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Queimando a largada

Zema busca ocupar o vácuo de Bolsonaro, mas começou cedo demais a campanha para a Presidência em 2026

Queimando a largada
Queimando a largada
CPI. Durante a pandemia, Zema reduziu os investimentos em saúde mesmo tendo dinheiro em caixa. Seu secretário e alguns subordinados furaram a fila da vacinação - Imagem: Fábio Ortolan/ACMinas e Guilherme Dardanhan/ALMG
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Recebido aos gritos de “Zema presidente” na cerimônia de posse no Palácio da Liberdade, após a folgada reeleição no primeiro turno, com 6 milhões de votos, Romeu Zema só pensa naquilo. Embora tenha um farto rol de problemas para lidar nos próximos quatro anos, o governador de Minas Gerais está decidido a ocupar o espaço político que progressivamente vem sendo deixado vago por Jair Bolsonaro.

Para se consolidar como nome forte contra o candidato de Lula em 2026, Zema não perde uma oportunidade de bater no PT e no novo governo, embora o eventual sucesso de seu segundo mandato dependa fortemente da renegociação das dívidas estaduais com a União. Buscando saí­da honrosa de um partido que, apesar de chamado de Novo, sofre de senilidade precoce, o governador irritou o presidente ao afirmar que Lula fez “vista grossa” para a invasão às sedes dos Três Poderes: “Me parece que houve um erro da direita radical, que é minoria. Houve um erro também, talvez até proposital, do governo federal, que fez vista grossa para que o pior acontecesse e ele se fizesse, posteriormente, de vítima”, disse à Rádio Gaúcha.

Ainda que leviana, a declaração de Zema cumpriu o objetivo de atrair holofotes para seu planejado embate político com Lula. Resta saber qual será seu efeito sobre o encontro programado para a sexta-feira 27, em Brasília, no qual o governador precisa contar com a boa vontade e o espírito público do petista para incluir Minas em um Regime de Recuperação Fiscal (RRF) que permita equacionar uma dívida pública com a União, hoje a ultrapassar os 150 bilhões de reais. O não pagamento da dívida vem sendo possível desde 2018, graças a liminares concedidas pelo Supremo Tribunal Federal após ação movida pelo então governador Fernando Pimentel, do PT. “Zema ganhou de presente do Pimentel, mas é mal-agradecido, uma liminar que possibilitou que não pagasse 1 centavo da dívida nos quatro anos em que governou. Agora, terá de renegociá-la, mas não sei se escolherá esse caminho. Prefere ofender Lula e o PT para tentar ganhar alguns votos da direita e da ultradireita”, avalia o deputado petista Rogério Correia.

O governador terá de renegociar a dívida do estado, de 150 bilhões de reais, com Lula, a quem insulta dia sim, o outro também

Se Bolsonaro tivesse sido reeleito, provavelmente Zema estaria agora celebrando o acordo, previamente costurado, para que seu governo privatizasse a Cemig como “garantia” para aderir ao RRF. Tudo aconteceria nos mesmos moldes que levaram o então ministro Paulo Guedes e o governador do Rio, Cláudio Castro, a sacramentar a venda da Cedae. A entrega da companhia de energia, que não deve prosperar com Lula na Presidência, seria a cereja sobre o bolo de privatizações prometido e parcialmente servido pelo mineiro. A Cemig, segundo o Sindicato dos Eletricitários de Minas Gerais, vem sendo progressivamente sucateada pela atual­ gestão: “Zema piorou deliberadamente a empresa para dizer que, se privatizar, vai melhorar”, resume Emerson Andrada, coordenador do Sindieletro. A ingerência do governador e do Novo na empresa foi alvo de uma CPI que recomendou o indiciamento de 16 pessoas pelos crimes de peculato, improbidade administrativa e corrupção passiva.

Outro motivo de preocupação para Zema na Assembleia Legislativa de Minas são os desdobramentos das investigações sobre sua gestão durante a pandemia. Uma CPI protocolada pelo deputado estadual Ulysses Gomes, do PT, encaminhou ao Ministério Público um pedido de investigação para saber o que levou o governador a reduzir os investimentos na área de saúde mesmo tendo dinheiro em caixa. A mesma CPI indiciou o então secretário de Saúde, Carlos Eduardo Amaral, e mais três subordinados por peculato e improbidade administrativa. Na moita, eles furaram a fila da vacina contra a Covid. “Enganaram todos os mineiros”, resume Gomes.

