Política

Por que o novo edital das câmeras corporais para a PM de São Paulo é um retrocesso, segundo especialista

Seletividade sobre gravar ou não uma ocorrência impacta a transparência, afirma pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O governador Tarcísio de Freitas. Foto: Mônica Andrade/Governo do Estado de SP
Apoie Siga-nos no

O governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) decidiu alterar o uso das câmeras corporais por policiais militares de São Paulo: a gravação, que hoje acontece de maneira ininterrupta, deve passar a ser apenas intencional, permitindo aos agentes escolher se registram ou não uma ocorrência. Haveria ainda a possibilidade de acionamento remoto.

A alteração consta de um edital para a aquisição de 12 mil equipamentos publicado pela gestão paulista na quarta-feira 22.

Atualmente, os policiais não têm autonomia para definir se desejam gravar, já que os equipamentos produzem vídeos de rotina e contemplam todo o turno dos agentes. Ainda assim, eles têm a chance de acionar a gravação e captar imagens com melhor qualidade.

Para o pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Leonardo Carvalho, condicionar as gravações à intenção dos policiais é um retrocesso, por gerar seletividade no registro das operações.

Essa seletividade de gravar ou não, que ficaria a cargo do policial, impacta diretamente a possibilidade de transparência, que é uma das funções do equipamento“, avalia o especialista.

“As imagens também são uma maneira de avaliar se o policial está agindo dentro dos protocolos da corporação, não só no caso do atendimento de ocorrências, mas no cotidiano. Por exemplo: será que ele se comporta como preconizam os protocolos policiais? Isso é importante para a garantia de segurança do próprio agente e de toda a população.”

Estudos indicam que a adoção das câmeras corporais pela PM paulista resultou na queda da letalidade policial, sobretudo no caso de mortes de adolescentes. Um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2022 mostrou uma redução de 80% em relação a 2017.

Outra mudança prevista pelo edital é que o acionamento para captura de imagens poderá ocorrer também de forma remota pelo Centro de Operações da Polícia Militar. Além disso, os vídeos serão transmitidos ao vivo pela internet para a central da corporação.

Carvalho explica que, hoje, as câmeras policiais não operam conectadas a redes, o que faz com que a liberação das imagens ocorra em um data center ao fim do turno do agente. Segundo o pesquisador, a conectividade dos equipamentos para transmissões pode comprometer a autonomia da bateria.

No edital, o governo determina que a câmera suporte no mínimo 12 horas de operação em condições de gravação local, porém conectada à plataforma.

Imagem: Rovena Rosa/ABR e Rodrigo Batista/PM/GOVSP

Um grupo de entidades da sociedade civil também se manifestou nesta quinta contra a medida. Elas argumentam que diferentes estudos nacionais e internacionais demonstraram que, em média, os policiais não acionam as câmeras em 70% das ocorrências atendidas.

Sustentam, ainda, que a nova licitação reduz o tempo de armazenamento dos vídeos intencionais de 365 para 30 dias, “uma alteração que pode comprometer o uso das imagens como provas técnicas e evidências em investigações
e processos judiciais pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública e pelo Tribunal de Justiça”.

Assinam o texto entidades como o próprio Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Conectas Direitos Humanos e a Comissão Arns.

Na manhã desta quinta, Tarcísio de Freitas alegou que o acionamento remoto das novas câmeras corporais pelo Centro de Operações da Polícia Militar traria mais “governança” e facilitaria a fiscalização do trabalho dos PMs.

“Você tem a possibilidade de retroagir no tempo [nas novas câmeras]. Então, se houver um estampido, o Copom pode acionar a câmera com o tempo retroativo. Você tem uma governança muito melhor do que vai ser gravado, tem um compliance maior”, declarou o bolsonarista. “Você sai daquela situação de ir para uma operação, acabar a bateria e a câmera não filmar.”

O que diz a Secretaria de Segurança Pública

Em nota, a pasta afirmou que o edital foi estruturado a partir de estudos e da análise de experiência do uso da tecnologia por forças de segurança em outros países.

“A Polícia Militar optou por um modelo de câmera com acionamento intencional, seja pelo próprio policial ou por sua supervisão, o que amplia as funcionalidades em relação ao equipamento anterior”, justificou a SSP.

Ainda de acordo com a pasta, ao despachar uma ocorrência ou ser notificado por uma equipe, o Copom será obrigado a verificar se o equipamento foi acionado ou não pelo policial. Em caso negativo, o dispositivo seria ligado remotamente pela central de operações da PM.

“O acionamento seguirá rígidas regras estabelecidas pela corporação a fim de garantir a gestão operacional e a eficiência do sistema. O policial que não cumprir o protocolo será responsabilizado.”

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo