Política
Protetores da Amazônia
O estímulo à agricultura familiar e o acesso à tecnologia são essenciais à preservação da floresta


A Cúpula da Amazônia, que ocorrerá dias 8 e 9 de agosto em Belém, tem como objetivo formar uma coalizão para as negociações climáticas internacionais, incluindo a COP-30, que acontecerá em 2025 na mesma cidade. O presidente Lula defendeu Belém como sede da COP-30 e destacou a importância de se conhecer a Amazônia para entender o desafio de conservar a floresta, desafio este diretamente relacionado com os problemas sociais da região.
Visando contribuir com este debate, o Instituto Fome Zero organizou o seminário “Regionalismo Amazônico: Pode o Combate à Fome Orientar Políticas Públicas Que Conservem o Meio Ambiente?”, com ativistas e especialistas em Amazônia. O evento concluiu que promover a segurança alimentar e nutricional é fundamental para sustentar a biodiversidade, e que soluções como empreendedorismo, políticas públicas inclusivas e valorização do conhecimento local são essenciais.
Frutos e outros produtos alimentares locais, como o açaí, podem contribuir para o desenvolvimento sustentável da região, mas é necessário enfrentar a informalidade no processo produtivo e as forças de mercado que prejudicam a renda das famílias amazônicas. Políticas públicas de apoio aos pequenos produtores e à diversificação da produção, bem como o desenvolvimento de inovações técnicas em parceria com o conhecimento tradicional, são importantes para melhorar a qualidade de vida das comunidades locais. Políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos e a Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade podem ser parte da solução, mas possuem obstáculos que precisam ser superados. A burocracia governamental, a falta de infraestrutura de transporte e de comunicação, além de serviços básicos de apoio ao cidadão, atrapalham a efetiva adesão e inclusão de mais produtores nos programas. Além disso, os preços pagos por esses programas precisam, efetivamente, gerar uma renda digna.
Em termos de infraestrutura, um elemento incontornável é o acesso à internet. A difusão de conectividade virtual é essencial por causa das enormes distâncias, da dispersão das coletividades nos territórios, assim como das inerentes dificuldades de locomoção. A integração à rede mundial de computadores pode eliminar a necessidade de custosas viagens para resolver questões burocráticas corriqueiras e próprias das políticas públicas. Mais que isso, pode facilitar a resolução de problemas técnicos em maquinários, economizando tempo e recursos com o deslocamento de especialistas. A conexão virtual entre produtores e mercados pode abrir novas oportunidades de negócios, inclusive diminuindo a atuação de atravessadores, garantindo uma renda maior para as famílias e produtos com menor custo e maior qualidade para o consumidor final.
A conexão via internet entre produtores e mercados abre novas oportunidades de negócios
Com relação ao empreendedorismo, a industrialização pode ser aliada da segurança alimentar e nutricional, especialmente se houver foco no mínimo processamento dos produtos para gerar empregos, agregar valor e, ao mesmo tempo, ofertar alimentos saudáveis. Para isso, órgãos de fomento são fundamentais para facilitar o acesso ao crédito para as comunidades, cuidando para não induzir endividamento nocivo. Um exemplo de desafio para empreendedores e gestores públicos é trabalhar por uma transição alimentar em escolas, incluindo mais alimentos da floresta nas merendas, como uma forma estratégica de formação cultural e de consumidores locais. Experiências locais sugerem que a utilização de alimentos amazônicos precisa vir com preparações gostosas, além de embalagens bonitas e práticas, para ganhar o imaginário das comunidades e substituir alimentos ultraprocessados.
Simultaneamente, a produção de subsistência ou para diversificar a alimentação é fundamental para garantir melhores condições de vida, tanto nas áreas urbanas quanto nas mais afastadas. Apoiar roçados e o cultivo em quintais, seja para consumo familiar ou para os mercados locais, são ações que podem melhorar o balanço nutricional, a manutenção de tradições alimentares e a biodiversidade. Por isso, o foco de políticas públicas em pequenos produtores e na agricultura familiar é essencial. Para que essas políticas sejam efetivas, elas precisam, porém, ser inclusivas, permitindo a participação dos povos locais ao serem formuladas. Elas precisam garantir renda, bem como acesso a terras e águas adequadas às populações nativas, além de insumos apropriados e, muito importante, oportunidades de estudo e de formação.
Cabe destacar, aliás, outro aspecto que impacta a renda dos produtores: políticas públicas que estimulam cadeias longas de produção e comércio, principalmente com vistas ao mercado externo. Estudos sobre a cadeia do açaí, por exemplo, apontam que alimentos mais sustentáveis, acessíveis e que garantem melhor remuneração aos produtores locais estão em circuitos curtos de produção e consumo. Criar as condições para a internalização das cadeias de beneficiamento de matéria-prima amazônica, em seu entorno territorial, pode aumentar a renda e melhorar o acesso a alimentos.
Finalmente, é importante considerar a inclusão das mulheres e fortalecer as associações locais para coproduzir políticas públicas adequadas às necessidades das comunidades. Experiências bem-sucedidas podem colocar um eventual bloco amazônico em destaque nas negociações climáticas internacionais e atrair mais investimentos e cooperação internacional para o desenvolvimento da sociobiodiversidade. A Cúpula da Amazônia é um momento propício para pactuar a realização de iniciativas desse tipo e, com isso, superar a simples perspectiva de preservação da floresta. •
*Thiago Lima é coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais (FomeRI) da UFPB e integra o Instituto Fome Zero;
Erbenia Lourenço é mestra em Gestão Pública e Cooperação Internacional pela UFPB e pesquisadora do FomeRI. A Fundação Heinrich Böll – Brasil apoia esta iniciativa do Instituto Fome Zero.
Publicado na edição n° 1271 de CartaCapital, em 09 de agosto de 2023.
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