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Pato manco

Desgastado por escândalos, o governador Cláudio Castro caminha para um melancólico fim de mandato

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Providencial socorro. O magistrado anulou provas e trancou dois inquéritos contra o mandatário, mas a decisão ainda deve ser revertida por colegas da Corte – Imagem: Pedro França/Agência Senado e Andressa Anholete/STF
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No vocabulário político, “pato manco” designa aquele mandatário que, sem possibilidade de reeleição nem a perspectiva de retornar ao poder tão cedo, encerra seu mandato de forma melancólica, totalmente enfraquecido. Hoje, esse figurino cabe perfeitamente no governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, do PL. Sem a sombra do apoio recebido dos prefeitos fluminenses na eleição de 2022, fruto da irrigação dos recursos da venda da Cedae, o bolsonarista, que foi catapultado da condição de vereador do baixo clero ao governo estadual, após integrar como vice a chapa do governador cassado Wilson ­Witzel, enfrenta sérios problemas nas esferas política, administrativa e criminal. A ameaça de prisão no futuro é acompanhada por um abandono político que pode obrigar Castro a se contentar com uma candidatura a deputado federal em 2026.

“Este governo é um fenômeno melancólico e põe em causa qual vai ser o futuro político de um gestor que é realmente um desastre”, afirma o deputado estadual e ex-ministro Carlos Minc, do PSB, o mais antigo entre os parlamentares de oposição ao governador. A última semana teve dois episódios altamente desgastantes para Castro nos setores de segurança pública e de saúde. No primeiro, traficantes em guerra contra milicianos pelo controle das favelas da Muzema e de Rio das Pedras sequestraram 11 ônibus para montar barricadas em uma via expressa em zona nobre da capital. No segundo, seis pessoas foram contaminadas pelo vírus HIV após receberem órgãos transplantados infectados em hospitais estaduais. Outras dezenas de transplantes suspeitos estão sendo analisadas.

As falhas foram cometidas pelo laboratório PCS Saleme, que pertence ao tio de um dos maiores aliados de Castro, o deputado federal Doutor Luizinho, do PP, ex-secretário estadual de Saúde. O laboratório foi escolhido sem licitação pelo governo em “contratos emergenciais” que somam 911 milhões de reais. “Eu só soube no dia do fechamento do laboratório e imediatamente mandei que procurassem as outras pessoas para fazerem as contraprovas”, disse o governador, o que não serviu para aumentar sua popularidade. Segundo pesquisa Datafolha de julho, 46% dos eleitores fluminenses consideram sua gestão ruim ou péssima.

Na esfera criminal, o governador ganhou um refresco com a decisão do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, pela anulação de provas e trancamento de dois inquéritos por corrupção passiva e peculato iniciados, respectivamente, em 2020 e 2023 e atualmente em curso no Superior Tribunal de Justiça. As acusações remontam a 2017, quando Castro ainda era vereador e teria recebido propina em um esquema de corrupção envolvendo projetos de assistência social da Fundação Leão XIII, ligada ao governo estadual. O episódio ganhou repercussão após a divulgação de um vídeo, captado por câmeras de segurança, no qual Castro aparece saindo de um hotel do Rio com uma mochila – recheada com 100 mil reais, segundo o Ministério Público Estadual. Mendonça acolheu um habeas corpus preventivo e afirmou haver irregularidades formais na investigação, o que acarretou “nulidades insanáveis” ao inquérito. A decisão do ministro será, porém, submetida ao plenário do STF.

“A decisão significa que terei paz para trabalhar nos próximos dois anos”, declarou Castro. O socorro de Mendonça, contudo, não é visto como definitivo ou mesmo como o prenúncio de uma ofensiva do campo bolsonarista para salvar a pele do governador. “Na justiça ­estadual, Castro livrou-se por 4 a 3, um placar apertado. Eram provas fortes e o processo foi para Brasília. O ministro Mendonça desqualificou parte dessas denúncias, mas o MP já recorreu. É difícil uma articulação em sua defesa, porque o bolsonarismo não tem muita força no Supremo. Ao contrário, se tem uma coisa que une o STF é ser contra Bolsonaro”, diz Minc.

Na seara política, o governador está emparedado, de um lado, pelo pouco prestígio que parece desfrutar hoje em seu partido e, por outro, pelo crescente poder do presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar, do União Brasil. Hoje em claro processo de afastamento em relação a Castro, o deputado ­estadual, que foi chefe da Secretaria de Governo por um ano e é provável candidato a governador em 2026, fortaleceu-se com a eleição de 13 prefeitos aliados. Ato contínuo, a Alerj instalou a CPI da Transparência, que apura irregularidades na gestão estadual e já convocou sete secretários de governo para depor. Por sua vez, o PL apresentou ao governador a proposta de vir como candidato a deputado em 2026, já que a vaga ao Senado está reservada a Flávio Bolsonaro, em busca de reeleição.

A boia lançada por André Mendonça, do STF, resistirá à tempestade?

Prisioneiro da situação, Castro surpreendeu nos últimos dias com a admissão de que pode não ser candidato a nada: “Não vou me afastar para concorrer a outro cargo, vou governar até o último dia do meu mandato”. A medida evitaria que o vice, Thiago Pampolha, do MDB, rompido com Castro há cerca de um ano, assumisse o cargo e pudesse tentar a reeleição em 2026 como nome competitivo da direita. Mas tudo ainda pode mudar, já que aliados do governador alertam que, se ficar sem mandato, ele perderá o direito a foro privilegiado nas investigações criminais em curso.

Outro problema político de Castro atende pelo nome de Eduardo Paes, prefeito da capital reeleito com folga, que já desponta como favorito na disputa pelo governo estadual. Isso faz com que setores da direita defendam o abandono do governador mal avaliado: “Paes montou uma forte frente política na eleição para a prefeitura. Caso consiga mantê-la, seguirá forte em 2026. O grupo liderado por Bolsonaro tem condições de lançar um candidato competitivo, mas ainda estamos distantes do cenário político de 2026, o que coloca o ­atual presidente da Alerj como uma das opções, mas não a única”, avalia o cientista político Ricardo Ismael, da PUC Rio. Apesar do ostracismo, Ismael diz ser precipitado afirmar que Castro está fora do jogo sucessório estadual: “A máquina estadual sempre conta no processo eleitoral. Além disso, o PL conquistou 22 prefeituras”.

Diretor do Laboratório de Estudos sobre Estado e Ideologia da UFRJ, Luiz Eduardo Motta avalia que, com Castro fora do baralho, a política estadual ficará mais polarizada, uma vez que o governador, ao longo de sua gestão, tentou driblar discursivamente esse tipo de confronto: “Haverá uma frente ampla contra a extrema-direita, provavelmente em torno de Paes, mas ainda acontecerão muitas variáveis nos próximos dois anos”. Minc concorda e ressalta que a mais importante das variáveis é a disputa pela presidência da Alerj em fevereiro: “Se o grupo de Paes bater o candidato de Castro, o governador estará pior do que pato manco”. •

Publicado na edição n° 1334 de CartaCapital, em 30 de outubro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Pato manco’

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