Política

Queixas de candidatas indicam novo perfil de laranjas nas eleições

Candidatas do Podemos, Patriota e Solidariedade foram as que mais procuraram a PRE-SP questionando o uso da cota de gênero na campanha

Plenário da Câmara dos Deputados repleta de deputados homens. Luis Macedo/Câmara dos Deputados Plenário da Câmara dos Deputados repleta de deputados homens.
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Um relatório da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo (PRE-SP) aponta que um novo perfil de candidatas laranjas surgiu na última eleição. A afirmação tem como base um trabalho inédito do órgão para monitorar o uso da cota de 30% do Fundo Partidário e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha para candidatas mulheres, previsto em lei.

Segundo o levantamento que a CartaCapital teve acesso, 50 candidatas paulistas – tanto a deputada federal como a estadual – registraram reclamações sobre a verba pública repassadas a elas por seus partidos. Nesses casos, a legenda é responsável por distribuir essa cota e tem autonomia para decidir a maneira como fazer a repartição. Entre as legendas mais citadas nas reclamações estão o Podemos, com 21 queixas, seguido do Patriota, com sete, e do Solidariedade, com seis. Outros 16 casos foram registrados referentes a outras siglas.

Os motivos vão desde contestações por não terem recebido verba suficiente para financiar suas campanhas, repasse de valores muito desiguais entre as candidatas da legenda até o fato de não poderem usar o dinheiro disponível em suas contas bancárias ou a obrigação de fazer material de campanha junto com outro candidato. Há casos ainda que envolvem a inclusão de notas fiscais de serviços não usufruídos pelas candidatas.

As reclamações protocolas na PRE-SP são parte da matéria-prima para a apuração feita pela promotora Vera Lúcia Taberti, designada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Smanio, para cuidar do tema.

Novas laranjas?

Ainda que o número percentual de reclamações represente 4,12% das mulheres que disputaram uma cadeira paulista no pleito do ano passado, as queixas apontam para uma mudança de estratégia de alguns partidos políticos para cumprir a cota de mulheres candidatas e, em alguns casos, fraudar o uso da verba destinada a elas. Também há o caso da subnotificação.

“Nessas eleições ouvimos casos de várias candidatas que queriam fazer campanha, mas não conseguiram por não ter tido suporte nenhum – material que não chegou, que chegou muito tarde ou que não teve repasse da verba pública”, afirma a promotora.

De acordo com Taberti, a nova candidata laranja é a induzida ou a iludida. “Antigamente, a mulher ou não sabia que era candidata ou sabia e já havia acordado que não faria campanha. Agora não, elas veem uma oportunidade de poderem entrar na política inclusive por haver esse fundo, mas acabam sendo iludidas.”

Para a professora da FGV Luciana Ramos, que em sua pesquisa analisou as candidaturas femininas a deputada federal do estado, essa nova atitude é “problemática”. “A gente sabe que quem tem mais recursos tem mais chance de se eleger. Mas a  mulher não vai perder seu tempo para ficar um mês e meio rodando o estado em busca de votos, sendo que o partido não dá condições. Se ela foi iludida, o direito responde a isso”, afirma.

Até o final do ano, a PRE-SP entrou com duas ações judiciais contra dirigentes de partidos por fraude no uso da cota de gênero de várias candidatas. Outros processo podem ser abertos na área civil.

Barreiras

A promotora explica que, nos casos em que recolheu testemunhos, as dificuldades para essas mulheres fazerem campanha começava logo após o deferimento das candidaturas – ou seja, quando a candidatura feminina já estava contabilizada no número mínimo de mulheres que a legenda deve lançar nas eleições. “As promessas feitas a algumas delas eram que as mulheres seriam prestigiadas e teriam condições de fazer a campanha, mas chegava na hora de repassar a verba era dado poucos reais para a candidata fazer sua campanha estadual ou federal, achando que está tudo bem.”

Taberti questiona a maneira como a verba pública obrigatória é dividida entre as candidatas. “É preciso ter o mínimo para cada uma senão não serve para nada. Esse financiamento público veio justamente para tentar diminuir a desigualdade social para todas as pessoas na política, mas não acontece”, disse.

Leia também: Cota para mulheres gera impasse em meio a recorde de candidatas a vice

A pesquisadora da FGV explica que como, houve muitas mudanças em relação ao financiamento de campanha no último pleito, outros tipos de comportamentos surgiram na dirigência do partidos políticos.

“Olhando as candidatas a deputada federal em São Paulo, nenhuma teve zero votos e nenhuma teve 0 reais. Esse era o critério mais objetivo para declarar as candidaturas como laranjas nas eleições anteriores. Nesse último pleito, esse fenômeno está mais complexo. Os partidos até podem dar um pequena quantia a elas, embora seja pouco, e material de propaganda. O problema é que os santinhos já chegam na casa delas com dobradinhas que nem sempre foi autorizada e com uma foto de um candidato homem. Isso pode ter sido feito com a própria verba delas, mas o partido tomou para si a administração desse recurso. E isso é muito ruim.”

Para a promotora que recebeu as queixas,  não se pode dizer que em toda a eleição paulista apenas 50 candidatas se sentiram enganadas uma vez que muitas não tomam a iniciativa de registrar uma queixa, seja por não conhecerem esse canal seja por medo de represaria dos próprios partidos. Algumas também, diz Taberti, não voltaram para dar andamento a investigação justamente por esse motivo.

Alternativa

Tanto Taberti como Ramos apontam que uma alternativa, tanto para as desigualdades relatadas pelas candidatas como para diminuir as as fraudes, seria regulamentar as leis das cotas de gênero do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Ambas concordam que a regulamentação poderia prever um valor mínimo que cada candidatura poderia receber. “A Constituição prevê que o partido tem sua autonomia partidária. Então ele pode fazer suas escolhas estratégicas que quiser, como escolher aquelas que têm mais chances de se eleger e dar mais dinheiro para elas. Isso é completamente legal, mas é óbvio que o melhor seria que todas fossem prestigiadas nesse sentido. Não com 100 reais, mas com valores que pudessem viabilizar suas campanhas”, diz a pesquisadora.

Outro lado

Os partidos citados foram procurados para se manifestarem. Apenas o partido Patriota não respondeu ao contato feito pela CartaCapital até a publicação da matéria.

Em nota, o Podemos afirmou que “estimula e promove a participação da mulher na política. Cumpre com rigor a legislação no que se refere ao percentual destinado a mulheres ou homens”. Já o Solidariedade disse, também por meio de nota, que “defende políticas públicas para mulheres, reconhece a importância de sua inserção na política e sempre agiu na forma como determina a legislação”.

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