Política
Pela união dos Brasis
Esvaziadas por diversos governos, a Sudene, a Sudam e a Sudeco ganham novo fôlego com o retorno de Lula


A injustiça social que marca a formação do Brasil está fincada nas desigualdades regionais, tendo o Nordeste e o Norte como os maiores rincões de pobreza do País. Os piores Índices de Desenvolvimento Humano por Municípios (IDH-M) estão em Alagoas (0,633), Maranhão (0,647), Piauí (0,673), Paraíba (0,678) e Sergipe (0,687), todos estados nordestinos, e, no Norte, os destaques são o município de Jordão, no Acre, com o segundo menor IDH-M do País (0,476), e a Ilha de Marajó, no Pará, onde oito dos 16 municípios que compõem o arquipélago figuram entre os piores. Tal realidade impõe um grande desafio para Danilo Cabral e Paulo Rocha, superintendentes indicados pelo governo Lula para comandar a Sudene e a Sudam, autarquias responsáveis, respectivamente, pelo desenvolvimento do Nordeste e do Norte.
A Sudeco, Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste, está numa situação mais confortável que o Nordeste e o Norte. A região conta com um cenário mais favorável por concentrar a maior fatia do agronegócio, setor que mais contribuiu para o aumento de 1,9% do Produto Interno Bruto no primeiro trimestre deste ano. Cabe à Sudeco, contudo, fazer com que essa riqueza seja mais bem repartida na região, que continua com sérios problemas sociais, apesar de ser a campeã nacional no cultivo de soja e na criação de rebanho bovino. Toda essa pujança tem atraído pessoas de outros locais que buscam trabalho, provocando aumento populacional quase três vezes maior que a média nacional. Segundo o Censo 2022, recém-divulgado pelo IBGE, o Centro-Oeste teve crescimento populacional médio anual de 1,23% nos últimos 12 anos, enquanto o Brasil cresceu apenas 0,52%.
Fortalecidas com mais recursos, as superintendências focam na redução das disparidades regionais no País
“Quase tudo que a gente produz aqui vai embora. Precisamos fortalecer o desenvolvimento, a tecnologia para agricultura familiar e resolver a questão do crédito. Em Mato Grosso do Sul, estado de grande extensão territorial e com terra boa para plantar, 65% dos produtos hortifrutigranjeiros que consumimos ainda vêm de fora. O foco está na exportação de commodities agrícolas, mas também precisamos produzir alimentos para a população do Centro-Oeste e dos estados mais carentes, onde estão esses mais de 33 milhões de brasileiros que passam fome”, defende Rose Modesto, no comando da Sudeco.
A superintendência aposta na agricultura familiar para minimizar as desigualdades sociais. A previsão é de um investimento da ordem de 40 bilhões de reais para o agro nos próximos anos e ao menos metade desse valor deve ser destinada ao pequeno agricultor. “Tenho conversado muito com o Banco do Brasil, responsável por repassar esses recursos, e vou buscar outras fontes, como cooperativas, que atendam os camponeses. Precisamos expandir tais investimentos, com acesso ao crédito para essas pessoas”, defende Modesto, criticando o alto índice de juros. “O Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul, só esses dois estados, são responsáveis por mais de 50% da produção agrícola do Brasil. Sabemos da importância da Sudeco nesses bons resultados, mas queremos que esse apoio também chegue aos pequenos produtores.”
Preservação. Rose Modesto, da Sudeco, queixa-se da falta de recursos para combater as queimadas no Pantanal – Imagem: Mayke Toscano/GOVMT e Alexssandro Loyola/PSDB na Câmara
Esvaziadas por sucessivos governos, até serem quase extintas nos anos FHC, a Sudene, a Sudam e a Sudeco ganham um novo fôlego no governo Lula, que se propõe a reestruturar as três superintendências como forma de reduzir a desigualdade social no País. “As três superintendências regionais são responsáveis por várias políticas públicas do governo federal e pela relação com as instituições financeiras que operam os Fundos Constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Antes, não havia integração entre essas agências e o ministério, mas este ano implantamos um planejamento estratégico integrado com as políticas vinculadas para mudar essa realidade”, ressaltou o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, durante encontro com Cabral, Rocha e Modesto, no fim de junho.
O orçamento da Sudene para este ano é de cerca de 40 bilhões de reais, previstos no fundo constitucional e incentivos fiscais, para atender os nove estados nordestinos e as regiões Norte dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, totalizando mais de 2 mil municípios e quase 60 milhões de habitantes. O maior desafio de Danilo Cabral é transformar a tão conhecida imagem do chão rachado pela seca – e das recentes enchentes que têm causado estragos em estados como Alagoas e Pernambuco – em um oásis de prosperidade. Na segunda-feira 10, representantes dos 11 estados que compõem a Sudene reuniram-se no Conselho Deliberativo do órgão para definir as prioridades da autarquia. Sete projetos foram aprovados e serão encaminhados ao Congresso, dentro do plano estratégico da autarquia para serem incluídos no Plano Plurianual, que deverá ser votado em agosto próximo. O eixo central do plano é o desenvolvimento sustentável da região, assentado em políticas públicas de geração de emprego e renda, de tecnologia, de segurança hídrica e de educação.
