Política

Candidato do PT ao governo de SC mostra força onde Bolsonaro lidera

Décio Lima está na frente das pesquisas do estado, apesar das preferências do eleitorado local pelo candidato do PSL à Presidência

A performance de Décio Lima nas pesquisas mostra uma força inédita da esquerda no estado
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Santa Catarina é um dos raros entre os 27 estados do Brasil em que o ex-presidente Lula não liderava as intenções de voto antes de ter sua candidatura impedida, de acordo com as recentes sondagens divulgadas por Ibope e Datafolha.

O mesmo eleitorado que prefere, em sua maioria, a extrema-direita depositando suas intenções de voto presidencial em Jair Bolsonaro (PSL), coloca o petista Décio Lima na dianteira para a eleição de governador em uma das surpresas da reta inicial de campanha.

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“Bolsonaro é um case de sucesso em termos de comunicação e precisa ser respeitado por sua candidatura e autenticidade. Décio, por sua vez, é um deputado talentoso, tem diálogo com todos os setores e aparece muito acima de outros nomes do próprio PT, inclusive”, comenta o ex-governador Espiridião Amin (PP), um dos políticos mais experientes do estado.

Os índices do deputado federal e ex-prefeito de Blumenau por dois mandatos alcançando votos válidos acima dos 30% são inéditos para uma candidatura de esquerda. O absoluto predomínio dos conservadores se expressa nas ininterruptas gestões no comando da capital Florianópolis e na esfera estadual, os oito anos de administração de Raimundo Colombo (PSD) ratificaram esse controle.

“Vamos dar fim a famigerada tríplice aliança iniciada com Luiz Henrique e seguida por Colombo. Santa Catarina já reconhece como ultrapassado esse momento que nos levou a paralisia, não vamos nem para frente nem para trás. Queremos um governo conectado com os anseios do povo, das mulheres, trabalhadores, negros, lbgts e não que atue em privilégio dos mais fortes”, confia Lenilso Silva, primeiro vereador negro e ativista LGBT de Blumenau.

A escolha dos catarinenses sempre esteve submetida a políticos cujas biografias se alinhavam no passado à ditadura, a exemplo dos Bornhausen e mais recentemente ao golpe e a Michel Temer, entre eles o deputado federal Mauro Mariani (PMDB), coligado a oito legendas e o ex-presidente da Assembleia Legislativa Gelson Merísio (PSD), apoiado por quatorze siglas, do Democratas ao PCdoB. Ambos concorrem ao cargo de governador contra a chapa pura encabeça por Décio Lima e o vice Kiko.

As semelhanças ente os expoentes da direita local e o presidente mais reprovado da história do Brasil pode ser uma das razões para os sinais de mudança manifestados pela população. “A conjuntura nacional toca os catarinenses que também querem o fim de um ciclo marcado pela pilhagem e pelo privilégio a grupos econômicos que ganharam seis bilhões de reais em desonerações enquanto nossa receita total é de 26 bilhões. Temos meio milhão na fila do atendimento, 400 mil desempregados e um estado invisível na vida do povo. A eleição será entre os que querem um governador igual a Temer e aqueles que desejam a renovação por um projeto humano e que proteja o povo”, acredita Décio.

Na linha de frente do programa petista, o Banco do Povo, para oferecer crédito a pequenos empresários e o “Prove Santa Catarina”, investimento na agricultura familiar com garantia de espaço aos produtos no comércio e na merenda da rede estadual beneficiariam mais de um milhão de pessoas.

As duas propostas foram aplicadas em Blumenau, na mesma época quando a cidade foi apontada como a que melhor garantia o direito de ir e vir de seus cidadãos. Para o estado, a candidatura propõe um novo modal de transportes na área litorânea, depois da custosa paralisação da reforma da ponte Hercílio Luz, em Florianópolis. A extinção das agências regionais de desenvolvimento, escritórios dos partidos na opinião dos críticos, permitiria o remanejamento de 650 milhões economizados com a medida.

