Política
Protagonismo intacto
Presidente do Ibama justifica a licença concedida à Petrobras e reforça a liderança do Brasil no debate climático
 
         
        Não é fácil a tarefa do presidente do Ibama. O órgão precisa fiscalizar e combater o desmatamento e outros crimes, além de coordenar estudos e emitir pareceres de licenciamento de empreendimentos. Frequentemente, está no centro de críticas contraditórias: uns o acusam de afrouxar regras ambientais, outros o consideram radical e inimigo do desenvolvimento. Essa tensão se repetiu quando o Ibama concedeu à Petrobras, no início do mês, a licença para pesquisas de petróleo e gás em um poço na Margem Equatorial, a 500 quilômetros da Foz do Rio Amazonas e a 170 quilômetros da costa do Amapá. Em entrevista a CartaCapital, o presidente Rodrigo Agostinho justifica a decisão e ressalta que ela não compromete o protagonismo brasileiro nas discussões climáticas. “O Brasil conseguiu a maior redução nas emissões de gases de efeito estufa no mundo, e isso se deve principalmente à queda do desmatamento.”
CartaCapital: Há dois anos, o Ibama negou à Petrobras a autorização para perfurar um poço na Foz do Amazonas. Agora, a licença saiu. O que mudou?
Rodrigo Agostinho: Este é um processo antigo, que tramita no Ibama há 11 anos, desde que o lote pertencia a uma empresa privada. Estamos falando de uma região extremamente sensível e com pouca infraestrutura, especialmente para garantir a segurança na exploração de petróleo. Sempre defendemos que era necessária uma estrutura de atendimento a emergências mais perto do bloco. Após a negativa de licença, em maio de 2023, a Petrobras decidiu investir nisso. Até então, a unidade mais próxima ficava em Belém, a 700 quilômetros da área de perfuração. Hoje, há uma base no Oiapoque, a apenas 170 quilômetros. Esse foi o grande diferencial.
CC: Foram feitos todos os testes?
RA: Não havia consenso de que essa estrutura estava à altura das necessidades. O Ibama decidiu testar o plano de emergência da Petrobras, uma ação realizada há 50 dias. Fizemos uma avaliação pré-operacional, na qual o plano foi testado à exaustão num simulado que durou três dias e envolveu 400 profissionais. Após essa análise e diversos ajustes, a licença para pesquisa do Lote 59 foi concedida. A infraestrutura de apoio a possíveis emergências apresentou melhorias significativas, oferecendo uma base sólida para que o Ibama pudesse emitir a autorização técnica para esse lote.
CC: ONGs recorreram à Justiça para suspender a licença, alegando que pré-requisitos como a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar não foram cumpridos. O Ministério Público Federal pediu para ser coautor desta ação.
RA: Não vou comentar a ação, porque é um assunto em discussão no Judiciário. Mas, em relação à AAAS, é importante destacar que, por se tratar de uma nova fronteira em um ambiente bastante sensível, a realização dessa avaliação teria sido muito útil para o licenciamento da área. Trata-se de uma análise ambiental estratégica, que considera não apenas a área de pesquisa, mas toda a região, fornecendo dados mais sólidos sobre a direção dos ventos, das correntes e sobre os riscos às comunidades locais. Em todo caso, ela não integra o processo de licenciamento. É algo preparatório, normalmente contratado pelo Ministério de Minas e Energia, e isso não ocorreu.
CC: Se a Câmara derrubar os vetos do Executivo ao PL do Licenciamento, em que medida ficarão prejudicadas as análises realizadas pelo Ibama?
RA: O licenciamento é um dos principais instrumentos do direito ambiental brasileiro. Ele garante o equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade. No entanto, muitas vezes é menosprezado. Alguns acreditam que se trata de um procedimento de cartorário, em que basta apresentar o projeto para obter a licença. Na realidade, o mais importante é todo o trabalho de definição da viabilidade e das condicionantes e compensações. Para o Ibama, é fundamental que os vetos sejam mantidos, até porque alguns pontos rejeitados podem comprometer a constitucionalidade da lei. Não encaro isso como uma derrota antecipada. Confio na capacidade de diálogo.
CC: O orçamento do Ibama é satisfatório?
RA: No primeiro dia do governo Lula, o Ibama recebeu um aumento orçamentário significativo, amplamente discutido durante o período de transição. O órgão ganhou força e uma nova estrutura, além de um planejamento estratégico. Ao longo desses três anos, conseguimos reequipar a instituição com viaturas, helicópteros, armamentos e infraestrutura tecnológica. O setor de combate a incêndios passou de 200 para 800 viaturas. Atualmente, o Ibama utiliza Inteligência Artificial para localizar desmatamentos, garimpos e pontos de extração de madeira.
CC: Em que pé está a reestruturação dos quadros após o desmonte bolsonarista?
RA: No primeiro ano, contratamos 160 servidores do cadastro de reserva do último concurso. Em 2025, conseguimos incorporar mais 460 profissionais. O quadro está sendo reforçado. Ainda não atingimos o ideal, mas já houve uma melhora significativa na nossa capacidade de atuação. Estamos conseguindo reduzir o desmatamento em todos os biomas, combater o garimpo e a extração ilegal de madeira, além de enfrentar crimes contra a fauna. Da mesma forma, aprimoramos nossa eficiência no licenciamento de empreendimentos e na aprovação da exportação de produtos brasileiros pelas áreas portuárias, com maior rapidez.
CC: Qual é a estratégia no combate às facções criminosas?
RA: O Ibama não realiza investigações por conta própria, mas utiliza o trabalho investigativo de outros órgãos, atuando em parceria com a Força Nacional, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e os órgãos de segurança estaduais para desarticular as organizações criminosas. Nas Terras Indígenas trabalhamos com a Funai e, nas unidades de conservação federais, com o ICMBio. É uma ação articulada, com amplo uso de tecnologia. Em algumas regiões, temos encontrado centenas de retroescavadeiras usadas no garimpo ilegal, avaliadas em mais de 1 milhão de reais cada. Nossos fiscais têm sido recebidos a tiros de fuzil em várias áreas. Por isso, o Ibama prioriza o uso de tecnologia, embarga a distância os locais de desmatamento com imagens de satélite e impede que os envolvidos recebam financiamento público. Conseguimos reduzir o desmatamento na Amazônia em mais de 50%, considerando o acumulado desde o início do governo. Essa tendência se repetiu nos demais biomas, embora alguns sejam mais sensíveis e vulneráveis, inclusive por mudanças climáticas, como o Pantanal e o Pampa.
CC: Qual é a sua expectativa em relação à COP30?
RA: O Brasil conseguiu a maior redução nas emissões de gases de efeito estufa no mundo, e isso se deve principalmente à queda do desmatamento. Somos o quinto maior emissor, embora nossas emissões representem apenas 3% do total global de carbono equivalente. Agora estão sendo implementadas outras medidas desenvolvidas no âmbito do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal (PPCDAm), que incluem a demarcação de Terras Indígenas, a criação de áreas protegidas, as concessões florestais e o mercado de carbono, além de diversas iniciativas voltadas para valorizar a floresta em pé. Entre elas está a rastreabilidade de produtos na Amazônia, que dificulta cadeias geradoras originadas na devastação florestal. Esse conjunto de ações garante o protagonismo brasileiro na COP30, e o Ibama teve papel central. O combate ao desmatamento liderado pelo órgão fez as emissões do País despencarem. •
Publicado na edição n° 1386 de CartaCapital, em 05 de novembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Protagonismo intacto
‘
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
 
            


