Política

Preso, coronel diz à CPMI que PM falhou no 8 de Janeiro, mas alega falta de alertas

O policial afirmou ainda que o Exército impediu a desmobilização do acampamento bolsonarista no DF

Depoimento do coronel Jorge Eduardo Naime à CPMI do 8 de Janeiro. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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O coronel Jorge Eduardo Naime, ex-comandante do Departamento Operacional da Polícia Militar do Distrito Federal, admitiu falhas da PM na contenção dos ataques de 8 de Janeiro, mas alegou que o seu setor não havia recebido os alertas de inteligência anteriores ao vandalismo. As declarações foram concedidas nesta segunda-feira 26, durante sessão da CPMI dos atos golpistas.

Naime está preso desde 27 de fevereiro no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, por omissão diante da invasão aos prédios dos Três Poderes. Na comissão, o militar disse que não estava incluído em um grupo de WhatsApp com autoridades de segurança e que recebia informações da Agência Brasileira de Inteligência. 

Segundo Naime, o grupo havia sido criado na véspera, em 7 de janeiro, e desde então a Abin teria repassado informes da chegada de ônibus e registros de incitações aos ataques. O coronel disse que, na data dos atos, por volta das 10h, a Abin confirmou a invasão de prédios públicos.

Entre os participantes do grupo, o coronel mencionou: 

  • O coronel Reginaldo de Souza Leitão, chefe do Centro de Inteligência da Polícia Militar; 
  • O tenente Júnior, chefe da Inteligência do Comando de Policiamento Regional Metropolitano; 
  • Marília Ferreira Alencar, ex-subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal; 
  • e o coronel Jorge Henrique Pinto, ex-coordenador da Subsecretaria de Inteligência. 

Naime afirmou ainda que o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Gonçalves Dias, havia recebido os mesmos alertas em seu telefone pessoal.

O coronel disse que as tropas da PM seguiram um programa de ação elaborado dois dias antes dos ataques, mas que a falta de atualizações no domingo resultou em um “planejamento subestimado”. De acordo com ele, as autoridades “cegaram todo o braço operacional” da Polícia Militar ao excluir o DOP do grupo.  

“A PM falhou, está claro que a PM falhou, porque ela fez um planejamento subestimado, porque as informações que foram dadas na sexta-feira eram diferentes das informações que se tinha no domingo, às 10 da manhã”, declarou Naime.

Durante o depoimento, ele sustentou estar preso injustamente. Alegou que estava de férias entre 3 e 8 de janeiro e que havia sido substituído nesse período pelo coronel Paulo José Bezerra. O PM argumentou ter atuado na contenção das manifestações: ele teria sido acionado às 16h e chegado à Esplanada dos Ministérios às 17h40.

Questionado pelo deputado federal Rafael Brito (MDB-AL) sobre quem deveria estar preso em seu lugar, Naime disse que é preciso apurar quem estava ciente dos alertas da Abin na manhã das manifestações.

“Vai depender muito da amplitude a qual alcançaram os informes da Abin. Se os informes da Abin morreram no grupo, quem deveria estar respondendo é quem estava no grupo. Agora, se os informes saíram do grupo e chegaram às autoridades, quem deveria estar preso são essas autoridades que tiveram as informações e não tomaram providências.”


Naime: Exército impediu operação contra acampamento

O coronel relatou ainda que o Exército impediu a sua tentativa de desmobilizar o acampamento bolsonarista em frente ao QG da Força em Brasília, no fim de dezembro. Naime disse ter tentado colocar os seus agentes de segurança no local, mas que “o Exército tomou a frente e disse que faria o policiamento com a própria Polícia do Exército”.

O militar argumentou que havia colocado 450 policiais à disposição para desmobilização, mas que a área é de jurisdição do Exército e que, por três vezes, obedeceu à orientação de desarticular as tropas. Além disso, o Exército não teria feito “nada” para defender servidores públicos que haviam sido “escorraçados” pelos bolsonaristas do acampamento.

“Teve uma vez, que foi na madrugada, na noite do dia anterior, que eu recebi a ligação da coronel Cíntia dizendo que era para desarticular tudo, que não haveria operação no dia seguinte. E, numa das vezes, no momento em que ia começar a operação, foi tudo desarticulado”, declarou o ex-chefe do DOP.

O coronel afirmou ainda que o responsável pela orientação de impedir a desmobilização teria sido o general Dutra, ex-chefe do Comando Militar do Planalto. 

“A informação que eu recebi foi do próprio general Dutra desmobilizando as tropas e dizendo que não seria necessário. Inclusive, ele fez até algumas alegações, dizendo: ‘não, vocês trouxeram efetivo demais’”, narrou Naime. “A gente foi impedido. Não conseguimos fazer nem metade do que estava previsto, nem do que não estava previsto.”

Ainda em relação aos acampamentos, Naime disse ter recebido a informação sobre a existência de uma “máfia do Pix”, cerca de duas semanas antes da posse presidencial. Segundo ele, uma liderança do acampamento teria informado sobre o recebimento de transferências financeiras por meio do sistema de pagamento. 

Os valores fariam parte de uma arrecadação para manutenção de uma cozinha, mas manifestantes desejavam permanecer acampados “por conta do recebimento de dinheiro”. O coronel disse, no entanto, não ter informação sobre quem comandava a máfia.

Base de Lula aponta omissão; bolsonaristas apoiam Naime

O deputado federal Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) disse ter “dificuldades” de acreditar na tese de que “não havia informação” para a Polícia Militar atuar. 

Com base no decreto federal que estipula as competências do PMDF, Vieira sustentou que a Polícia Militar era a responsável por evitar a chegada e a invasão dos prédios dos Três Poderes, e que a responsabilidade das polícias judiciária, legislativa e presidencial tinha alcance somente no interior das estruturas.

“Se há informação e se há competência da PM, então só tem uma conclusão. Chegamos a uma palavra muitas vezes dita aqui: omissão”, acusou Vieira. 

Em linha similar, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) também disse ter observado omissão na postura de Naime diante das articulações golpistas.

A sua omissão é penalmente relevante. O senhor afirmar que lá no acampamento tinha prática de crime e o senhor não fez nada? Falar que teve resistência do Exército e o senhor se acovardou, se apequenou e nada fez?”, questionou. 

Para a base do governo, a conclusão do depoimento é que a Polícia Militar teve conhecimento das informações dos alertas atualizados, mesmo que o braço operacional tenha sido excluído de um grupo de WhatsApp, e que o Exército colaborou com a manutenção da articulação dos militantes de extrema-direita no acampamento.

Por outro lado, bolsonaristas sustentaram a posição de que Naime é um “preso político”. Um dos parlamentares exibiu um vídeo em que o coronel aparece nas manifestações, contendo um extremista, e fotos em que o PM mostra feridas na perna.

“Então, o senhor não estava trabalhando no momento do 8 de Janeiro, nem no planejamento. O senhor vestiu sua farda e foi para o front, tentar ajudar os colegas no trabalho. O senhor não estava nos grupos que recebiam as ameaças (…). Então, o senhor está indevidamente preso”, disse o deputado Alexandre Ramagem (PL-SP).

Antes da sessão, Naime havia recorrido ao Supremo Tribunal Federal e apresentado um atestado médico para cancelar o seu comparecimento. O coronel, no entanto, decidiu prestar depoimento de última hora e disse que era um gesto de “respeito” ao Congresso Nacional. O militar fez a sua exposição na condição de testemunha, não de investigado.

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