em lei e 42% prejudicadas;
- Lula 3 – 104 apresentadas, sendo 14% transformadas em lei e 86% prejudicadas.
Emendas justificam parte da ‘crise’
Além de mostrar a baixa eficiência da articulação política, a devolução de MPs por parte do Congresso expõe um empoderamento de deputados e senadores, que, com as emendas parlamentares, não são mais dependentes do Executivo para a liberação de recursos.
O dinheiro liberado automaticamente faz com que congressistas ajam de forma mais independente e rejeitem com mais facilidade as resoluções que vêm do governo. Isso é evidente na aprovação destas matérias, mas também com a deliberação de projetos de lei e propostas de emenda à Constituição.
Conforme levantamento de CartaCapital publicado em 7 de maio, o primeiro semestre de 2025 no Congresso Nacional caminha para ser um dos mais improdutivos dos últimos anos.
Aliada às viagens de Davi Alcolumbre (União-AP), que atrasam as sabatinas de indicados às agências reguladoras no Senado, por exemplo, a Câmara dos Deputados registra o pior início de trabalho em um mandato de presidente em dez anos, com apenas 35 deliberações de MPs, PLs e PECs.
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