Política
Por todos os lados
Da economia à articulação política, o governo enfrenta percalços e perde terreno na disputa com a oposição


O Palácio do Planalto anunciará na quarta-feira 24 o resultado de uma licitação destinada a selecionar quatro empresas de comunicação digital. Os escolhidos terão duas missões, e no fim das contas o objetivo é fazer a posição do governo a respeito de certos temas chegar à maior quantidade de cidadãos. Uma das tarefas será preparar, a partir do monitoramento das redes sociais, um diagnóstico acurado e rápido sobre o humor da população em assuntos que afetem a imagem de Lula e sua equipe, para que o Executivo possa reagir em momentos quentes no debate público. Uma forma de reação será pagar pelo aumento da circulação de conteúdos oficiais, o chamado impulsionamento.
A outra missão será proporcionar um canal direto com grupos específicos. O presidente Lula tem feito, neste ano, lances de comunicação segmentada. Em eventos, usou e mostrou meias com o símbolo do Corinthians, o time do coração, e com o rosto de Frida Kahlo, falecida pintora mexicana ícone do feminismo. Com o futuro serviço digital, o governo poderá, entre outras iniciativas, enviar mensagens de celular (via WhatsApp ou SMS) a beneficiários do Bolsa Família para informá-los sobre direitos. Entre estes, a possibilidade de retirar de graça 40 remédios em farmácias populares e o de que seus filhos matriculados no ensino médio recebam um “pé-de-meia” (uma bolsa) para não largarem a escola.
O novo serviço consumirá cerca de um terço do orçamento anual da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, sinal do tamanho da aposta na ferramenta. Serão 197 milhões de reais em 12 meses. Uma pesquisa divulgada na terça-feira 16 pelo Comitê Gestor da Internet apontou: 84% dos brasileiros utilizam a web, bem acima do que acontecia na passagem anterior de Lula pelo Planalto (34%, em 2008). As redes sociais praticamente empatam com as tevês como meios de informação sobre política, conforme levantamento Genial/Quaest de março (32% e 34%, respectivamente). Pelo levantamento, quanto mais lulista, mais se assiste à tevê e quanto mais bolsonarista, mais se navega nas redes. “O novo serviço vai preencher uma lacuna que temos. Nossa marca este ano vai ser o salto na comunicação digital”, diz o ministro Paulo Pimenta, da Secom.
“Nossa marca este ano vai ser o salto na comunicação digital”, diz o ministro Paulo Pimenta
Lacuna que vai além do uso das ferramentas. A popularidade de Lula e seu governo caiu ao longo de 2023, e o patamar atual assemelha-se ao cenário da eleição contra Jair Bolsonaro. É um quadro complicador das relações com o Congresso. Desde a eleição, há petistas a enxergar o Parlamento de predomínio patronal e direitista como obstáculo e ameaça ao presidente. Estão aí novos capítulos da “guerra fria” com o comandante da Câmara, o deputado Arthur Lira, do PP de Alagoas, para confirmar os prognósticos.
O motivo de fundo do recrudescimento da animosidade é o de sempre: a incerteza de Lira quanto à própria capacidade de fazer o sucessor em fevereiro. O deputado está decidido a instalar várias CPIs paradas na gaveta, algo preocupante para o governo (qualquer um), e a botar para andar uma mudança constitucional que tira parte do poder dos juízes do Supremo Tribunal Federal, proposta aprovada no Senado em 2023. A Corte tem sido uma espécie de aliada do governo. Atacá-la é atingir Lula indiretamente.
Lira age com o fígado. Um primo do deputado foi demitido da chefia do Incra em Alagoas na segunda-feira 15, dia em que o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, lançou um plano de reforma agrária para assentar 240 mil famílias até 2026. Desde o início da gestão Lula, o MST queria a cabeça de Wilson César de Lira Santos, nomeado nos tempos de Michel Temer. Lira e Teixeira haviam feito um acordo, segundo apurou CartaCapital. Santos permaneceria até março, quando sairia para disputar a eleição municipal de outubro. Ele desistiu de concorrer e desejava manter o cargo. Além do gesto sobre CPIs, Lira facilitou o avanço de uma lei que pune ocupações de terra, pronta para votação definitiva. Um soco no MST.
Bolso. Os brasileiros estão otimistas em relação ao futuro, mas acham que a economia está pior agora do que no início de 2023. O custo de vida pesa – Imagem: Prefeitura de Jundiaí/GOVSP
O episódio do primo veio no embalo de uma troca pública de farpas entre Lira, Lula e o responsável pela articulação política presidencial, o ministro Alexandre Padilha. O deputado tinha ficado uma fera com o fato de correr na mídia a conclusão de que havia demonstrado fraqueza política no episódio da confirmação pelo plenário, em 10 de abril, da prisão do deputado Domingos Brazão, acusado de mandar matar Marielle Franco. Para o alagoano, a conclusão emanou de Padilha, a quem chamou publicamente de “desafeto” e “incompetente”. Lira recusa-se a falar com o ministro faz tempo. Enxerga (e está certo na percepção) alguém que trabalha para miná-lo. “Só de teimosia, o Padilha vai ficar muito tempo” no cargo, declarou Lula também em público.
