Política

Prefeitura de SP dá 200 mil reais a peça online e caso vai parar na Justiça

Espetáculo teve contratação formalizada após emenda de vereador; repasse foi suspenso por ação de candidato

PREFEITURA DE SP DÁ 200 MIL REAIS A PEÇA ONLINE E CASO VAI PARAR NA JUSTIÇA. FOTO: DIVULGAÇÃO
Apoie Siga-nos no

A Prefeitura de São Paulo autorizou o pagamento, sem licitação, de 200 mil reais para a exibição de uma peça de teatro online, conforme a edição de 1º de setembro do Diário Oficial do município.

 

O espetáculo em questão, chamado “Festa, a Comédia”, é um monólogo interpretado por Mauricio Machado e teve sete exibições no perfil da produtora Manhas & Manias no Facebook, entre 1º e 9 de setembro. No material de divulgação da peça aparecem como autores Walcyr Carrasco, Alessandro Marson, Vincent Villari, Sill Esteves e Daniele Valente, sob direção de Eduardo Figueiredo.

A propaganda traz ainda o nome do vereador Zé Turin (Republicanos), por seu “apoio cultural”. Isso porque a contratação do espetáculo, assinada pela Secretaria Municipal de Cultura, aconteceu a partir de uma emenda do político.

Cartaz de 'Festa, a Comédia'Divulgação da peça. Foto: Reprodução

Diante disso, Gabriel Cassiano, candidato a vereador pelo PDT em São Paulo, acionou a Justiça para suspender o pagamento de 200 mil reais para a exibição virtual da peça. “Verifica-se que o valor médio por apresentação é de 28.571 reais, ou seja, um valor aproximadamente 600% superior ao dos espetáculos fomentados pelo Chamado de Atividades Nº 04/2020 – SMC/GAB. Tudo isso para apenas um ator em cena do ‘Festa – A Comédia’, Maurício Machado”, afirmou Cassiano em entrevista a CartaCapital.

O “Chamado de Atividades Nº 04/2020 – SMC/GAB”, citado por Cassiano, foi publicado pela Secretaria Municipal de Cultura para atrair “interessados na realização de temporada de espetáculos online, em teatros ou espaços cênicos, para participação no festival Palco Presente – 2020”.

O pagamento dos 200 mil reais não chegou a ser efetuado. A partir da ação de Cassiano, a juíza Cynthia Thome, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), expediu uma liminar que suspendeu o repasse dos recursos. Segundo a magistrada, a contratação se deu por valor muito superior ao de mercado, sem a realização de licitação e sem justificativa plausível para a contratação excepcional.

O ator Maurício Machado não foi contratado diretamente para a realização do espetáculo. A contratação se deu por meio da associação MDLD – Amigos Unidos Venceremos. Em seu site, a MDLD afirma que “atende mais 1600 pessoas entre crianças, jovens, adultos e terceira idade da Cidade Ademar e bairros próximos com projetos sociais e educacionais”.

A lei de licitações e contratos, em seu artigo 25, diz que o processo de licitação não é obrigatório “para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública”.

“A página do Facebook da instituição [MDLD] revela que sua principal atividade é a educação infantil – trata-se, eminentemente, de uma creche. Como se esse fato não bastasse para demonstrar que a MDLD não é a representante exclusiva de Mauricio Machado, o site do artista apresenta o contato da produtora verdadeiramente responsável por seu agenciamento: a Manhas & Manias. Inclusive, esta foi a pessoa jurídica contratada pela própria Secretaria Municipal de Cultura para a exibição da mesma peça em 2019”, afirmou Cassiano.

Trecho do Diário Oficial do município de 1º de setembro

Em nota enviada à reportagem de CartaCapital, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, informou que “a peça em questão está entre os 56 eventos em formato de transmissão ao vivo (‘live’) com emendas de vereadores, realizados pela SMC até o momento. Ressaltamos que a SMC não é responsável pela curadoria dos artistas e do evento, mas, sim, por analisar a documentação dos artistas e empresa, bem como verificar a justificativa do cachê proposto. Para os eventos no formato online, o PL 308/2020 permite à Secretaria fazer as contratações utilizando comprovação de três notas fiscais de eventos anteriores do artista, através de uma comissão específica para avaliar os cachês propostos. Vale destacar que, por decisão judicial, as apresentações da peça ‘Festa, a Comédia’ não foram pagas”.

A produtora Manhas & Manias afirmou que “o projeto foi aprovado e atende todos os protocolos e trâmites legais previstos conforme normas e orientações da Secretaria Municipal da Cultura de uma emenda parlamentar. Seguimos todas as orientações da comissão técnica da Secretaria Municipal da Cultura que aprovou o projeto para sua realização”. Ainda segundo a produtora, “o projeto é de uma ONG especializada em educação de crianças, jovens e adultos. E tem comprovadamente histórico de realização de projetos culturais”.

Por fim, a Manhas & Manias declarou que não compreender “a decisão de suspender o pagamento, uma vez que todo o processo foi aprovado pela Secretaria Municipal da Cultura, e todo o serviço já foi realizado”.

Procurado por CartaCapital, o vereador Zé Turin se manifestou via nota oficial: “O vereador Zé Turin (Republicanos/SP) vem por meio desta nota prestar esclarecimentos referentes à emenda destinada para a associação MDLD – Amigos Unidos Venceremos: seguiram-se todos os critérios legais e estabelecidos pela Secretaria Municipal de Cultura. Assim, o vereador Zé Turin respeita a decisão judicial estabelecida e deixa seu mandato à disposição para possíveis esclarecimentos à Justiça.”

A reportagem entrou em contato por e-mail com a associação MDLD – Amigos Unidos Venceremos, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem. O espaço está aberto para manifestação.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo