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Perdas e danos

As desavenças do período eleitoral colocam em xeque a hegemonia da família Ferreira Gomes no estado

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Mágoa. Derrotado em todos os municípios cearenses, Ciro ressente-se com a postura de Ivo e Cid - Imagem: Redes sociais e Keiny Andrade/Ciro12
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Pires Ferreira é um município do Semiárido cearense a cerca de 300 quilômetros de Fortaleza. Foi lá que o presidenciável do PDT, Ciro Gomes, registrou, proporcionalmente, o maior número de votos nas eleições de 2018, alcançando 70,46%. O bom desempenho foi, porém, suplantado por ínfimos 8,71% registrados no pleito deste ano. O que as urnas de Pires Ferreira revelaram repetiu-se em todo o Ceará e representa o esgotamento do ciclo e do poder do grupo Ferreira Gomes, liderado por Ciro e pelos irmãos Cid e Ivo Gomes, senador e prefeito de Sobral, respectivamente.

O grupo comandava o cenário político no estado há algumas décadas e saiu das eleições de outubro como o grande derrotado no Ceará. Das quatro disputas presidenciais em que participou, esta foi a primeira vez que Ciro perdeu em todos os 184 municípios cearenses. Amealhou 6,8% dos votos no estado, atrás de Jair Bolsonaro, com 25,38%, e de Lula, com 65,11%. No segundo turno, o líder petista confirmou o favoritismo e somou 69,97% dos votos.

A derrota do grupo cirista não se resumiu à disputa para presidente. O candidato ao governo do Ceará de Ciro – não da família Ferreira Gomes –, o ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio, do PDT, amargou o terceiro lugar, não chegando a 15% dos votos válidos. O deputado pedetista Leônidas Cristino, representante do clã na Câmara, também não se reelegeu. Lia Gomes, representante feminina da família, foi eleita deputada estadual com uma votação pouco expressiva. Com 67 mil votos, ficou na vigésima colocação e na décima entre os deputados eleitos pelo PDT.

Pesquisadores da política cearense avaliam que o desgaste dos Ferreira Gomes não é novo e se intensificou após as eleições municiais de 2020. Em Fortaleza, onde tradicionalmente o grupo sempre teve prestígio, a família emplacou com dificuldade o prefeito ­Sarto ­Nogueira, eleito no segundo turno por uma margem estreita em relação a Capitão­ ­Wagner, do União Brasil.

Na disputa deste ano, a fratura exposta ficou visível depois que Ciro Gomes brigou com os irmãos e levou o PDT a lançar Roberto Cláudio, preterindo a governadora Izolda Cela, candidata natural à reeleição. Filiada à legenda de Ciro até ser rifada, ­Cela foi secretária de Educação de Sobral e do governo do Estado nas gestões de Cid Gomes, e vice-governadora nos dois mandatos de Camilo Santana. Em abril, assumiu o comando do estado depois que o petista precisou se desincompatibilizar para disputar o Senado. “A ala pedetista mais próxima de Cid apoiou a candidatura do Elmano de Freitas, do PT, o que ampliou o tensionamento durante as eleições. E a ala mais próxima de Ciro está magoada na forma como as eleições foram se desdobrando”, avalia Monalisa Torres, socióloga da Universidade Estadual do Ceará e integrante do Observatório das Eleições.

Por um palanque hostil a Lula, Ciro Gomes rompeu com os irmãos e implodiu uma aliança de 16 anos entre PDT e PT

O racha pode ser conferido na bancada eleita para a Assembleia Legislativa do Ceará. Dos 46 deputados, o PDT elegeu 13, dos quais sete fizerem campanha para Roberto Cláudio, quatro apoiaram informalmente Elmano e dois preferiram a neutralidade. Cid e Ivo Gomes também não fizeram campanha para o candidato do PDT, pediam voto para Ciro, Leônidas e Lia Gomes, mas não para Cláudio. A postura dos irmãos enfureceu Ciro e levou o presidenciável a praticamente não fazer campanha no Ceará. A única atividade realizada no estado, uma carrea­ta em Sobral, foi marcada pela ausência dos irmãos. “Dei minha vida ao povo cearense, e algumas lideranças, todas que eu ajudei a formar, se reuniram e meteram a faca nas minhas costas”, lamentou o pedetista em entrevista a um podcast.

