Política

PM, lobista, servidor: como estão e o que fazem personagens revelados pela CPI da Covid

Meses depois, figuras trazidas a público pelas investigações traçam rotas próprias para tentar sair de cena; empresas que foram alvo seguem ativas

Dominguetti, Marconny e Luís Miranda. Fotos: Edilson Rodrigues/Agência Senado e Pedro França/Agência Senado
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Personagens apresentados ao grande público pela CPI da Covid tomaram rumos distintos pouco mais de três meses após o conclusão dos trabalhos do colegiado. Servidores, lobistas, vendedores, policiais e até empresas adotaram diferentes estratégias na tentativa de sair de cena ao fim de uma investigação que prendeu a atenção do país. O GLOBO encontrou o paradeiro de parte deles.

O cabo da Polícia Militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominguetti deixou o papel de negociador de vacinas para continuar atuando apenas na corporação. Ele ganhou destaque durante a CPI ao se dizer representante da Davati Medical Supply, que negociou 400 milhões de doses de imunizantes contra a Covid-19 com o governo, e denunciar um suposto pedido de propina que teria ouvido de um representante do Ministério da Saúde. O episódio não foi comprovado.

Localizado pelo GLOBO, ele contou que seu depoimento à comissão ainda desperta curiosidade entre conhecidos, que perguntam como eram os senadores e o funcionamento do colegiado. O PM afirma que nunca mais foi procurado por integrantes do governo nem tem interesse em retomar contato. Alega que ali só encontrou “ganância e desprezo pela vida humana”. O relatório final da comissão pediu o indiciamento de Dominguetti por corrupção ativa.

— A CPI teve um papel fundamental, tem que ser defendida. Acho que muitos outros fatos ainda podem vir à tona. A vida de muitos filhos, pais, maridos e esposas se perderam ou sofreram em leitos ou por falta deles, pois negociatas e pedidos de propinas eram feitos — afirmou.

Seus problemas, contudo, não se encerraram com o ponto final da CPI. No ano passado, a PM mineira abriu inquérito para apurar a conduta de Dominguetti. Procurada, a assessoria de imprensa da corporação não esclareceu em que fase está o processo.

A respeito da atuação da Davati, que jamais conseguiu comprovar a suposta capacidade de entregar quase meio bilhão de doses ao Brasil, o policial sustenta ter sido enganado. Ele e outro alvo da CPI ligado à empresa, Cristiano Carvalho, preparam uma ação judicial contra Herman Cardenas, dono da companhia.

Peça-chave de denúncias apuradas pelo colegiado, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda teve um destino diferente. Responsável por levantar as primeiras suspeitas a respeito da compra de vacinas pela pasta e fazê-las chegar inclusive ao presidente Jair Bolsonaro, ele não conseguiu voltar à normalidade. Está afastado das funções até hoje. Segundo o irmão do servidor, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), Ricardo está fora do país, amparado pelo programa de proteção a testemunhas da Polícia Federal, após receber ameaças de morte. O parlamentar disse que seu irmão só vai retornar ao Brasil após a eventual identificação e prisão dos responsáveis pelas intimidações.

— Cada vez que fico sabendo das investigações tenho mais receio de uma represália, pois era realmente uma organização criminosa que foi montada dentro do Ministério da Saúde para desviar recursos públicos e já fazia isso há anos. A única coisa que mudou foi que os acordos passaram a ser feitos com o novo governo — disse Miranda.

A CPI da Covid mirou também em Marconny Faria. Conhecido pela alcunha de “lobista dos lobistas”, ele chegou a se utilizar do acesso direto que tinha a Ana Cristina Valle, ex-mulher de Bolsonaro, para tentar emplacar nomeações no governo federal. Responsabilizado por suposta prática de organização criminosa pela comissão, Faria se afastou de pessoas com quem tinha proximidade em Brasília, como Karina Kufa, advogada do presidente, e submergiu. Procurado diversas vezes pelo GLOBO, ele não quis se manifestar.

Empresas envolvidas nas investigações, porém, seguem suas atividades normalmente. A VTCLog, companhia especializada em logística suspeita de ter sido favorecida em negócios com o Ministério da Saúde, continua prestando serviços à pasta. E apresentando problemas. Recentemente, o ministério aplicou-lhe uma multa de R$ 1,47 milhão por falhas de desempenho no contrato de distribuição de vacinas. Procurada, a VTCLog disse que “o contrato vem sendo fielmente cumprido sem prejuízo à saúde pública.”

Responsável pela distribuição de quase 400 milhões de doses da vacina contra a Covid-19 no país, a VTCLog acrescentou que apresentou recurso contra a aplicação da multa e que o ministério está fazendo a análise. Procurada, a pasta respondeu que “os fatos estão em investigação e mais informações somente poderão ser fornecidas após conclusão do processo”.

A CPI da Covid encerrou seus trabalhos no dia 26 de outubro passado com o pedido de indiciamento de 80 pessoas. Parte delas viu na visibilidade garantida pela comissão, teoricamente negativa, uma oportunidade. Alguns dos principais alvos das investigações se articulam para disputar as eleições.

Depois do presidente Jair Bolsonaro, responsabilizado pelo relator do colegiado, senador Renan Calheiros (MDB-AL), por nove crimes, a autoridade mais atingida pela CPI foi o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. As sete práticas criminosas das quais ele foi acusado, como prevaricação e crimes contra a humanidade, não o impedem de estar cotado para disputar uma vaga de deputado federal por Rio ou Amazonas, palco de um dos capítulos mais tenebrosos da pandemia em sua gestão: a morte de vítimas de Covid-19 por falta de oxigênio.

Seu sucessor e atual titular da pasta, Marcelo Queiroga, mais um na lista de pedidos de indiciamento da CPI, sonha mais alto: quer concorrer ao Senado pela Paraíba. Recentemente, comentou com pessoas de sua confiança que estuda se filiar ao PL, partido de Bolsonaro, ou ao Republicanos. O ministro foi responsabilizado pelo suposto crime de prevaricação e de epidemia com resultado de morte.

Outra personagem que esteve na mira da comissão, a secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como Capitã Cloroquina, deve disputar uma cadeira no Legislativo pelo PL. Ela é alvo de pedido de indiciamento por epidemia com resultado morte, prevaricação e crime contra a humanidade.

Do lado oposto, senadores que atuaram na comissão também vão se lançar às urnas. Simone Tebet é pré-candidata à Presidência pelo MDB; e Alessandro Vieira, pelo Cidadania.

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