Política

Procura-se um vice-presidente

Faltam apenas quatro dias para o fim do prazo de definição das chapas e maioria dos presidenciáveis segue sem vice

As relações entre Temer e Dilma se deterioraram e o vice chegou a se queixar do papel 'decorativo'
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Por Jean-Philip Struck

No final de 2015, Michel Temer subverteu o papel aparentemente de mero caráter simbólico da vice-presidência ao romper com a então cada vez mais enfraquecida Dilma Rousseff. Poucos meses depois, se tornou o oitavo vice-presidente da história brasileira a assumir o cargo máximo da República.

Temer, um político veterano especializado em negociações nos bastidores, havia articulado sua indicação a vice de Dilma em 2010. O padrinho da petista, Luiz Inácio Lula da Silva, preferia outro nome do PMDB, mas no final se submeteu ao cálculo político.

A aliança com Temer garantiu que a candidata petista contasse naquele ano com 40% do tempo de TV destinado à campanha eleitoral e já passasse a garantir de antemão uma base de apoio aparentemente sólida para governar – o PMDB tinha então a maior bancada na Câmara.

No poder, no entanto, as relações entre Temer e Dilma se deterioraram. O vice chegou a se queixar de ter sido isolado e relegado a um papel “decorativo”. Mais de cinco anos depois, já afastada, Dilma disse que a escolha de Temer havia sido “um erro” e chamou seu antigo vice de “traidor”.

Em 2018, a maior parte dos pré-candidatos à Presidência ainda continua a procurar um companheiro de chapa seguindo os mesmos cálculos que levaram Lula e Dilma a aceitar Temer.

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Segundo analistas ouvidos pela DW, o motivo é menos o temor de um “vice rebelde” como foi Temer e mais a importância de angariar apoios de outras siglas e de potencialmente usar a imagem do companheiro de chapa para atrair determinado eleitorado.

“O vice ajuda a equilibrar a chapa, seja em critérios ideológicos, de região e do eleitorado. Se um candidato for de esquerda, ele vai tentar compor com alguém de perfil mais conservador. Se for de determinada região, vai escolher um vice de outra. Um candidato homem também pode ter preferência em uma mulher”, avalia o cientista político Ricardo Caldas, da Universidade Nacional de Brasília (UnB). “O que aconteceu entre Dilma e Temer não está entrando no cálculo político.”

Já o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, afirma que um “fator Temer” na escolha de um vice está sendo levado em conta pelos pré-candidatos, mas com menor peso do que os fatores geográficos e partidários.

“Não há dúvida que a escolha do vice ganhou outra dimensão depois do impeachment. A proximidade e o relacionamento são elementos que certamente contam, mas não são os principais”, diz.

Corrida pelo vice

O atual cenário eleitoral também aponta que os pré-candidatos nem se podem conceder o luxo de escolher um vice de sua preferência pessoal. A poucos dias do fim do prazo para a realização das convenções partidárias, nenhum dos seis pré-candidatos mais bem posicionados nas pesquisas (incluindo Lula) definiu quem vai ocupar o segundo lugar em suas chapas.

Até o momento, apenas dois candidatos nanicos, Guilherme Boulos, do PSOL, e Vera Lúcia, do PSTU definiram oficialmente seu vices em convenção partidária. Eles optaram por chapas “puro-sangue”, com quadros dos seus próprios partidos.

O cenário é contrastante com eleições anteriores. Em 2010, o PMDB já havia fechado com o PT a vaga de vice já no ano anterior. Em 2014, Marina Silva foi indicada inicialmente como vice de Eduardo Campos (PSB) em abril. Já a aproximação de Lula e de José Alencar havia começado um ano antes das eleições de 2002. Em 1994, o então candidato Fernando Henrique Cardoso já havia acertado a vaga de vice com o antigo PFL em abril.

Por enquanto, Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro (PSC) oficializaram suas candidaturas em convenções sem definir seus companheiros de chapa. Bolsonaro, apesar de aparecer no topo das pesquisas na ausência de Lula na disputa, já ouviu três negativas quando ofereceu o cargo de vice, primeiro da ex-corregedora nacional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Eliana Calmon, depois do senador evangélico Magno Malta (PR-ES) e, por fim, do general reformado Augusto Heleno (PRN).

Em dois casos, a recusa partiu dos partidos em se aliar com a sigla de Bolsonaro. O pré-candidato do PSL ainda aguarda a resposta de um convite oferecido à advogada Janaína Paschoal, do seu próprio partido. Diante do impasse, Bolsonaro já afirmou que a definição deve ficar para o dia 5 de agosto. Além de Paschoal, também são cotados para o cargo o príncipe Luiz Philippe de Orléans e Bragança e o astronauta Marcos Pontes, também do PSL. Dessa forma, Bolsonaro pode acabar se limitando a concorrer em uma chapa pura. 

Ele não é único que já teve o convite recusado. O ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) recebeu um “não” divulgado publicamente pelo empresário Josué Gomes (PR), filho do ex-vice-presidente José Alencar. Alckmin largou na frente na formação de alianças, garantindo o apoio de partidos como PP, DEM, PR e PRB, mas ainda não há definição sobre quem será o vice.

Ciro e Marina seguem por enquanto sondando alianças. A ex-ministra ofereceu nesta semana a vaga a Eduardo Jorge, ex-candidato do PV à Presidência em 2014, mas ainda aguarda uma reposta dos verdes.

Já o PT vive a indefinição sobre a própria candidatura de Lula à Presidência. A indicação de um vice na chapa é vista com especial atenção já que ele pode eventualmente ser cotado para assumir a própria posição de candidato à Presidência no caso de Lula ser barrado pela lei da Ficha Limpa.

Dificuldades

Segundo Ricardo Caldas, a pulverização das candidaturas e a indefinição que cerca a Lula tem levado vários partidos a adiar a formação de alianças e a indicação de vices. “Os partidos que não têm candidatos próprios à Presidência querem esperar até o enésimo momento para tirar o máximo de vantagens”, comenta.

Já Rafael Cortez avalia que os partidos que normalmente estariam interessados na vaga do vice não enxergam por enquanto quem pode ser o vencedor na disputa, a mais imprevisível em décadas. Isso tem adiado a formação de alianças.

 “O cenário ficou mais incerto. Os partidos por enquanto não enxergam uma perspectiva de poder na maior parte das candidaturas e não querem apostar em quem será o vencedor. Não se tem nem certeza sobre qual é a melhor estratégia para conseguir angariar votos durante a eleição”, diz. Para ele, a incerteza e o número de candidatos também aumentou o poder de barganha dos partidos do chamado “centrão”. “Não há mais uma polarização entre o PT e PSDB, que costumava atrair esses partidos para apenas dois candidatos”, complementa.

Após a definição dos vices, resta saber como o eleitorado vai avaliar o peso dos nomes dos indicados à vice após o início oficial da campanha eleitoral. Em 2010, o ano em que Temer foi eleito pela primeira vez como vice-presidente, uma pesquisa do Datafolha apontava que 58% dos eleitores afirmavam que o nome do vice não influenciava seu voto.

No Brasil, até 2006, o nome do vice-presidente nem sequer aparecia ao lado daquele do candidato que encabeçava a chapa, tanto nas cédulas de papel dos anos 1990 quanto na urna eletrônica. A foto do vice só passou a constar em 2010.

Segundo Caldas, o eleitorado não deveria enxergar o cargo como uma função sem prestígio. “O ocupante é um presidente em espera, que a qualquer momento pode virar presidente”, diz, lembrando que vários vice-presidentes da história brasileira acabaram ocupando a Presidência.

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