Os governistas discordam do quadro apresentado e ressaltam o ajuste fiscal, o pagamento em dia do salário do funcionalismo e as obras para controlar as enchentes, especialmente no vale do Itajaí e litoral norte, áreas em que moradores foram vítimas de desabamento em períodos recentes, o mais grave deles em 2013 com o registro de dezenas de mortes. O fato de o estado possuir o menor número de pessoas na extrema pobreza, em torno de 10%, é outro ponto comemorado, ainda que o percentual mantenha-se sem queda no último período.

Apesar dos resultados enaltecidos, o ex-governador até  o momento não consegue transferir votos para Merísio, empacado com 6% nas pesquisas. “Cumpri dois mandatos de mais de sete anos como governador e é natural que os índices de reconhecimento sejam maiores. Os candidatos da coligação governo “Aqui é trabalho”, Gelson Merísio, e o vice João Paulo Kleinübing vão crescer assim que se tornarem mais conhecidos entre os eleitores”, projeta Colombo.

Por enquanto a realidade indica empate técnico dentro da margem de erro do situacionista com os postulantes Ângelo Castro (PCO), com 4% e Ingrid Assis (PSTU), a única mulher na disputa, angariando 2% de apoio, percentuais consideráveis para partidos tratados como nanicos pela pouca adesão que costumam obter.

A reação reacionária

Os defensores da continuidade costumam classificar Santa Catarina com o melhor lugar para se viver no Brasil. Baseiam-se para o diagnóstico nos baixos registros de criminalidade que colocam a segurança pública na condição de segunda mais eficiente do território nacional e na capacidade da economia, a sexta maior geradora de recursos para a federação, de acordo com o volume do PIB.

A maior parte da riqueza produzida, entretanto, concentra-se para latifundiários, mega empresários e oligarquias. No contexto urbano ninguém representa melhor a distorção do que as lojas Havan, uma das maiores redes varejistas nacionais. Depois de espalhar réplicas da estátua da liberdade, símbolo das unidades, o proprietário Luciano Hang atua na difusão da candidatura de Bolsonaro no estado. As denúncias de sonegação e  lavagem de dinheiro em suas atividades não constrangem ou intimidam o declarado antipetista, que chegou a aventar candidatar-se ao senado e ao executivo estadual.

“A corrupção está  associada à coisa pública e a privada passa desapercebida. Precisamos nos questionar sobre o fato de um empresário lucrar milhões e acumular para si todo o valor de um trabalho coletivo”, coloca Nina Fachinello.

O número de outdoors do capitão do exercito nas ruas não deixa dúvida do orçamento elevado de seus apoiadores regionais. A organização do grupo pôde ser sentida na caravana realizada por Lula no sul em seus últimos dias de liberdade. O bloqueio de estradas, as ameaças e agressões tiveram em Chapecó uma síntese das tensões quando da passagem da comitiva do ex-presidente pelo centro do município. O ato que iniciou com xingamentos, arremesso de pedras e objetos sob a conivência da polícia terminou com Lula sendo levado nos braços do povo até seu hotel em uma emocionante reviravolta.

A violência não é novidade para os progressistas da região. O suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) José Cancellier depois de ser denunciado e preso escancarou os métodos autoritários adotados pela Lava Jato e pelo corpo policial.

A busca por direitos pelas classes desfavorecidas também reverte-se muitas vezes em episódios de grave repressão, um dos casos mais flagrantes aconteceu na mesma Chapecó com o assassinato do vereador Marcelino Chiarello (PT), em 2011. Referência para os movimentos populares ao defender greve de professores e indenizações a atingidos por barragens, o parlamentar denunciou esquemas de corrupção que envolviam o poder municipal e, em consequência o ex-prefeito e deputado federal João Rodrigues (PSD), preso este ano devido à condenação por fraude em licitação quando administrava Pinhalzinho.

