Política

Por estabilidade, governo quer retomar agenda progressista

Ministro de Dilma admite falhas de diálogo da gestão petista e enxerga ofensiva contra maioridade penal, terceirização e financiamento de campanha como “lição” para o governo no segundo semestre

Ministro Miguel Rossetto diz que Dilma espera por melhora econômica no último trimestre do ano
Apoie Siga-nos no

Com pouco mais de seis meses, o governo de Dilma Rousseff deve enfrentar em agosto momentos de turbulência ainda mais bruscos do que os sentidos até agora. Em meio às manifestações pelo impeachment e aos julgamentos contra o governo no Tribunal de Contas da União (TCU) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a gestão petista faz a autocrítica e tenta mudar o quadro para o segundo semestre.

Em conversa com jornalistas após o lançamento da plataforma Dialoga Brasil, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rossetto, admitiu falhas da gestão na condução da base aliada no Congresso. As batalhas contra a redução da maioridade penal, o projeto da terceirização e o financiamento privado de campanha serviram de “lição” ao governo, segundo ele.

Segundo Rossetto, o programa aprovado nas urnas em outubro será a “referência” para “buscar estabilidade” na segunda metade do ano. Ainda assim, o ministro reconhece que as dificuldades podem continuar por conta do “estranhamento” gerado na base eleitoral do partido após a implementação do ajuste fiscal

Leia os melhores trechos da entrevista:

Agosto vai acumular algumas situações delicadas para o governo. O senhor poderia comentar isso, especialmente sobre a questão da passeata pelo impeachment da presidenta Dilma?

Miguel Rossetto: Temos que perceber e ter sempre a clareza de que nós somos uma economia grande, diversificada, forte. Somos uma das maiores economias do mundo. Passamos por momentos de dificuldade e vamos superar essas dificuldades. Do mesmo jeito que as instituições brasileiras são sólidas, a nossa democracia é sólida. E eu acho que a ideia do impeachment está absolutamente descartada, é uma tese morta na conjuntura política. Não há nenhum elemento que sustente isso, apesar de alguns irresponsáveis falarem, como falam outras bobagens.

Outra coisa é descontentamento político com o governo, críticas ao governo. Esses temas serão resolvidos nas eleições. Nós vivemos uma situação paradoxal. A imagem que muitas vezes eu trago é essa de que nós estamos assistindo um julgamento onde o processo civilizatório democrático incorporou a ideia do direito à defesa como direito a acusação e só passa o direito a acusação. Nós estamos iniciando um processo [político] e haverá obviamente espaço para direito de defesa.

A esse cenário vão ser acrescentados alguns pontos: julgamento das pedaladas fiscais no Tribunal de Contas da União, possibilidade de rejeição das contas no Tribunal Superior Eleitoral, aumento dos juros, investigações no Ministério Público Federal, tudo isso. Qual a estratégia do governo para enfrentar isso?

MR: Acho que nós vamos ter o crescimento de uma tensão política nos próximos meses. São vários programas que tentam reduzir o impacto da dificuldade econômica. O PPE [Programa de Proteção ao Emprego] é um deles. A nossa aposta é de que possamos iniciar uma reversão a partir do quarto trimestre deste ano. O programa Minha Casa, Minha Vida 3 deverá ser lançado provavelmente no próximo mês, em agosto. Dois temas com grande dimensão estratégica vão entrar na pauta nos próximos meses, como a conferência da ONU sobre os objetivos de desenvolvimento sustentável e a COP 21. Isso é a visão de semestre que nós temos.

Mas com muita tensão, sim. Do ponto de vista político, é muito provável um cenário que crie instabilidade política no País por conta de três elementos. Estamos falando aqui do TCU [Tribunal de Contas da União], do Tribunal Superior Eleitoral [TSE] e da Operação Lava Jato, com suas surpresas e dinâmica própria. Eu não acredito que o TSE tenha qualquer elemento condenatório da presidenta Dilma Rousseff.

[Em relação ao TCU], a novidade foi que resolvemos adotar uma defesa pública da conduta do governo da presidenta Dilma em relação a toda sua estrutura de gastos. O argumento é simples e de fácil compreensão: o que nós fizemos [“pedaladas fiscais”] é feito desde 1991. Nós fizemos uma avaliação do primeiro semestre. Temos hoje uma visão mais clara do nosso comportamento, dos nossos erros, dos nossos limites em relação à instabilidade da base aliada. Nós queremos mudar isso no segundo semestre, queremos buscar estabilidade política congressual.

Como conseguir mais estabilidade, ministro?

MR: Isso significa um diálogo maior com a nossa base. Nós não achamos razoável que o Congresso tenha atado acordos feitos com a base do governo em relação às atividades fiscais do governo. O projeto de reajuste do Judiciário, o projeto que joga para os aposentados as correções de salário mínimo acima da inflação, o fim do PIS/Cofins do diesel, o tema do Fator Previdenciário…esses temas elevam enormemente as despesas, o que numa situação dessas é inexplicável.

Nós queremos, sim, melhorar nosso diálogo, [Queremos] evitar esse padrão de instabilidade no segundo semestre. [Queremos] separar essas agendas [corrupção e atividade parlamentar], criar um distanciamento e permitir estabilidade política para o País. Essa é a equação com que nós estamos trabalhando.

