Política

Política ambiental do Brasil “está na direção errada”, diz ministro norueguês

O ministro norueguês de Meio Ambiente, Vidar Helgesen, fala em cooperação com o Brasil, mas se mostra preocupado às vésperas da visita de Temer ao país

"Vimos progressos impressionantes no Brasil nas últimas décadas, mas as tendências são preocupantes"
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Por Nádia Pontes

Num dos países considerados menos corruptos do globo, a preocupação com os rumos da política ambiental no Brasil é crescente. A Noruega é uma das principais doadoras do Fundo Amazônia, que financia ações de combate ao desmatamento no Brasil. Com o aumento do corte da floresta no ano passado e a ameaça de redução de áreas protegidas na Amazônia, o dinheiro norueguês pode desaparecer.

DW Brasil: O presidente Michel Temer vem à Noruega nesta semana para uma visita oficial. Temas ambientais estão incluídos na agenda?

Vidar Helgesen: Sim, estão. A colaboração na área de floresta entre Brasil e Noruega é uma parte significativa das relações entre os dois países. Vimos progressos impressionantes no Brasil nas últimas décadas, mas as tendências são preocupantes. E essa é uma discussão que teremos com o presidente.

DW: A Noruega foi o primeiro doador do Fundo Amazônia e renovou o compromisso de continuar apoiando financeiramente o combate ao desmatamento. Nesse momento, o Congresso vota leis vistas como um retrocesso na legislação ambiental, com diminuição de áreas protegidas na Amazônia. Como a Noruega acompanha esses desenvolvimentos no Brasil?

VH: Nosso programa de doação é baseado em resultados: o dinheiro é repassado se o desmatamento é reduzido, e foi o que vimos nos últimos anos. Isso significa que se o desmatamento está subindo, haverá menos dinheiro.

As decisões no Brasil só podem ser feitas pelas autoridades brasileiras. Nós mencionamos a nossa preocupação com as autoridades brasileiras em relação a esse debate sobre a legislação. Mas, no fim, é o Brasil que toma a decisão. Quando vemos a tendência indo na direção errada nos últimos anos, é claro que isso levanta preocupação e perguntas sobre o que o governo está planejando para reverter esse quadro. E deixamos bem claro que nosso financiamento é baseado em resultados.

DW: Como a opinião pública na Noruega vê o financiamento ao Fundo Amazônia? E como vocês acompanham o investimento, a aplicação do dinheiro feito no Brasil?

VH: Nós temos um sistema muito meticuloso para verificar o índice de desmatamento. Na Noruega, o apoio dos cidadãos a iniciativas ligadas ao clima é ampla, inclusive as que acontecem no Brasil, Aqui se reconhece também que a floresta tropical tem um papel importantíssimo para o cumprimento do Acordo de Paris.

Paralelamente, a imprensa norueguesa também faz mais questionamentos com o aumento do desmatamento no Brasil e o debate em relação às leis ambientais.

DW: Por que a Noruega, grande produtor de petróleo, decidiu investir na proteção de florestas tropicais em lugares distantes, como Brasil, Congo e Indonésia?

VH: É importante porque as florestas têm um papel fundamental na mitigação das mudanças climáticas globalmente. A Floresta Amazônica, as florestas tropicais no Congo e na Indonésia são recursos pertencentes aos respectivos países, mas são, ao mesmo tempo, um “presente” desses países ao mundo.

Se pararmos o desmatamento, as florestas vão poder continuar tendo essa função importantíssima que é de absorver carbono e regular o clima. Não é possível atingir a meta estabelecida pelo Acordo de Paris sem as florestas tropicais.

Há ainda outros aspectos: os recursos que podem ser explorados de forma sustentável são maiores que a produção de biocombustível ou produção de madeira, que são atividades que provocam o desmatamento. As comunidades indígenas e tradicionais têm um papel importante também.

Nós acreditamos que é um investimento necessário em termos de política ambiental e de apoio a países que querem proteger suas florestas.

DW: A Noruega é um grande exportador de petróleo e a maior empresa do país é desse ramo. O que o país está fazendo para diminuir suas próprias emissões?

VH: O maior consumidor de petróleo no mundo é o setor de transporte. Temos uma política ambiental muito ambiciosa voltada para o transporte elétrico. A Noruega tem um mercado pequeno, mas quer demonstrar que é possível transformar o setor com veículos elétricos. E isso tem uma importância global, por causa do consumo de petróleo do setor.

Também estamos reduzindo as emissões das nossas indústrias: o corte é significativo em relação a 1990. Nossa indústria de petróleo e gás é uma grande fonte de emissão, mas está inserida no programa europeu de compensação – as emissões na Noruega são compensadas em outro lugar. E temos ainda um imposto elevado sobre a emissão de carbono.

DW: A Noruega está lançando uma iniciativa que reúne líderes religiosos de todo o mundo na tentativa de preservar florestas tropicais e combater as mudanças climáticas. O senhor considera que o sistema político está falhando nessa missão?

VH: Seria muito fácil dizer que o sistema político está falhando. O que se viu no Brasil nas últimas décadas foi impressionante: um sistema político que funcionou no combate ao desmatamento. Na Colômbia, por exemplo, a ecologia e o papel da floresta são um componente importante do Tratado de Paz. Isso é resultado do sistema político. Estamos participando de um programa naquele país para transformar antigos soldados das Farc em guardiões da floresta.

Por outro lado, estamos vendo que os desafios continuam crescendo, as soluções políticas não são suficientes. Com o desmatamento crescendo no Brasil, por exemplo, esperamos que haja uma política para combater isso. Globalmente, estamos vendo as emissões caindo pelo terceiro ano, mesmo com a economia mundial em expansão. Isso é um bom sinal.

Mas temos tanto ainda pra fazer! Proteger as florestas tropicais é parte disso. Estamos mobilizando essa iniciativa com diferentes religiões porque acreditamos que líderes religiosos trazem mais força para a coalizão. Eles têm uma voz moral, têm os formadores de opinião, e têm alcance, o que é importante para o combate ao desmatamento. Em muitos países, o Estado é ausente em muitas regiões, mas sempre existe uma igreja, uma mesquita, um templo.

Mobilizar líderes religiosos pode ter um grande impacto, mas não é uma alternativa à política. Eles podem exercer mais pressão sobre os políticos, encorajar políticos e fiscalizar se a política está sendo implementada.

DW: Essa iniciativa é também uma resposta à saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris?

VH: Estamos organizando essa iniciativa há muito tempo, bem antes do anúncio feito pelo presidente Donald Trump. Mas eu gostaria de dizer que ficamos decepcionados com a decisão dos Estados Unidos. Mas fui encorajado quando vi uma reação forte vinda de toda parte do globo, respostas de governos vindas da Europa, América Latina, Asia, África, da iniciativa privada.

Eu acredito que a transformação que o mundo está vivendo nesse momento, em termos de mercado e de tecnologia, não vai parar. Nem mesmo o presidente dos Estados Unidos será capaz de conter esses avanços.

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