Política

Primeiro a votar no TSE, Barroso nega candidatura de Lula

Relator decidiu que Lei da Ficha Limpa impede o ex-presidente de disputar as eleições. Faltam os votos de seis ministros

Luís Roberto Barroso, ministro do STF e do TSE
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Relator do caso de Lula no Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso barrou a candidatura do ex-presidente com base na Lei da Ficha Limpa, que impede condenados em segunda instância de concorrer a cargos eletivos.

Ele deu um prazo de dez dias para o PT substituir o cabeça de chapa, que deve ser o atual vice, Fernando Haddad. O ministro determinou ainda que Lula não pode fazer ações de campanha, entre elas participar do programa eleitoral de rádio e televisão do partido. Ainda de acordo com o magistrado, o PT só poderá fazer campanha de rádio e TV após a substituição da chapa presidencial. 

Como relator do caso, o magistrado foi o primeiro a proferir seu voto no plenário do Tribunal Superior Eleitoral. Ainda faltam seis votos, dos ministros Edson Fachin, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Jorge Mussi, Og Fernandes, Admar Gonzaga e da presidente da Corte eleitoral, Rosa Weber.

O ministro não considerou determinante a decisão do Comitê da ONU de conceder uma liminar ao ex-presidente para participar da disputa. Segundo ele, o Pacto de Direitos Civis e Políticos da ONU não tem efeito na lei interna brasileira. Ele disse ainda que o Brasil não vive um estado de exceção, e defendeu o caráter técnico do Judiciário. “Não se afigura plausível o argumento de perseguição política”, disse. 

“O Comitê da ONU é administrativo. Suas recomendações, mesmo quando definitivas, não têm efeito vinculante”, afirmou Barroso. Ele defendeu, portanto, a tese do Itamaraty de que a decisão do comitê não é uma exigência, mas apenas uma recomendação.

O ministro defendeu a análise dos argumentos do comitê. “Entendo que esse tribunal tem o dever de consideração dos argumentos expostos. Não há vinculação, mas há dever de se levar a sério os argumentos.” No entanto, fez uma defesa da Lei da Ficha Limpa e disse não haver “restrições infundadas” para Lula concorrer, um dos argumentos do órgão da ONU. 

Ele disse ainda que uma decisão final do Comitê só ocorreria “após as eleições e após a posse do presidente eleito, quando evidentemente os fatos já estarão consumados e serão de difícil ou traumática decisão”.

Barroso afirmou ainda que a aprovação do Congresso, em 2009, do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos não foi promulgado por decreto presidencial, argumento usado pela Procuradoria-Geral da República para pedir a impugnação de Lula. 

Antes de entrar no mérito da candidatura de Lula, Barroso afirmou que jamais previu ou desejou estar nessa situação. “Não tenho qualquer preferência nessa vida que não seja o bem do Brasil, nem pessoais, nem políticos e nem ideológicos, mas a defesa da Constituição e da democracia”, afirmou. 

Ele disse que convocou a sessão extraordinária para essa sexta 31 para permitir à defesa de Lula “receber decisão colegiada em sessão pública”, em lugar do ministro ter a responsabilidade pessoal de decidir monocraticamente a viabilidade da candidatura. 

Ele afirmou que seria o mais analítico possível dado o pouco tempo que os ministros tiveram para analisar os argumentos da defesa de Lula, entregue ao TSE no fim da noite de quinta-feira 30. “A noite foi longa para mim e a minha equipe para cumprir os prazos”, disse o ministro.

Defesa e PGR

No início do julgamento, os advogados de Lula questionaram a Corte pela celeridade do julgamento – que pautou a discussão já para esta sexta-feira – sem dar prazo para a defesa apresentar alegações finais, como feito no julgamento de outros processos de impugnação de candidaturas, como a de Geraldo Alckmin. 

“O critério que eu adotei foi o de ter esta matéria definida até o início da campanha eleitoral gratuita”, disse Barroso. 

Antes do voto de Barroso, os advogados responsáveis pelas contestações do registro de Lula fizeram as suas sustentações orais. 