Muitos dos que exigiam a prisão de Lula são os mesmos que agora perfilam-se ao lado de Rodrigues, que libertado teve o direito a concorrer novamente à Câmara assegurado. Uma das vozes mais reacionárias do parlamento pretende gritar da Câmara baixa e fazer eco no Senado caso confirme-se a eleição de Espiridião Amim e Colombo, todos pertencentes a mesma coligação.

Contando com a máquina partidária do PMDB, que possui 240 mil filiados no estado, o senador tucano Paulo Bauer é o que mais ameaça os líderes.Pelo lado progressista a melhor colocada é a ex-senadora Ideli Salvatti (PT), ex-ministra de Direitos Humanos e Relações Institucionais no governo da presidenta Dilma, com distantes 7% de apoio.

A sombra da praia

“Mudou quase tudo. Quando cheguei em Balneário Camboriú em 1989 o que existia era uma orla simples e uma cidade calma, agora o que vemos em vários lugares é um império dos ricos”, relata Carmen Koff, professora aposentada do Rio Grande do Sul que seguindo o caminho de milhares de gaúchos migraram para Santa Catarina nas décadas de 1980 e 1990.

Se antes os que chegavam eram trabalhadores e aposentados oriundos da classe média, quem atraca no litoral catarinense desde os anos 2000 é a elite gaúcha, paranaense e paulista. Os intermináveis arranha-céus com piscinas à beira mar retratam a gentrificação que simbolicamente exclui cedo da tarde o sol da praia devido à altura dos condomínios. Sob sol baixo, os altos preços dos itens comercializados à beira mar são restritivos as famílias assalariadas – um milho verde não sai a menos de cinco reais e a água de coco custa pelo menos seis, para exemplificar. Em Bombinhas, a exclusão foi institucionalizada a partir da cobrança de um pedágio de 25 reais para os carros quem quiser acessar a cidade.

Os aluguéis e preços dos imóveis retratam com nitidez a desigualdade na repartição dos recursos e das áreas consideradas nobres, atraindo grandes construtoras a fincaram base em Santa Catarina em detrimento de movimentos sociais pela terra e pela moradia. A paisagem que lembra Miami tem até propaganda da atriz norteamericana Sharon Stone, que empresta sua imagem a painéis da FG Investimentos, propagando os ideais do sonho americano.

Passando pela réplica das estátuas da liberdade e pelo olhar da estrela do cinema chega-se à Penha, município que abriga o Beto Carreiro World, versão nacional dos parques temáticos importados dos Estados Unidos, inacessível a maioria dos conterrâneos pelo valor da entrada, embora atrativo aos turistas detentores de poder aquisitivo.

A faixa do litoral recebe ainda o Congresso dos Guideões, encontro anual de missionários, pastores e fiéis que reúnem-se para palestras e pregações nomes como o deputado federal Marcos Feliciano. No interior, os costumes se expressam nos festivais alemães da Oktoberfest sediados em Blumenau enquanto o calendário de rodeios roda diferentes regiões do estado mensalmente.

“Se fala muito no Nordeste mas aqui existe a lógica dos caciques. Há localidades de relativa prosperidade que por serem muito fechadas apresentam uma ideologia conservadora manifestada na visão política de rechaço à esquerda, especialmente ao PT. A

pesar disso, a dispersão dos votos da direita e o desgaste do atual governo podem favorecer Décio, que é muito conhecido do eleitorado, uma vantagem em relação a seus adversários. O progressismo por aqui é mais localizado na parte oeste com a presença do MST e na capital em virtude das universidades e do estilo de vida da ilha”, contextualiza o sociólogo Gabriel Tolosa.

O passado e mesmo o cenário atual trazem dúvidas se a candidatura do petista Décio manterá o fôlego apresentado até o momento e chegará na reta decisiva com potencial para tornar-se o futuro governador, o primeiro pela esquerda. Os caminhos são difíceis, mas conforme anuncia a expressão típica dos catarinenses, “segue em frente toda vida” é no que confia a população que deseja a mudança.

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