Mundo
Possibilidade de asilo político para Bolsonaro é cada vez menor, mas ainda existe
Mesmo sem passaporte e impedido de se aproximar de embaixadas, o ex-presidente encontraria brechas no direito internacional para driblar a prisão


Jair Bolsonaro ainda tem chance de fugir do País. Mesmo sem passaporte e impedido de se aproximar de embaixadas estrangeiras em Brasília, o ex-presidente encontraria brechas no direito internacional para driblar um mandado de prisão e conseguir asilo diplomático. A hipótese não é meramente especulativa. O próprio Bolsonaro disse em entrevista a um portal de notícias, em 28 de novembro de 2024, reconhecer essa rota de fuga: “Embaixada, pelo que eu vejo na história do mundo, né, quem se vê perseguido pode ir para lá”. Ele nega agora considerar a possibilidade, mas, à medida que o cerco judicial se aperta, seus filhos começam a partir. O deputado federal Eduardo Bolsonaro está nos EUA e o senador Flávio, em Portugal – segundo ele, a passeio.
Bolsonaro pai testou antes a possibilidade de se asilar. Em 12 de fevereiro do ano passado, passou duas noites na Embaixada da Hungria em Brasília. Imagens do circuito interno mostraram funcionários com travesseiros e lençóis trazidos para acomodá-lo. Nas imagens, vazadas de forma anônima ao jornal The New York Times, o ex-presidente é recebido pelo embaixador húngaro, Miklós Halmai.
Quando pernoitou na embaixada, Bolsonaro estava sem passaporte. O documento tinha sido aprendido em 8 de fevereiro na Operação Tempus Veritatis, que investiga a tentativa frustrada de golpe de Estado. Àquela altura, ele não podia mais sair pelas fronteiras terrestres, portos e aeroportos. Por isso, buscou contato com o embaixador húngaro, autor de um post em uma rede social em que se referia a Bolsonaro como “um patriota honesto”. O diplomata representa, no Brasil, os interesses do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, expoente na Europa da mesma extrema-direita à qual pertencem os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da Argentina, Javier Milei, dois aliados que ainda podem oferecer rotas de fuga em caso de emergência.
O ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Mateus Bonomi/AFP
À época, a defesa do ex-presidente disse que a visita à embaixada teve o objetivo de discutir “os cenários políticos das duas nações” e “quaisquer outras interpretações que extrapolem as informações aqui repassadas se constituem em evidente obra ficcional, sem relação com a realidade dos fatos e são, na prática, mais um rol de fake news”. Para aceitar essa versão, é preciso acreditar que Bolsonaro tinha 72 horas de temas a tratar com o embaixador húngaro, a ponto de precisar dormir no local.
Antes disso, o capitão havia dito que, se preciso, poderia trocar o Brasil pela Itália, assim como fez a deputada federal Carla Zambelli para escapar da sentença de 10 anos de prisão. “Sou italiano. Meu nome é Bolsonaro, meus avós eram de Pádua. Segundo a sua lei, sou italiano”, afirmou o ex-presidente em entrevista ao jornal Corriere Della Sera em 2 de fevereiro de 2023. Não é verdade que o ex-presidente tenha cidadania italiana. A informação foi desmentida pela subsecretária do Interior do governo da Itália, Wanda Ferro, em depoimento numa sessão do Parlamento, em 13 de junho, na qual deputados da oposição buscavam saber detalhes sobre a fuga de Zambelli para o país. Na ocasião, Ferro esclareceu que três dos filhos de Jair Bolsonaro – Flávio, Eduardo e Carlos – possuem cidadania, mas “não foi recebido nenhum pedido” da parte do chefe do clã.
É longa, portanto, a coleção de declarações e de atitudes que provam que Bolsonaro está há anos atento às rotas de fuga para evitar os problemas judiciais que se acumulam contra ele, o que se torna ainda mais provável após a campanha liderada por Eduardo nos EUA e a aplicação de uma série de medidas coercitivas contra o Brasil. A internacionalização da crise política brasileira é uma realidade, e a solidariedade da extrema-direita internacional com Bolsonaro é um fato, que pode vir a se manifestar na forma de oferta de asilo.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes proibiu o ex-presidente de se aproximar a menos de 200 metros de qualquer embaixada estrangeira em Brasília, cidade da qual, aliás, nem pode mais sair. Os caminhos parecem fechados, mas há brechas. A primeira delas é a de simplesmente confrontar a proibição e criar um fato político que gere imagens dramáticas, capazes de eletrizar a extrema-direita e insuflar a versão de que o Brasil se tornou uma ditadura. Para isso, bastaria ir até a embaixada, por exemplo, dos EUA, numa manifestação política cercada de apoiadores. A polícia teria de intervir para cumprir a ordem judicial. Se essa intervenção ocorresse na rua, ele seria preso. Mas se a cena se desenrolasse nos portões, no estacionamento ou nos arredores da embaixada, com uma bandeira dos EUA ao fundo, tudo tomaria outra dimensão simbólica, com desfecho imprevisível.
Há, porém, uma hipótese mais sorrateira: a de o ex-presidente conseguir entrar em algum veículo consular. Poderia simplesmente ser recolhido por um automóvel de “placa azul”, como são chamados, no jargão, os carros do corpo diplomático. Bolsonaro está proibido de manter contato com embaixadores, mas a medida não diz nada sobre motoristas. O artigo 22 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas diz que “os meios de transporte” de uma missão diplomática “não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução”. O Brasil, claro, pode argumentar que esses veículos não podem, tampouco, ser usados para facilitar a fuga de um eventual condenado da Justiça. Mas aí o impasse estará criado.
Uma saída definitiva do País dependeria, em seguida, de o Brasil conceder um salvo-conduto ao ex-presidente, como fez o governo peruano em relação à ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia. Se, no entanto, o Brasil não aquiescesse, Bolsonaro poderia ficar albergado por meses ou anos numa embaixada, como ficou Julian Assange na Embaixada do Equador em Londres, durante sete anos, ou como ficou o ex-senador boliviano Roger Molina Pinto na Embaixada do Brasil em La Paz, por 15 meses.
Todos esses cenários seriam úteis a um setor político interessado em projetar uma imaginem negativa do atual governo brasileiro e do Judiciário no exterior, para embalar uma candidatura de extrema-direita em 2026.
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