Política

Rachadinhas: Confissão de ex-assessora embasa acusação contra Flávio

Peça-chave na acusação de desvio de salários no gabinete do senador, Luiza Souza afirmou ter repassado mais de 90% de seus ganhos a Queiroz

Flávio Bolsonaro e Jair Bolsonaro. Foto: Mauro Pimentel/AFP
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Peça-chave na acusação de desvio de salários no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) quando era deputado na Assembleia fluminense, sua ex-assessora Luiza Souza Paes afirmou ter repassado mais de 90% de seus ganhos no Legislativo a Fabrício Queiroz, apontado como operador das “rachadinhas“.

O depoimento foi crucial para embasar a denúncia do Ministério Público do Rio contra Flávio – filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro -, Queiroz e outras 14 pessoas, apresentada à Justiça em 19 de outubro. Todos são acusados de participar de um esquema de repasse de parte dos vencimentos dos funcionários em cargos de confiança no gabinete do então deputado estadual.

Os crimes apontados são peculato (que ocorre quando servidor desvia verbas públicas), lavagem de dinheiro, organização criminosa e apropriação indébita. Com a denúncia na Justiça, os advogados dos denunciados serão notificados para ter acesso ao material e apresentar defesa prévia em até 15 dias. Depois, o caso poderá ser levado ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio pelo relator, desembargador Milton Fernandes. Se a Justiça aceitar a peça do Ministério Público, Flávio e seus ex-assessores no Legislativo fluminense se tornarão réus. Ou seja, responderão a processo criminal e poderão ser condenados ou absolvidos por um juiz.

No depoimento prestado em setembro deste ano aos investigadores, Luiza confessou que nunca trabalhou para o filho do presidente Bolsonaro na Alerj. Porém, por cerca de seis anos, esteve nomeada no gabinete do então deputado estadual e em outros cargos na Assembleia. Era obrigada, segundo relatou, a repassar a Queiroz mais de 90% do que ganhava no Legislativo. Ela apresentou extratos bancários que mostram transferências de R$ 160 mil para o ex-assessor durante esse período, entre 2011 e 2017.

Depois dos repasses a Queiroz, Luiza ficava apenas com cerca de 700 reais por mês. Ela disse que era obrigada a transferir para Queiroz até valores referentes a 13º salário, férias e vale-alimentação, por exemplo.

O depoimento foi revelado pelo jornal O Globo. Foi a primeira vez que um ex-funcionário do gabinete de Flávio na Assembleia assumiu diante da Promotoria que era “fantasma”. Como foram dadas na etapa final da investigação, as declarações de Luiza foram fundamentais para o MP denunciar Flávio e seus assessores.

Ao relatar o seu caso, a ex-assessora incluiu outras colegas de gabinete também como participantes do esquema. São elas as filhas mais velhas de Queiroz, Nathalia e Evelyn, além de uma amiga da família dele, Sheila Vasconcellos. Luiza é filha de Fausto Antunes Paes, amigo do ex-assessor. Eles jogavam futebol em Oswaldo Cruz, na zona norte do Rio, em uma “pelada” chamada “Fala tu que eu tô cansado”. As famílias Queiroz e Paes foram vizinhas no bairro.

No depoimento, Luiza disse que passou a repassar parte dos vencimentos aos 19 anos, quando ainda cursava a faculdade de estatística. Pediu um estágio a Queiroz por meio do pai, e ele a empregou no gabinete na Alerj, por meio da nomeação em cargo de confiança (sem a necessidade de concurso público). Ela alegou que só ficou sabendo que não trabalharia de fato – e que precisaria repassar os valores – no dia da nomeação.

Em junho deste ano, no pedido de medidas cautelares que resultou na prisão preventiva de Queiroz, o MP reuniu provas que mostravam que Luiza não comparecia à Assembleia para trabalhar. Ao rastrear os passos dela por meio do celular, os investigadores apontaram que a ex-assessora só foi ao Palácio Tiradentes em três ocasiões – e apenas para assinar o ponto. Dentro do período ao qual os investigadores tiveram acesso aos dados, entre 2014 e 2017, ela esteve nomeada por 792 dias.

Retroativo

Por meio das mensagens entre Luiza e o pai, a investigação concluiu que ela combinou com o servidor da Alerj Matheus Azeredo Coutinho – que trabalhava no Departamento de Pessoal – de assinar uma espécie de ponto retroativo no dia 24 de janeiro de 2019. Sob orientação de Queiroz, o contato com o servidor se deu por intermédio do ex-advogado de Flávio Luis Gustavo Botto Maia e da assessora Alessandra Esteves Marins.

A denúncia contra Flávio e seus ex-assessores foi apresentada ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio, que é o foro para julgamento de deputados estaduais. O caso, no entanto, poderá voltar para as mãos do juiz Flávio Itabaiana Nicolau, da primeira instância.

O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda deve julgar, na Segunda Turma, um pedido do MP para reverter uma decisão de desembargadores do Rio. Foram esses magistrados que concederam o foro especial ao senador. Eles entenderam que, como era deputado na época dos crimes supostamente praticados, Flávio teria direito a ser julgado pelo colegiado de 25 desembargadores que formam a cúpula do TJ.

Tido como juiz linha-dura, Itabaiana tomou as decisões mais importantes ao longo do processo de investigação. Autorizou três etapas importantes de medidas cautelares, que incluíram quebras de sigilo e mandados de busca e apreensão. Também determinou a prisão preventiva de Queiroz e sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar – atualmente eles estão em prisão domiciliar.

Em abril de 2019 o juiz permitiu a quebra de sigilos bancário e fiscal de dezenas de pessoas e empresas ligadas a Flávio, além do próprio. As informações ali obtidas foram cruciais para, em dezembro daquele ano, o Ministério Público conseguir cumprir outras medidas importantes. Foram buscas, apreensões e outras quebras de sigilo que embasaram a acusação formal apresentada contra o atual senador e seus ex-assessores na Assembleia do Rio.

Defesa diz que denúncia tem vícios processuais

A defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) divulgou nota na quarta-feira 4, afirmando que a denúncia do Ministério Público do Rio contém vícios processuais e não se sustenta. “A denúncia já era esperada, mas não se sustenta. Dentre vícios processuais e erros de narrativa e matemáticos, a tese acusatória forjada contra o senador Bolsonaro se mostra inviável, porque desprovida de qualquer indício de prova”, diz o texto.

“Não passa de uma crônica macabra e mal engendrada. Acreditamos que sequer será recebida pelo Órgão Especial”, consta em outro trecho da nota. Os advogados afirmaram, ainda, que “todos os defeitos de forma e de fundo” da denúncia serão pontuados na formalização da defesa.

Ex-assessora

O advogado da ex-assessora Luiza Souza Paes, Caio Padilha, disse que não pode comentar o depoimento, que está sob sigilo.

“A defesa de Luiza Souza Paes não foi notificada do oferecimento de denúncia e ainda desconhece seu conteúdo. Ainda nesse momento inaugural do processo sobre o qual recai sigilo, não é possível tecer qualquer tipo de comentário extra-autos sobre as fases da investigação”, afirma a nota divulgada pelo advogado.

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