A transparência nos atos de governo não parece ser mesmo o forte da gestão Zema. Saber o saldo bancário do Executivo estadual, por exemplo, foi tarefa que custou muito esforço ao parlamentar. “Solicitei durante meses informações à Secretaria de Fazenda. Após inúmeras negativas e completa falta de transparência, impetrei ação na Justiça para que a informação fosse passada à Assembleia”, diz. Na época, por meio do Portal da Transparência, a estimativa era de que o governo tivesse 20 bilhões de reais em caixa. “O valor seria suficiente para quitar integralmente o 13º do funcionalismo do ano anterior e regularizar o salário dos servidores muito antes do que foi feito.”

Ambição presidencial. “Zema deseja ser algo para o qual não tem estatura”, diz o deputado federal Rogério Correia, do PT – Imagem: Lula Marques/PT na Câmara

De fato, Zema não é lá muito amigo dos funcionários públicos, o que também pode atrapalhar suas pretensões presidenciais. Um episódio emblemático dessa relação aconteceu quando ele decidiu voltar atrás na concessão de um reajuste salarial de 41,7% para as forças de segurança pública, o que causou uma das maiores crises de sua gestão justamente em meio a um setor sensível da base bolsonarista. Com os profissionais da educação não foi diferente, e a primeira luta do setor neste início de ano é obrigar o governo a pagar o Piso do Magistério no valor de 4,4 mil reais, como foi estabelecido pelo Ministério da Educação. “Mesmo tendo dinheiro, o governo se recusa a fazer uma proposta real de valorização dos profissionais”, afirma a deputada estadual Beatriz Cerqueira, do PT. A gestão de Zema, acrescenta, é marcada pela má utilização dos recursos do Fundeb: “Minas não cumpriu as metas de atendimento da educação infantil. O governador não cumpre o investimento constitucional de 25% e sempre aumenta assustadoramente os restos a pagar para o ano seguinte, gerando um falso entendimento de que o dinheiro está sendo investido. Aqui, as pedaladas fiscais são constantes”.

Cerqueira menciona também o “desastroso” projeto de municipalizar escolas da rede pública estadual. “As prefeituras, que deveriam ter um suporte do governo estadual para ampliar a oferta de vagas, estão sendo pressionadas a assumir toda a demanda do Ensino Fundamental. É uma simples transferência de despesas, sem planejamento e sem que os municípios tenham condições estruturais para isso. Uma cidade que só atendia anos iniciais assumiu de uma hora pra outra todas as matrículas dos anos finais do Ensino Fundamental sem nem sequer ter profissionais na sua rede”, denuncia. Na outra ponta, a sanha privatista do governo mineiro alimenta o Projeto Somar, através do qual uma empresa com sede na cidade baiana de Feira de Santana administra três escolas estaduais da Região Metropolitana de Belo Horizonte. “É uma empresa sem nenhuma experiência pedagógica e um contrato de mais de 50 milhões de reais. Denunciei a empresa ao Ministério Público do Trabalho por não cumprir suas obrigações trabalhistas e por casos de assédio que até levaram os estudantes a realizar uma manifestação.”

Alvo de CPIs, Zema tem uma relação tormentosa com várias categorias de servidores públicos

Rogério Correia diz que “um governador que não consegue pagar o piso salarial dos professores é fadado à derrota”. Para o deputado federal, o “eterno dilema” de Zema é que ele quer ocupar o lugar de Bolsonaro, mas ao mesmo tempo “não pode aparecer tal e qual”, porque a rejeição ao ex-capitão é muito grande, e tende a se ampliar com as recentes descobertas sobre os Yanomâmis e a quebra do sigilo do cartão corporativo. “Bolsonaro vai perder espaço e ficar restrito à sua base ultrarradical”, avalia. “Se Zema se aproximar muito dele, arrisca perder votos em outros setores. Então, ele fica batendo e assoprando, e isso não o coloca, vamos dizer assim, como um sucessor natural.”

O petista diz não acreditar na consolidação do governador de Minas como opção da direita menos conservadora em nível nacional. “Para que seja, terá de enfrentar muitos candidatos melhores do que ele. Acho que Zema deseja ser algo para o qual não tem estatura”, observa. Novato na política, faltaria ao mineiro estofo e traquejo políticos suficientes para nadar no mesmo aquário dos grandes tubarões. “O caminho de Zema, nos próximos quatro anos, será muito difícil e, sinceramente, duvido que ele consiga se viabilizar como presidenciável. Aliás, ele começou muito cedo. Esse é outro problema.” •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1244 DE CARTACAPITAL, EM 1° DE FEVEREIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Queimando a largada”

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