A expectativa era de que a disputa estadual só seria definida no segundo turno e a tendência era de que seria entre Elmano de Freitas e Capitão Wagner, candidato bolsonarista. Cid chegou a dizer que não iria se envolver na campanha de Roberto Cláudio e no segundo turno trabalharia para unir novamente petistas e pedetistas em um só palanque. Não apostava, porém, que as urnas iriam consagrar Freitas como governador eleito ainda no primeiro turno. Passada a primeira fase e com a derrota do irmão, o senador reuniu o PDT e levou o partido a apoiar Lula no Ceará, apesar do sumiço de Ciro e de Cláudio. Dentre os deputados estaduais eleitos, apenas um, Queiroz Filho, defende que o partido faça oposição ao governo petista.

“O PDT faz parte da base governista, construiu esse projeto, e espero que possa refletir e participar do governo do Elmano”, ressalta Evandro Leitão, presidente da Assembleia Legislativa, reeleito pelo partido com a segunda maior votação do estado. “Dialogamos com lideranças do PDT, especialmente com o senador Cid Gomes. Já me reuni com as bancadas estadual e federal. Há boas possibilidades de trazer o PDT para o nosso governo”, salienta o governador eleito.

Para a socióloga Monalisa Soares, da Universidade Federal do Ceará, é preciso verificar a força de Cid Gomes, se ele vai assumir o comando do PDT no estado, para confirmar, de fato, o declínio dos Ferreira Gomes. “A eleição de 2022 implodiu a noção de um grupo coeso, expôs as rachaduras no condomínio familiar. De 2018 para cá, vimos uma deterioração do capital político de Ciro. Cid tem, porém, capacidade de articulação, foi responsável por formar o grupo que governou o Ceará por 16 anos.”

Eleito senador com quase 70% dos votos, Camilo Santana sai das urnas como a grande liderança política no estado. Desde o primeiro momento, Cid e Ivo Gomes declararam voto e fizeram campanha para o petista. “A disputa no Ceará foi resolvida no primeiro turno com a vitória de um candidato praticamente desconhecido. É evidente que Lula puxou votos, mas a campanha do Elmano foi casada com a do ex-governador. Na prática, Camilo fez uma terceira campanha para governador, viajou por muitos municípios para apresentar Elmano como seu sucessor”, destaca Soares.

Agora, Santana trabalha para emplacar a governadora Izolda Cela como ministra da Educação no governo Lula, um dos nomes cotados para o cargo. Ela deve migrar para o PT, juntando-se à filha, Luísa Cela, e ao marido, Veveu Arruda, filiados à legenda. “Ciro impôs o nome de Roberto Cláudio para montar um palanque distante de Lula. Esse episódio foi muito malvisto pelo eleitorado cearense, que tem uma tradição de rejeitar a violência política contra as mulheres, pelo menos na capital”, comenta a cientista política Joyce Martins, da Universidade Federal de Alagoas.

A discussão para a recomposição da aliança deve passar, agora, pelas negociações em torno das eleições municipais de 2024. O governo Sarto, em Fortaleza, não tem sido bem avaliado e talvez nem ­dispute a reeleição. Não se sabe ainda se o revés sofrido por Cláudio o coloca como opção dos Ferreira Gomes, embora ele tenha deixado a prefeitura de Fortaleza com alto índice de aprovação. Com o governo nas mãos e tendo Camilo Santana como a maior liderança do estado, é natural que o PT lance candidato próprio. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1234 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Perdas e danos”

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