Política

Rachada, a esquerda vive na Câmara o dilema entre resistir e se entregar

PDT e PCdoB estão com Rodrigo Maia, o candidato de Bolsonaro. Em aceno às ruas, PT e PSOL devem apoiar Marcelo Freixo

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Enquanto o cidadão de bem se prepara para a guerra contra a criminalidade munido agora não apenas de liquidificadores, seus representantes travam na Câmara dos Deputados uma batalha cujo resultado pode ser determinante até para o direito à vida expresso na Constituição de 1988. Trata-se dos bastidores da eleição para a presidência da casa, em que deputados e lideranças de matizes diversos se engalfinham, entre tapas e beijos, no afã de compor a maioria que nos próximos dois anos vai ditar as regras da suruba.

Se não propriamente a maioria, pelo menos aquele ungido por ela terá entre suas prerrogativas a de decidir quais propostas serão colocadas em votação. O escolhido a sentar-se no centro da Mesa Diretora, em ofício que na maior parte do tempo o aproxima de um professor Raimundo no comando de sua escolinha, é o segundo na linha sucessória da Presidência da República. Tem, por vezes, a faca e o queijo na mão. Como Eduardo Cunha, que, ao lançar-se como um Adélio contra o inconsistente laticínio, acabou por promover um impeachment fajuto. Deu no que deu.

A votação para a Presidência da Câmara, bem como (esta a “mesóclise” de Bolsonaro, experimentá-la-emos) a escolha para o comando do Senado, acontece no início de fevereiro. Até o fechamento desta edição, dava-se por favas contadas a recondução de Rodrigo Maia, do DEM, à chefia do Legislativo, cargo que ocupou durante o governo Temer. Juntos, os 12 partidos que o apoiam até o momento somam 283 deputados, número superior à maioria absoluta, 257. A eleição estaria resolvida em primeiro turno, não fosse o voto secreto, instrumento comumente usado para o exercício da traição, tanto ao partido como ao eleitor. Em um eventual segundo turno, as favas teriam de ser recontadas, mas ainda assim prevalece a perspectiva de vitória do Botafogo, time do coração de Maia e seu codinome na lista da Odebrecht.

Em reunião de presidentes, Gleisi Hoffman, do PT. Juliano Medeiros, do PSOL, e Carlos Siqueira, do PSB, buscam entendimento para apoio conjunto a um candidato que agrade às bases. Fotografia: Reprodução/Mídias Sociais

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A esquerda, se assim podemos chamar tal agrupamento, está, adivinhe, dividida. No sábado 12, os deputados eleitos do PDT decidiram pelo apoio a Rodrigo Maia, juntando-se ao PSL de Bolsonaro, além de PSDB, PSD, PPS, PROS, PR, DEM, PRB, PSC, Podemos e Solidariedade. Antes, PDT, PSB e PCdoB haviam anunciado um bloco de oposição a Bolsonaro, de forma a criar uma alternativa que não contivesse o PT e, por consequência, estivesse imune ao antipetismo. A escolha do PDT, no entanto, reforça a vocação do campo progressista para a eterna cizânia entre os seus.

“Rodrigo Maia fechou um acordo com o PSL sem discutir com ninguém que o estava apoiando”, queixou-se o presidente do PSB, Carlos Siqueira, em entrevista ao jornal O Globo. “O bloco de Maia tornou-se o bloco do governo.” Com os socialistas a sinalizar agora uma composição com PT e PSOL, a incipiente bancada PDT-PSB-PCdoB já apresenta sinais de que pode ser desbancada. “O eleitorado progressista quer um contraponto a Bolsonaro, e não um alinhamento com aliados do governo”, analisa o deputado petista Paulo Teixeira. “A opção do PDT por Rodrigo Maia mostra que a ferida aberta com o PT durante a campanha ainda não se curou.”

A incipiente bancada PDT-PSB-PCdoB já dá sinais que pode ser desbancada

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De novo a ensaiar um mergulho no sopão que mistura liberais fajutos, esquerdistas de meia-tigela, oportunistas diversos e pragmáticos em geral, o PT chegou a movimentar-se também pelo apoio a Maia, o que já fizera na eleição passada. Caiu na real quando o PSL de Bolsonaro, receoso da derrota, escolheu pular no barco do “representante da velha política” antes que seu bote fizesse água. Ficou a ver navios o colega de partido de Rodrigo Maia, o deputado da milícia virtual MBL, Kim Kataguiri, que aos 22 anos estaria impedido de assumir o Planalto na ausência do general Mourão. A lei estabelece a idade mínima de 35.

Maia tem o apoio de 283 deputados. Mas o voto secreto é um convite à traição. Fotografia: Marcelo Camargo/ABR

“Nossa bancada não participará de bloco com PSL ou aliados do governo Bolsonaro”, tuitou o deputado do PT Paulo Pimenta. “A prioridade é compor um bloco democrático e popular em defesa da democracia, da nossa soberania e dos direitos do povo brasileiro.” Dessa forma, o partido, que está decidido a não lançar candidatura própria, negocia agora um auspicioso apoio ao PSOL e seu deputado eleito Marcelo Freixo. “A agenda que Bolsonaro vai impor exige que a gente esteja forte nas ruas e não com cargos no Congresso”, diz Freixo, em alusão aos postos na Mesa Diretora e nas comissões parlamentares, franqueados ao conjunto da aliança vencedora. Em entrevista a CartaCapital, o principal incentivador da carreira política de Marielle Franco ainda sonha com uma composição mais ampla. “A esquerda toda, se formasse um único bloco, teria 135 votos. É um número muito expressivo dentro da Câmara, e que mandaria para as ruas uma forte mensagem de enfrentamento.” Se o PSB fechar acordo com PT e PSOL, é possível, no entanto, que a candidatura de Freixo dê lugar a alguma indicação daquele partido. A ver.

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Comunistas caminharão juntos com o candidato do ultraliberal ministro da Economia

O deputado federal Orlando Silva, do PCdoB, esforça-se para explicar o inexplicável. Fotografia: Luis Macedo

O sonho de união do campo progressista acordou para a realidade na terça-feira 15 com a decisão de apoio a Maia anunciado pelo PCdoB. O deputado Orlando Silva publicou um longo texto a enumerar as razões que fazem os comunistas caminharem juntos com o candidato preferido do ultraliberal ministro da Economia Paulo Guedes: “1. Garantir o funcionamento democrático do parlamento, de maneira que a oposição possa exercer efetivamente seu papel. 2. Atuar para que o legislativo reequilibre a relação com outros poderes. Isso nos interessa porque interessa à estabilidade democrática, o que no quadro atual tem especial importância. 3. Manter relações políticas amplas, fundamentais para nossa ação nos próximos anos. 4. Participar da governança da casa e das comissões, com alguma relevância”. Paulo Teixeira alfinetou o amigo: “Se precisou de carta tão longa, é porque foi difícil justificar”.

Além de Rodrigo Maia, Kim Kataguiri e Marcelo Freixo, há outros postulantes à Presidência da Câmara: Arthur Lira e Ricardo Barros, ambos do PP, João Henrique Caldas, que é do PSB, mas deve se lançar de forma independente, e Capitão Augusto, do mesmo PR que apoia Maia. A partir de fevereiro, um deles marcará o ritmo e o tom das mudanças propostas pelo governo Bolsonaro. Que não nos retirem tudo, ou teremos de fazer a revolução com nossos liquidificadores!

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