Política

PEC da venda de plasma pode gerar apagão de doações de sangue, diz secretário da Saúde

Para secretário de Ciência e Tecnologia da pasta, a proposta em tramitação pode provocaru ma ‘pancada’ na política nacional de sangue

O secretário Carlos Gadelha, do Ministério da Saúde. Foto: Julia Prado/MS
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A proposta de emenda à Constituição que permite a comercialização de plasma sanguíneo pode gerar um “apagão” de doações de sangue no Brasil, segundo o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha. A declaração foi concedida em entrevista a CartaCapital.

Na quarta-feira 4, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou a PEC 10/2023, que permite a comercialização de plasma sanguíneo. O texto segue para a análise do plenário.

O plasma é um líquido extraído do sangue e serve de matéria-prima para os chamados produtos hemoderivados, ou seja, medicamentos produzidos com base sanguínea. Esses remédios, em geral, combatem doenças oncológicas, autoimunes e neurológicas, entre outras.

No artigo 199, a Constituição diz que é “vedado todo tipo de comercialização” de “órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados”.

A PEC incluiria o trecho “com exceção ao plasma” e criaria um novo dispositivo para tratar exclusivamente do plasma humano, no qual seria incluída a possibilidade de “comercialização”.

Conforme o novo trecho, a lei poderia determinar “a coleta, o processamento e a comercialização de plasma humano pela iniciativa pública e pela iniciativa privada para fins de uso laboratorial, desenvolvimento de novas tecnologias e de produção de medicamentos hemoderivados destinados a prover preferencialmente o SUS”. A regulamentação, então, ocorreria por meio da legislação.

O secretário do Ministério da Saúde ouvido pela reportagem argumenta que a possibilidade de comercialização de plasma pode desestimular as doações voluntárias de sangue, uma vez que os potenciais doadores podem se sentir incentivados a passar a obter remuneração.

“Ao comercializar o plasma, você pode gerar um risco de apagão na oferta de sangue”, afirmou Gadelha. “A gente tem um risco de dar uma pancada na disponibilidade de sangue, plasma e hemoderivados no Brasil.”

O presidente da CCJ do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), ao lado da relatora da PEC 10, Daniella Ribeiro (PSD-PB). Foto: Pedro França/Agência Senado

O secretário também aponta a possibilidade de que pessoas em situação de vulnerabilidade econômica ocultem informações sobre o próprio sangue para garantir a compensação financeira pela doação.

Dessa forma, os órgãos de coleta perderiam mais um parâmetro de vigilância da qualidade do material, uma vez que esses doadores poderiam evitar falar de quaisquer circunstâncias que sugerissem o risco de o sangue estar contaminado.

Além disso, Gadelha sustenta que a questão afeta a soberania nacional. Atualmente, a coordenação da produção de medicamentos hemoderivados no Brasil fica a cargo de uma empresa pública, a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia, conhecida como Hemobrás.

Criada em 2004, a Hemobrás está vinculada ao Ministério da Saúde. Segundo o secretário, a pasta prevê que, até 2025, a empresa alcance 80% daquilo de que o Brasil depende na área de hemoderivados.

Ele reconhece que, atualmente, o País vive uma situação de dependência do exterior para realizar o processamento do plasma, mas que a Hemobrás tem permitido a ampliação da autonomia brasileira. Em agosto, a empresa publicou um documento com críticas à proposta.

“A pandemia revelou que a tecnologia nacional em áreas de alta vulnerabilidade, como vacinas e hemoderivados, só foi garantida quando houve participação importante do Estado, em parceria com o setor privado”, declarou Gadelha. “Atacar o projeto Hemobrás seria gerar insegurança sanitária.”

Em nota, o Ministério da Saúde argumenta que o caráter voluntário das doações é recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Além disso, a pasta afirma que o governo “é contrário à remuneração, compensação ou comercialização na coleta de sangue ou de plasma, uma vez que isso desestruturaria a política nacional de sangue”.

Convidados à bancada exibem cartazes com os seguintes dizeres: ” Sangue não é Mercadoria”. Foto: Pedro França/Agência Senado

Os defensores da política, no entanto, dizem que há carência de produção de hemoderivados no Brasil, e que a iniciativa privada poderia ajudar na resolução do problema.

A proposta de alterar a Constituição é do senador Nelsinho Trad (PSD-MS) e tem como relatora a senadora Daniela Ribeiro (PSD-PB). O placar de aprovação na CCJ foi de 15 senadores favoráveis e 11 contrários.

Em seu parecer, a relatora da PEC diz que “até hoje não se conseguiu produzir hemoderivados na quantidade de que os usuários do SUS necessitam”, e que profissionais da área têm reclamado da dificuldade de realizar aquisições tempestivas desses produtos em quantidade adequada para a demanda dos pacientes.

Ribeiro também sustenta haver um “grande desperdício de plasma” no Brasil. Ela menciona uma notificação do Tribunal de Contas da União em 2020, ao Ministério da Saúde, pelo desperdício de quase 600 mil litros de plasma sanguíneo, que não foram viabilizados para a produção de hemoderivados.

A questão é rebatida pelo secretário do governo. Segundo ele, todo plasma que chega à Hemobrás é aproveitado integralmente, com perda efetiva “zero”.

A PEC é respaldada pela Associação Brasileira de Bancos de Sangue, a ABBS, que representa a iniciativa privada. Segundo o presidente da entidade, Paulo Tadeu Rodrigues de Almeida, o Brasil realiza 3,2 milhões de coletas de sangue por ano, enquanto os Estados Unidos colhem 9 milhões de bolsas no mesmo período.

Para Almeida, a comparação mostra que o Brasil não tem um programa de doação de plasma que atinja a autossuficiência. Em audiência no Senado em abril, ele disse ser contrário à remuneração por doação de sangue, mas defendeu a participação privada na produção de hemoderivados no Brasil.

No Senado, parlamentares que votaram contra a PEC 10 apontaram possibilidade de “retrocesso”. O senador Marcelo Castro (MDB-PI) argumentou que a proposta em tramitação quer transformar o sangue em “mercadoria”.

Durante a sessão da CCJ, convidados ergueram cartazes com mensagens em oposição à PEC, como “sangue não é mercadoria” e “doação é um ato de saúde”.

*Erramos: Na publicação original, mencionamos a posição do senador Marcelo Castro (MDB-PI) como defensor da possibilidade de comercialização de sangue. A matéria foi corrigida para registrar a posição correta do parlamentar, que se manifestou de forma contrária à PEC 10 e apresentou voto em separado.

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