Ficará mesmo? CartaCapital tem ouvido de conselheiros presidenciais que o Planalto vive sérios problemas de coordenação política. Um ministro admite: “O governo está à deriva”. Visão idêntica à exposta a portas fechadas a Lula pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Moisés Selerges: “O barco está à deriva”. Segundo um colaborador presidencial, a situação de Padilha é delicada. O presidente da Câmara não fala com ele e o Senado não tem tradição de se deixar influenciar pela pasta de Padilha, a Secretaria de Relações Institucionais. A propósito do Senado, aliás, no PT há quem defenda trocar o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, para que este assuma o mandato e reforce a base governista por lá. Lula, além disso, estaria decepcionado com o trabalho de Dias na equipe ministerial. “O Senado desandou”, afirma um conselheiro presidencial.
Na área política do Planalto, há quem acredite que as negociações do PT com vistas às eleições de prefeito e vereador precisam levar em conta a necessidade de reforçar candidaturas lulistas ao Senado em 2026. Na terça-feira 16, o jornal O Estado de S. Paulo relatou que Davi Alcolumbre, do União Brasil do Amapá, ex-presidente do Senado e candidato a reocupar o cargo em fevereiro, teria feito chegar ao Supremo a avaliação de que, pelo andar da carruagem, há chances de a oposição aumentar o número de representantes na Casa em 2026 e viabilizar a cassação de juízes. Impeachment de togado do STF é atribuição do Senado.
Uma reforma ministerial continua na mesa. A mudança na meta fiscal abre espaço a investimentos
Alcolumbre aliou-se à extrema-direita para tentar voltar ao comando do Senado. Como Lira na Câmara, não sabe qual será a posição do governo. Nos bastidores, o líder de Lula no Senado, Jaques Wagner, do PT da Bahia, nunca se compromete com a candidatura de Alcolumbre. Este é chamado por um senador petista de “verdadeiro pai do orçamento secreto”. O secretismo acabou, mas deixou o legado de uma explosão de recursos a emendas parlamentares, obras inseridas no orçamento por congressistas. O gigantismo das emendas, 45 bilhões de reais neste ano, contribui para dificultar a vida legislativa de Lula. Wagner concorda: há um parlamentarismo disfarçado. Para um colaborador presidencial, a explosão de emendas causou uma mudança sistêmica nas relações de poder em Brasília, e o petista ainda não sabe como contornar a situação (tem estado a matutar).
Segundo Wagner, o Congresso ganhou poder e manda muito, mas quem paga o pato do mau humor popular é o governo. Lula é aprovado por 50% dos brasileiros e reprovado por 45%, conforme a média de duas pesquisas de março, a Genial/Quaest e a Ipec, ex-Ibope. Um ano atrás, dava 52% a 39%. O pico de aprovação foi no terceiro trimestre, 58% a 37%. Em dezembro, dava 52% a 43%. Com a avaliação do governo, o movimento foi semelhante: após um pico no terceiro trimestre, recuo em dezembro e 2024. Neste ano, 34% da população considera o governo ótimo ou bom, 30% regular e 34%, ruim ou péssimo, na média das pesquisas Datafolha, Genial/Quaest e Ipec.
A queda da popularidade coincide com a desaceleração da economia. O Brasil cresceu 2,9% no ano passado, e a expansão concentrou-se no primeiro semestre (foi de 1,3% entre janeiro e março e de 0,8% de abril a junho). O início do governo teve a retomada dos reajustes reais do salário mínimo e a ampliação da isenção do Imposto de Renda dos trabalhadores com rendimento de até 1,9 mil reais mensais, valor que vigorava desde 2015, para 2,6 mil. Para o ano que vem, a equipe econômica propôs subir o mínimo de 1,412 mil para 1,502 mil, ganho real de 2,9%.
Na metade final do ano passado, o PIB parou. Ficou em zero nos dois últimos trimestres. Não à toa, agora em março, 38% dos brasileiros diziam sentir que a economia havia piorado de um ano para cá, enquanto 34% viam tudo na mesma e só 26% acreditavam em melhora, de acordo com a pesquisa Genial/Quaest. Nos dois estados mais populosos, São Paulo e Minas Gerais, lar de 30% da população, o sentimento era mais negativo: 42% dos paulistas e 45% dos mineiros viam piora econômica em 12 meses, e só 23% (nos dois estados), melhora. Menos mal para Lula que ainda predomine a esperança quanto aos próximos 12 meses (46% apostem em melhora e 31%, no contrário).
As previsões do Ministério da Fazenda e do FMI indicam que neste ano o PIB avançará menos do que em 2023. A estimativa atual de ambos é de 2,2%. No dito “mercado”, aquele que o Banco Central consulta toda semana, a projeção é de 1,9%. Lula, afirma um conselheiro, empenha-se por provar ao País que a economia vai surpreender. Por trás do verbo, ação. O governo decidiu aceitar que em 2025 as contas públicas fiquem no zero a zero. O plano inicial do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, era um saldo positivo. Caso o Congresso aprove uma meta fiscal “zero”, o governo terá mais verba para investir e tentar estimular a economia.
Com menos dinheiro no bolso dos brasileiros, reconhece um ministro, fica mais fácil para a oposição bolsonarista ser bem-sucedida na disputa por corações e mentes, especialmente via redes sociais. Sem esse fator econômico, a declaração de Lula que juntou Israel, Hitler e nazismo em um mesmo comentário a respeito da guerra em Gaza, não teria trazido tanta dor de cabeça. •
Publicado na edição n° 1307 de CartaCapital, em 24 de abril de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Por todos os lados’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.