Política
Porteira fechada?
Ambientalistas confiam que o Senado barrará os excessos da Câmara. O primeiro teste será com o PL do Veneno


Liberação de agrotóxicos, mudanças nas regras de licenciamento ambiental, regularização de terras públicas invadidas, definição sobre o “marco temporal” para o reconhecimento de Terras Indígenas. A lista de projetos ambientais que tramitam no Senado é uma batata fervente nas mãos do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, e a análise de cada um deles em diferentes comissões servirá ao mesmo tempo para aferir o grau de fidelidade dos senadores da base governista e ampliar o debate sobre as visões divergentes – e por vezes antagônicas – dentro do próprio governo.
Bem diferente da realidade hostil vivida na Câmara, o governo conta hoje com ao menos 55 dos 81 senadores. Essa conta favorável não dá, porém, a mínima garantia de que os projetos ambientais tenham um debate tranquilo, uma vez que os temas analisados no Senado são sensíveis e colocam de um lado ministros ligados à agenda ambiental e da reforma agrária, como Marina Silva (Meio Ambiente), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas), e de outro lado ministros ligados ao agronegócio, como Carlos Fávaro (Agricultura) e Alexandre Silveira (Minas e Energia).
Organizar esses debates não é tarefa para principiante. Experiente, Pacheco já sinalizou que tudo será discutido “sem açodamento”, o que na prática significa que os líderes governistas terão nas próximas semanas tempo para costurar acordos que busquem o difícil equilíbrio entre as forças díspares do governo de frente ampla. Indagado por CartaCapital, o presidente do Senado disse, por intermédio de sua assessoria, que as comissões têm um largo prazo regimental para votar os projetos e que este pode durar meses. “Até a conclusão das votações pelas comissões, muita coisa pode ter mudado”, pondera, com sabedoria mineira.
Promessa de Pacheco em sua campanha de reeleição para o comando do Senado, o primeiro item a ser analisado, em todo caso, será o projeto 1.459/2022, conhecido como PL do Veneno, a revogar a lei que regulamenta o uso de agrotóxicos. A proposta centraliza no Ministério da Agricultura a prerrogativa de decidir sobre a liberação de novas substâncias. No formato em vigor, a decisão passa também pelo Ibama e pela Anvisa. A mudança, defendida por Fávaro e os ruralistas, mas vista como um retrocesso por Marina e os ambientalistas, está em análise na Comissão de Meio Ambiente.
Segundo a agência das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), existem ao menos três maneiras distintas para medir o consumo de agrotóxicos em cada país, levando-se em conta aspectos como a quantidade de veneno usada por área cultivada ou pelo volume da produção agrícola, além de números absolutos. O Brasil figura com destaque em todos os itens e, no que diz respeito ao gasto absoluto com agrotóxicos, é campeão mundial, relata a FAO, com cifras anuais que ultrapassam os 10 bilhões de dólares. Vale registrar que em quatro anos o governo Bolsonaro liberou 2.182 novos “defensivos agrícolas”, cerca de 20% deles classificados como extremamente tóxicos para a saúde humana.
Bolsonaro liberou 2.182 novos “defensivos agrícolas”, 20% deles classificados como extremamente tóxicos para a saúde humana
“Cabe registrar que não se trata de novas substâncias seguras e modernas, como argumenta o agronegócio e a indústria química, mas sim de produtos ultrapassados, dos quais 30% já estão proibidos na União Europeia”, diz, em nota, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, rede formada por movimentos sociais do campo e da cidade, organizações sindicais e estudantis, entidades científicas de ensino e pesquisa, conselhos profissionais, ONGs e grupos de consumo responsável.
A expectativa nesses setores é que a farra nacional dos agrotóxicos, intensificada por Bolsonaro, tenha fim com Lula. “O governo federal tem papel central nesta luta. O primeiro passo é romper com a política bolsonarista de liberação indiscriminada de agrotóxicos e propor medidas efetivas para a redução do seu uso no Brasil”, diz a nota da Campanha. No que depender do relator do PL dos Agrotóxicos, Fabiano Contarato, do PT, o debate terá tempo para amadurecer. “As discussões sobre esse projeto estão sendo feitas com calma e muitos estudos. Só depois dessa etapa vou finalizar o relatório”, esclarece. O senador avisa: “Não vou aceitar pressões e não tenho pressa para uma votação atropelada porque o tema merece responsabilidade e muitos debates com as diversas áreas, inclusive os ministérios interessados”.
Contarato sabe que precisará ter jogo de cintura: “O relatório será elaborado após discussões e o máximo de consenso, entendendo que cada um vai precisar ceder de alguma forma para que o texto siga para votação, com um processo de análise eficiente e, principalmente, sem prejuízo ao meio ambiente e à população”.
O Brasil tem sua Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos (Pnara), criada em 2016, mas que jamais emplacou. Enquanto isso, segundo pesquisas acadêmicas, na última década quase 10 mil crianças foram contaminadas por agrotóxicos e 50 bebês de até 1 ano de idade sofrem intoxicação aguda por agrotóxicos no País a cada ano. Curiosamente, os venenos agrícolas gozam de renúncias e isenções fiscais concedidas pelo governo, para alegria dos gigantes do agronegócio. De acordo com um estudo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, a Abrasco, com isso cerca de 10 bilhões de reais deixam anualmente de ser arrecadados aos cofres públicos.
Além de não arrecadar, o Estado ainda tem de arcar com os custos derivados dos impactos ambientais e sobre a saúde humana causados por esses produtos. O prejuízo parece não incomodar a ala ruralista do governo, mais preocupada em afastar os técnicos do Ibama e da Anvisa do processo de licenciamento de novos produtos: “Os excessos que vieram da Câmara poderão ser ajustados. Ninguém é a favor de produtos cancerígenos. Se o projeto for bem adequado, o governo apoia”, diz Fávaro.
Saber qual será o real posicionamento do governo não é tão simples e os líderes governistas procuram ganhar tempo. Por enquanto, nenhum deles procurou a presidente da Comissão de Meio Ambiente, Leila Barros, disse a senadora a CartaCapital. Também procurados pela reportagem, os líderes do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, e no Senado, Jaques Wagner, não responderam até o fechamento desta edição. Nos corredores da Casa, o senador baiano admitiu ser impossível ter um consenso sobre o tema no governo e sua base: “Vai ser um estica e puxa”. •
Publicado na edição n° 1264 de CartaCapital, em 21 de junho de 2023.
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