Política
Pratas da casa
Com oferta de bolsas de estudo, a prefeitura de Maricá (RJ) atrai universidades privadas e busca fixar os profissionais egressos na própria cidade
 
         
        Maricá, no litoral fluminense, foi a campeã nacional em recebimento de royalties do petróleo em 2024, com um valor estimado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) em cerca de 3 bilhões de reais. Administrada há quase 17 anos pelo PT, que cumpre seu quinto mandato consecutivo, a cidade tornou-se uma queridinha da esquerda em todo o País pelo pioneirismo em medidas como a gratuidade universal no transporte municipal e a criação da moeda social mumbuca, usada no comércio local.
A administração “popular e progressista” de Washington Quaquá, vice-presidente do PT e em seu terceiro mandato como prefeito, busca, porém, deixar marcas que vão além das políticas sociais inclusivas. O desenvolvimento econômico do outrora acanhado balneário, que por muito tempo explorou pouco seu potencial turístico, tornou-se hoje uma das principais vitrines do partido. Além de viabilizar megaempreendimentos, como a construção do Porto de Ponta Negra, com investimentos públicos e privados de 1,5 bilhão de reais e previsão de criação de 13 mil empregos diretos e indiretos, os generosos recursos provenientes da exploração do pré-sal ajudam a cidade a dar um salto também na área da educação.
Uma das principais iniciativas nesse sentido é o programa Passaporte Universitário, que financia a formação de estudantes de baixa renda no ensino superior privado e já concedeu 6,4 mil bolsas desde a sua criação, em 2019. Por meio de convênios, a prefeitura de Maricá custeia graduações, especializações, mestrados e doutorados para estudantes que residam na cidade há pelo menos três anos. Como contrapartida, as universidades parceiras se comprometem a instalar unidades no município. O programa oferece dois tipos de benefício: a bolsa social, destinada a candidatos com renda familiar de até seis salários mínimos, e a bolsa de excelência, para estudantes que obtenham nota superior a 450 pontos no Enem.
Atualmente, o Passaporte Universitário atende 5.883 estudantes em cursos como Medicina, Engenharia, Direito e Relações Internacionais, entre outros. Desde a sua criação, a iniciativa gerou dois desdobramentos: o Passaporte Técnico e o Passaporte do Futuro, que financiam cursos de línguas estrangeiras e de novas tecnologias. “É uma forma de combater desigualdades sociais e, ao mesmo tempo, gerar emprego e renda. O programa tem impacto direto na mobilidade social e transforma a composição de classes em Maricá. Uma família de classe popular levaria de três a quatro gerações para ter um médico ou uma engenheira. Estamos reduzindo esse prazo histórico”, afirma Quaquá.
Presidente da Companhia de Desenvolvimento de Maricá (Codemar), Celso Pansera, que foi ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação no governo de Dilma Rousseff, aponta a importância de levar as universidades ao município: “Queremos também dotar Maricá de instituições públicas de ensino superior. Temos um campus do IFRJ, em breve teremos também um da UFRJ e já estamos em tratativas com a UFF. Até que isso aconteça, o Passaporte Universitário é uma política pública para acelerar o acesso da população de Maricá ao ensino superior”.
Uma pesquisa realizada, em setembro, pelo Instituto Nexus mediu o grau de satisfação com o programa. Entre os 1.836 estudantes ouvidos, 96% se dizem satisfeitos e 82% avaliam que o Passaporte Universitário contribuiu para sua trajetória profissional. Alguns problemas ainda persistem, como a dificuldade de conseguir emprego após a conclusão do curso, apontada por 57% dos entrevistados. “Não está sendo fácil conseguir emprego até o momento, porque muitas oportunidades exigem alguma experiência prévia”, diz Açucena dos Santos, 26 anos, formada em Psicologia.
Hoje, o Passaporte Universitário atende 5,8 mil estudantes em cursos como Medicina, Engenharia e Direito
Ainda assim, afirma a estudante, a vivência nos estágios e projetos acadêmicos foi fundamental para a sua formação. “Essas experiências me prepararam para o mercado de trabalho e me ajudaram a construir uma base sólida para iniciar a minha prática. Acredito que faltam oportunidades”, diz. Açucena faz parte dos 50% de entrevistados pela pesquisa que afirmam querer exercer sua profissão em Maricá. “A cidade tem crescido muito e ainda há uma grande demanda por serviços de saúde mental. Acredito que posso contribuir oferecendo atendimento acessível e acolhedor à comunidade. E seria importante, em questão de logística e qualidade de vida, trabalhar e residir na mesma cidade”, pontua.
Estudante do quarto período de Fisioterapia e mãe de quatro filhos, Dádiva da Silva Paulo, de 48 anos, conheceu o programa quando foi morar em Maricá há cinco anos. “Eu não tinha condições de cursar uma faculdade, sou chefe de família, pago as minhas contas. Hoje, eu tenho expectativa de carreira e de uma vida melhor, coisa que eu não tinha por conta das condições financeiras”, revela. Ela também pretende permanecer na cidade: “Quero trabalhar em Maricá, em alguma clínica ou escola, quero estar presente com a população e sei que a minha cidade vai ter projetos para os novos formandos”.
Quaquá afirma que o Passaporte Universitário faz parte de um processo mais amplo, que implica uma grande mudança na economia da cidade. Para o prefeito, os efeitos do programa se farão sentir nos próximos anos, com um impacto que vai além da absorção imediata pelo mercado de trabalho. “Buscamos oferecer cursos coerentes com o nosso projeto estratégico de desenvolvimento de uma economia pós-petróleo. Que seja uma economia organizada para as famílias, em que as pessoas não sejam escravas da grande empresa. Portanto, não estamos falando simplesmente de preparar pessoas para o mercado de trabalho, mas de preparar uma economia para que essas pessoas possam viver melhor”, destaca.
A meta da prefeitura é que os grandes empreendimentos possam abarcar uma parte importante dessa demanda. “Iniciativas como o Complexo Turístico do Maraey e o Porto de Ponta Negra vão gerar milhares de empregos. Isso permitirá manter os nossos alunos trabalhando e ajudando a construir o futuro da cidade”, diz Pansera. Disposição por parte dos beneficiários do programa não faltará: “Quero pós-graduação e também residência, dois anos em um hospital bom. Eu sei que consigo. A gente só precisa ter uma chance, e essa oportunidade me foi dada”, afirma Dádiva. •
Publicado na edição n° 1386 de CartaCapital, em 05 de novembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Pratas da casa’
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