O Partido Novo argumentou que a jurisprudência para casos parecidos com o de Lula mas respectivos a outros cargos não podem valer para condição de presidente da República, e pediu para que a corte não atenda a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU

Advogado da coligação de Bolsonaro alegou que posição da ONU provocaria fissura no processo constitucional e eleitoral, e lembrou que o STF já reconheceu a validade da Lei da Ficha Limpa

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge – a primeira a entrar com pedido para que Lula não possa concorrer à presidência, afirmou que a decisão do Comitê Direitos Humanos da ONU não é da competência da Justiça Eleitoral e citou jurisprudência do STF, em decisão do ministro Celso de Mello, que, segundo a procuradora, não reconhece tratado internacional que não tenha sido incorporada à legislação doméstica. 

“O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos não foi promulgado no Brasil e, por isso, não há aval à recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU de autorizar a candidatura de Lula”, disse. 

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi promulgado em 1992 pelo então presidente Fernando Collor.

Na sequência, a defesa de Lula argumentou que não compete à Justiça doméstica se sobrepor à decisão do Brasil de se juntar ao pacto. “O Brasil assinou o protocolo adicional em um ato de Estado. E isso foi ratificado pelo Congresso Nacional”, disse a advogada Maria Cláudia Bucchianeri.    

A defesa afirmou que o Estado brasileiro já manifestou compromisso em cumprir as decisões do Comitê de Direitos Humanos da ONU – peça central do argumento do ex-presidente sobre seu direito a se candidatar. 

“O comitê é parte integrante do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Tratados internacionais não são firmados pelo governo, e sim pelo Estado”, disse a advogada de Lula. 

Também em resposta à Procuradoria Geral da República, a advogada afirmou que a PGR “sempre foi parceira no direito intransigente do cumprimento dos tratados internacionais de direitos humanos”. 

Outro representante da defesa do ex-presidente, Luiz Fernando Pereira, que a candidatura sub júdice tem direito a continuar no horário eleitoral e na urna eletrônica até exauridos os recursos. Segundo advogado, há mais de 70 decisões do TSE nesse sentido. 

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Nota do PT

Para Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, o TSE não resistiu à pressão da procuradora-geral, Raquel Dodge, para impedir Lula de participar da campanha presidencial. “A Dodge tem feito uma pressão enorme. Será uma temeridade analisar o caso sem ler as 2 mil páginas. Sinal dos tempos”.

Em nota publicada pelo PT pouco antes do julgamento começar, o partido classificou como uma “violência judicial contra o Lula e o povo” colocar na pauta da sessão extraordinária o julgamento do registro do ex-presidente Lula.

“A defesa de Lula, protocolada ontem à noite, tem cerca de 200 páginas contendo provas e argumentos que certamente não foram lidos com a devida atenção pelos ministros, dada a evidente falta de tempo para tal”, explica.

De acordo com o partido, “Lula tem direito de ser candidato, conforme a lei brasileira e por determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que o estado brasileiro tem de cumprir”.

Fernando Haddad

Pouco antes do julgamento começar, Fernando Haddad, em campanha no Ceará, afirmou que fosse qual fosse a decisão do TSE, só haverá uma posição dele na segunda-feira 3, após se encontrar com Lula em Curitiba na qualidade de advogado do ex-presidente. Nos finais de semana nem a defesa tem acesso ao local onde o petista está preso.

Questionado sobre se há algum risco de o PT não apresentar sua propaganda eleitoral de amanhã no rádio e na TV, ele negou e acrescentou que não deve haver mudança de conteúdo.

“Quero crer que qualquer que seja a decisão [do TSE], ela não pode ter vigência imediata até porque os programas já estão sendo transmitidos. Nós temos inserções que foram transmitidas hoje no horário eleitoral. Como você vai fazer uma lei retroagir? Não vejo esse risco. Mas o programa de terça-feira talvez tenha que passar por alguma modificação, dependendo da decisão, que eu espero que seja favorável, de acordo com o direito internacional.”

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