Uma das coisas que mais a base do governo tem reclamado é o chamado “estelionato eleitoral”. Dilma prometeu, por exemplo, minorar a questão do genocídio da população preta, pobre e periférica e falou explicitamente sobre os atos de resistência, e sobre criminalizar a homofobia. Será que o Dialogo Brasil [nova plataforma de comunicação do governo] não deveria ter como tarefa essencial resgatar esses valores?

MR: Estamos com seis meses de governo, numa situação absolutamente singular, uma pressão política que nossa geração não viu. Não há esquecimento de compromissos. O governo desenvolveu uma energia política enorme para disputar a redução da maioridade penal. Qual foi o acordo possível? Todas as alterações referentes aos adolescentes sejam feitas a partir do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]. Vocês que acompanham esse debate sabem que há, dentro da agenda dos direitos humanos, um debate sobre a ampliação, sim, do tempo de reclusão dos adolescentes.

Então essas [pautas prometidas em campanha] são exigências para o segundo semestre. A PEC que permite que o governo federal tenha responsabilidade sobre a segurança pública, o fim dos autos de resistência, o combate à homofobia e o pacto pela redução dos homicídios são agendas para o segundo semestre.

Esse acordo com o PSDB para mudar o ECA e a melhoria do diálogo com a base aliada não é mais um capítulo dessa política de conciliação que começou no governo Lula e parece não funcionar mais no governo Dilma? Em vez de apostar no debate, o governo não está fazendo política de conciliação novamente?

MR: O que deve orientar a nossa conduta política é o conteúdo e o programa. O que nós fizermos no primeiro semestre foi uma defesa da juventude e da nação, para barrar uma proposta [redução da maioridade penal] reacionária, autoritária, discriminatória. A qualidade do debate retirou legitimidade dessa proposta junto à sociedade.

Permito-me dizer que talvez essa tenha sido a grande lição do primeiro semestre. Três grandes agendas foram apresentadas à sociedade brasileira pelos grandes e conservadores meios de comunicação. Eles diziam que eram temas já definidos o projeto da terceirização, a redução da maioridade penal e o financiamento empresarial de campanha. Esses três temas, que são emblemáticos, foram anunciados como temas absolutamente resolvidos. Não era isso? Os três temas não foram resolvidos. Isto é uma referência de uma conjuntura política e deve jogar luz para um segundo semestre. Na minha opinião a experiência do segundo semestre deve encorajar a afirmação do programa de outubro.

O senhor falou das três vitórias progressistas no Congresso no primeiro semestre. Ao mesmo tempo, a Dilma despenca nas pesquisas. O que está faltando ao governo? Não está faltando fazer política nesse governo? Fazer disputa de hegemonia na sociedade?

MR: Eu penso que esse é um aprendizado do primeiro semestre. Nossa responsabilidade é realizar os compromissos que nós estabelecemos com o povo brasileiro. E talvez, sim, a gente tenha que fazer uma reflexão maior sobre o padrão e a qualidade da disputa política que se faz no Brasil. A partir do processo eleitoral, a luta política no País continua. Mas continuou mais de um lado, que foi o lado derrotado. Talvez a grande avaliação que deve ser feita pelo nosso governo é perceber a dimensão e a qualidade da disputa política que teve continuidade a partir da nossa vitória eleitoral, num ambiente de ferocidade.

Temos essa capacidade de avaliação e temos uma grande energia política para retomar iniciativa política no debate com a sociedade brasileira e a grande referência é o programa de outubro. Não significa não reconhecer os desafios da conjuntura. Não significa não reconhecer que há uma oposição mais venezuelana, aventureira, que busca não criticar as ações do governo, mas que busca impedir que o governo governe. Esses setores estão sendo derrotados na sociedade brasileira. Mas, ao mesmo tempo, ela [a sociedade] nos diz estar descontente com o que está acontecendo no País. Este que é o desafio do segundo semestre.

Mas como o governo pretende fazer, de maneira concreta, para recompor sua base social, dizimada depois de outubro? O senhor disse que, na lógica do ajuste fiscal, o governo oneraria o andar de cima: imposto sobre grandes fortunas, imposto sobre herança, o que aconteceu com essas medidas?

MR: Há uma mudança de qualidade na pauta já. O PPE, o Plano de Reforma Agrária, o Minha Casa, Minha Vida 3, o Plano Safra de Agricultura Familiar, e os temas que fizemos referência aqui compõe os interesses da nossa base organizada. A MP 664 e MP 665 [medidas do ajuste fiscal] criaram, sim, um estranhamento enorme em parte da nossa base, especialmente a base sindical. Nossa base vai continuar defendendo uma nova política econômica, faz parte do processo político democrático, A grande qualidade que essa vanguarda política social demonstrou foi que não houve ruptura política com o nosso projeto. Pode ter havido distanciamento, crítica, mas não ruptura. Nós estamos para retomar o diálogo com as centrais sindicais.

Há também um conjunto de agendas que envolvem direitos humanos e violência, que devem preencher muito a agenda do segundo semestre. O governo preserva seus compromissos em relação a alguns programas, como também a tributação do andar de cima [mais ricos]. Infelizmente nós não conseguimos superar [isso] no primeiro semestre. Mas a tributação de grandes heranças, a tributação da antecipação de giro sobre capital próprio e a eventual ampliação da tabela do imposto de renda são temas que estão sendo analisados e permanecem na agenda do governo.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , , , , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.