A prisão do ex-ministro Guido Mantega na manhã desta quinta-feira 22, revogada horas depois pelo juiz federal Sergio Moro, voltou a suscitar um acalorado debate jurídico sobre os excessos e irregularidades da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Na avaliação de especialistas consultados por CartaCapital, a medida era desnecessária e os agentes da Polícia Federal agiram de forma abusiva no cumprimento do mandado, ao retirar Mantega do Hospital Albert Einstein enquanto a sua esposa passava por uma cirurgia para combater um câncer.
De acordo com Geraldo Prado, professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a prisão temporária só se justifica quando há um comportamento concreto e efetivo do suspeito, apontado pelo juiz e pelo Ministério Público, a impedir a polícia de ter acesso a informações para prosseguir na investigação. Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça fluminense, Prado não identificou qualquer ato dessa natureza atribuído ao ex-ministro na decisão do juiz.
“Quando se lê as 25 páginas do despacho de Moro, o que se vê é uma verdadeira sentença condenatória, um juízo prévio e absolutamente maduro da existência de crimes. Em nenhum momento, há, porém, a indicação de qualquer comportamento que permita dizer que Mantega estava prejudicando a investigação”, diz o especialista. “No máximo, há uma especulação de que isso poderia acontecer, com eventual falsificação de documentos. Isso é inaceitável. O processo penal brasileiro ainda é regido pela presunção da inocência.”
De fato, ao analisar os fundamentos do “risco à investigação e à instrução”, Moro aborda a questão de forma genérica: “Os crimes foram praticados através de estratagemas sofisticados, com uso de contas secretas no exterior e a produção de documentos falsos, inclusive contratos de prestação de serviços simulados ou superfaturados. A falsificação de documentos para acobertar crimes coloca em risco a integridade da instrução e da investigação, havendo risco da produção de novos documentos falsos para conferir suporte a contratos simulados ou superfaturados”. É tudo.
Prado observa, ainda, que a prisão temporária deve, necessariamente, colocar um ponto final no comportamento do suspeito que impede a polícia de investigar. “A decisão de Moro é datada de 16 de agosto de 2016, portanto, há mais de um mês. Se houvesse alguma ação impeditiva daquela investigação, ela teria sido executada naquela oportunidade”.
A crítica é reforçada pelo deputado petista Wadih Damous, ex-presidente da OAB do Rio de Janeiro. “Os procuradores solicitaram a prisão em julho, o juiz autorizou em agosto e só agora eles cumprem esse mandado, de forma espetacularizada, como é o padrão da Lava Jato. Se Mantega representava um risco à investigação, por que demoraram tanto a agir? E por que esse risco deixou de existir em tão pouco tempo?”, indaga o parlamentar. “Criaram mais um espetáculo deprimente e humilhante, desta vez na porta de um hospital, para manchar a reputação do PT”.
Na avaliação do jurista Wálter Fanganiello Meirovitch, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e colunista de CartaCapital, desde a sua decretação a prisão era desnecessária.
“O ex-ministro é acusado de fatos que remontam a 2012. Depois disso, nenhum outro ilícito foi atribuído a ele. Mantega é professor, tem domicílio certo, nunca se furtou a prestar esclarecimentos à Justiça. Além de desnecessária, a prisão temporária dele foi exagerada e desproporcional”, diz Maierovitch. “Os mandados de busca e apreensão poderiam perfeitamente ser executados com o suspeito solto. Se houvesse algum tipo de resistência, ele poderia ser preso em flagrante”.
A atuação dos agentes da polícia judiciária federal no cumprimento do mandado expedido por Moro também é criticada por Maierovitch: “Mantega acompanhava a cirurgia da esposa. Diante da situação, os agentes deveriam aguardar o momento adequado. Precipitaram-se e cometeram abuso. Poderiam ter esperado na porta do hospital”.