Política

PT chega aos 40 anos em crise existencial e com dilemas eleitorais

Burocratização, falta de renovação, mudança socioeconômica do País e bolsonarismo desafiam o partido

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Foto: Instituto Lula
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O PT preparou um festival com cinema, música e debate político para comemorar, no Rio, seus 40 anos de fundação, a ser completados em 10 de fevereiro. Por trás das cortinas festivas, esconde-se uma crise existencial naquele que é o maior partido de esquerda da América Latina, conforme se ouve de petistas graúdos.

O partido envelheceu e não sabe ao certo como rejuvenescer em um Brasil social e economicamente bem diferente daquele de 1980, ano de seu surgimento. O longo tempo no poder federal afetou a capacidade interna de pensar ideias novas, abriu um fosso com as bases e as massas, abalou sua imagem com escândalos. Se continua a sigla preferida dos brasileiros, é também a mais repudiada.

Ter o governo Jair Bolsonaro como pano de fundo e rival principal piora tudo. Um ano após a posse do ex-capitão, o PT ainda busca um discurso eficiente contra o bolsonarismo. “O governo fica com suas patacoadas, com guerra cultural, e a gente vai junto. Precisamos dialogar com os problemas reais da população”, diz o deputado Alexandre Padilha, pré-candidato a prefeito de São Paulo.

Quando o PT nasceu, compunha-se de quadros prontos e acabados. Sindicalistas grevistas, Lula à frente; militantes anti-ditadura (1964-1980), como os “Josés” Dirceu e Genoino; intelectuais de obra reconhecida e consolidada, caso do historiador Sérgio Buarque de Holanda; ativistas católicos das comunidades eclesiais de base, como Gilberto Carvalho.

Os personagens inaugurais do petismo ganharam idade, foram para o governo federal (2003 a 2016). Não houve, na quantidade e com a energia necessária, jovens que herdassem as tarefas criativas internas desempenhadas pela velha-guarda.

Ao mesmo tempo, surgiu uma geração de “burocratas” que capturou espaços de poder, não tem expressão política e usa o partido mais para fins próprios do que coletivamente. Um problema geracional que, talvez, o tempo resolva. Ou então “uma derrota fragorosa na eleição presidencial de 2022”, na opinião do senador Humberto Costa, de Pernambuco.

Um exemplo do peso dessa captura está no “pepino” que virou a escolha do nome petista à prefeitura paulistana. Se depender da máquina partidária local, será o presidente municipal, Jilmar Tatto, antigo mas sem brilho no petismo. A cúpula nacional do PT acha que Tatto não é a renovação de que precisa na maior cidade do País e quebra a cabeça para derrotá-lo em prováveis prévias.

As dificuldades decorrentes da força da burocracia ficaram expostas na formação da nova direção do PT. Em novembro, no 7o Congresso Nacional petista, a deputada paranaense Gleisi Hoffmann foi reeleita para presidir o partido por quatro anos. O Congresso terminou, porém, sem a distribuição completa dos postos de poder entre as chamadas “correntes” internas.

Fernando Haddad, Lula e Gleisi Hoffmann no Congresso do PT (Foto: Ricardo Stuckert)

Um acordo sobre a distribuição foi fechado só recentemente. Uma costura que, segundo um petista, “tragou” o ex-presidente Lula, solto da prisão em 8 de novembro, às vésperas do Congresso, e obrigou-o a mergulhar nos problemas do PT, antes de agir como líder da oposição progressista a Bolsonaro.

Para Gleisi, o PT chega “maduro” e “experiente” aos 40 anos, graças ao tempo no poder e na oposição, e ainda representa “a pluralidade e a diversidade” brasileiras. Ela admite, porém, que o partido vive um momento “duro” com Bolsonaro. O motivo? “A convergência de dois fatores. Na economia, o ultraliberalismo e na política, o neofascismo”, diz. Como neoliberalismo não resolve os problemas da população, afirma, abre-se campo fértil à violência, estimulada pelo bolsonarismo.

Esse momento “duro” exige do PT “revisão” e “modernização”, a fim de se reaproximar das bases, diz Gleisi. Não será fácil, teoriza Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula por oito anos na Presidência. Segundo ele, as fábricas não têm mais tantos trabalhadores quanto nos anos 1980, a “uberização” dos empregos é uma realidade, a comunicação, antes concentrada na grande mídia, controlada por meia dúzia de famílias, agora está pulverizada, por causa das redes sociais, da web.

De qualquer forma, duas iniciativas estão a caminho, a fim de “modernizar” o PT e colocá-lo mais perto das ruas. O partido deve lançar até março o “PT Digital”, um aplicativo para os 2,3 milhões de filiados comunicarem-se com dirigentes e instâncias internas. Será uma forma de democratizar decisões e saber quem, dentre os filiados, atua de fato.

Além disso, o partido realizará em abril um encontro de seus 17 núcleos regionais evangélicos com o núcleo nacional, comandado pela deputada e ex-governadora do Rio Benedita da Silva. Logo que chegou a São Paulo após a libertação em Curitiba, Lula comentou com um amigo que era preciso dialogar de novo com os evangélicos. Estes são hoje uns 30% da população, conforme o Datafolha.

Fiador da recondução de Gleisi ao comando do PT, apesar de resistências internas a ela, Lula está decidido a aproveitar a eleição municipal de outubro para botar o partido para defender seu legado de ex-presidente e a limpar a imagem petista, fraturada por “mensalão”, Operação Lava Jato e queda de Dilma Rousseff. A eleição municipal anterior, de 2016, mostrou o PT no fundo do poço, com muitas derrotas, no embalo do impeachment de Dilma.

A visão expressa por Lula agora significa lançar competidores petistas a prefeito no maior número possível de cidades. Só a vereadores, serão de 20 mil a 30 mil candidatos – o País tem 56 mil vereadores. “O Lula foi sempre o mais ‘aliancista’ de todos nós, agora está com uma postura diferente, por entender que está em jogo a sobrevivência do partido”, diz um interlocutor dele.

Sobrevivência de um lado, afastamento de aliados, de outro. No Rio, Lula cogita lançar a candidatura de Benedita da Silva, embora tenha se aproximado de um outro interessado na vaga, deputado Marcelo Freixo, do PSOL. Como reagiria o PSOL em 2022, em caso de uma chapa com Benedita?

Em Recife, há risco de o PT dinamitar pontes com o PSB, hoje no poder na cidade. Lula estimula candidatura da deputada petista Marília Arraes, neta do falecido governador de Pernambuco Miguel Arraes. Marília faria certamente uma campanha contra o PSB, partido também do governador do estado, Paulo Câmara, maior força do PSB no País. Como reagiria o PSB na eleição de 2022?

Dúvidas e dilemas em um PT que se torna “quarentão” meio em “frangalhos”, segundo um parlamentar petista.

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