“O modelo de desenvolvimento de cima para baixo, a partir de grandes projetos, aprofundou as desigualdades”, avalia Paulo Rocha
“De 2003, no primeiro mandato do presidente Lula, até 2020, o Nordeste cresceu mais que o Brasil. Avançou 53% ante 46% da média nacional. A volta de Lula significa novo ambiente, do ponto de vista político, para que a gente possa dar um novo salto de qualidade”, destaca Cabral. “O Nordeste, que lá atrás tinha o clima como um fator de adversidade, com a dureza do nosso Semiárido, agora conta com muitas oportunidades. Temos a energia limpa, pois a região concentra 83% da produção nacional de energia eólica e solar. Temos ainda o hidrogênio verde, capaz de gerar mais desenvolvimento. Sem falar no próprio bioma da Caatinga, que, pela sua biodiversidade, também representa novas oportunidades”, avalia o superintendente, destacando que o Nordeste cresceu muito nas faixas litorâneas e agora precisa se desenvolver a partir do interior.
Tema central quando se fala em Nordeste, a fome atinge quatro em cada dez famílias de nordestinos e o combate à insegurança alimentar está entre as prioridades do plano de desenvolvimento da Sudene. “No governo Bolsonaro, vimos o porcentual de pessoas que passam fome no Nordeste aumentando e o governo Lula já deu a principal resposta, resgatando o conceito criado lá atrás com o Bolsa Família. É um programa de proteção social, mas que também valoriza a educação e a promoção da saúde, por meio das contrapartidas exigidas dos beneficiários (como a frequência escolar das crianças e o pré-natal das gestantes). Este é o eixo central, em sintonia com o ministro Wellington Dias. O nosso papel na Sudene é pensar, do ponto de vista estratégico, ações de combate à fome e integrá-las aos programas do governo.”
Na Amazônia e no Centro-Oeste, a Sudam e a Sudeco, para além de focar no desenvolvimento regional, têm de lidar com a difícil tarefa de preservar a Floresta Amazônica e o Cerrado, biomas constantemente ameaçados pela exploração predatória. O Pantanal, por exemplo, está no período de seca, no qual as queimadas avançam sem controle sobre a cobertura vegetal. Rose Modesto queixa-se dos parcos recursos e da estrutura enxuta da Sudeco, mas acredita que o governo federal e a bancada do Centro-Oeste no Congresso vão garantir o orçamento necessário. “Quando chegamos aqui, vi logo que precisávamos de verba para fazer os convênios diretamente com o setor público, de recursos próprios para desenvolver projetos e para comprar equipamentos usados na prevenção das queimadas”, afirma, acrescentando que dialoga com ministérios e com parlamentares da região em busca de emendas.
Proteção Paulo Rocha, da Sudam, enfatiza a necessidade de resguardar as comunidades indígenas na Amazônia – Imagem: Bruno Kelly/Amazônia Real e Arquivo/PT na Câmara
Na Amazônia Legal, que abriga os sete estados do Norte e uma parte do Maranhão e de Mato Grosso, a meta é manter a floresta em pé e levar o desenvolvimento para a região, visando, sobretudo, a população mais carente. No início de julho, Paulo Rocha reuniu-se com uma comissão de pescadores artesanais do Rio Xingu, no Pará, para discutir os impactos causados pela obra da Usina de Belo Monte. É também na Amazônia onde há os maiores conflitos fundiários envolvendo povos indígenas no País. Recentemente, repercutiu no mundo inteiro a tragédia humanitária vivenciada pelos Yanomâmis em Roraima. Depois da constatação dos problemas provocados por mais de 20 mil garimpeiros ilegais que invadiram o território indígena, o governo federal organizou uma operação para forçar a retirada dos criminosos do local.
Paulo Rocha pretende readequar o modelo de desenvolvimento da região. “Precisamos desenvolver a Amazônia de baixo para cima, incluindo todos, pois a concepção de cima para baixo, a partir de grandes projetos, aprofundou as desigualdades”, ressalta o superintendente da Sudam. O combate à pobreza e à exploração sexual na Ilha de Marajó é apontado como prioridade. A autarquia assumiu o compromisso de incluir no seu Plano Nacional de Desenvolvimento Regional um capítulo específico para atender à demanda dos marajoaras, com projetos voltados para telecomunicações, transporte, saúde, geração de renda, fomento para pequenas produções e regularização fundiária.
Além de grandes e pequenos projetos nas áreas econômica e social, a Sudene, a Sudeco e a Sudam também apoiam iniciativas voltadas para os campos da cultura e do turismo. Recentemente, ocorreu uma consulta pública, na qual os próprios habitantes puderam sugerir propostas para a sua região. Agora, essas demandas estão sendo organizadas e serão incluídas no plano de desenvolvimento regional de cada uma das autarquias. •
Publicado na edição n° 1268 de CartaCapital, em 19 de julho de 2023.
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