Política

‘Passei de investigador para investigado’, afirma delegado da PF responsável por inquérito contra Milton Ribeiro

Em entrevista ao Globo, Bruno Calandrini reiterou ver ‘interferência’ na investigação; sindicância aberta pela corporação conclui que não houve irregularidades

O delegado da Polícia Federal Bruno Calandrini, responsável por inquérito contra o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro. Foto: Reprodução/TV Globo
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Pivô de uma crise interna deflagrada na Polícia Federal, o delegado Bruno Calandrini afirmou em entrevista ao GLOBO que passou da posição de investigador para a de “investigado”, após conduzir inquérito sobre corrupção no Ministério da Educação na gestão do ex-ministro Milton Ribeiro. Ele reiterou que considera ter havido “interferência” na investigação pelo fato de, no momento da prisão de Ribeiro, em junho, o ex-ministro não ter sido transferido de Santos, no litoral de São Paulo, para Brasília, como determinado na ordem judicial da 15ª Vara Federal do Distrito Federal. Uma sindicância aberta pela PF, contudo, concluiu que não houve irregularidades no episódio.

O procedimento interno aberto para apurar o episódio cita que a Diretoria de Combate ao Crime Organizado formalizou que não havia orçamento para executar a transferência do ex-ministro. Na mesma conclusão, a Corregedoria determinou a abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra Calandrini para apurar o vazamento de uma mensagem enviada por ele a colegas, em um grupo privado de WhatsApp, na qual ele citava ter ocorrido interferência na operação. Ao GLOBO, o delegado afirmou ver uma “corrida desenfreada” para levar adiante investigações internas contra ele dentro da PF. Procurada para comentar, a PF disse que não iria se manifestar.

Leia abaixo a entrevista:

O senhor avalia que a abertura de um PAD e a conclusão da sindicância são ações para te pressionar e desestabilizar a investigação?

O meu entendimento disso tudo é que os fatos investigados e já materializados em procedimentos específicos estão robustamente instruídos. Do meu ponto de vista, até de defesa, a sindicância não se aprofundou nos atos de obstaculização e interferência. Limitou-se apenas, apesar do meu comparecimento e da minha disposição em ajudar, limitou-se a apenas dizer que eu teria causado a difusão de informações em detrimento da imagem da Polícia Federal ou que eu teria me omitido a informar a Corregedoria eventuais ilícitos administrativos, quando na verdade não foi nada disso.

Eu apenas afirmei em grupo privado de colegas, onde nós repassamos informações sigilosas e restritas, a minha postura de manter o que eu havia falado no dia anterior. De que a não transferência do Milton de Santos (SP) pra Brasília eu entendia que seria um ato de interferência, foi apenas isso. A nossa instrução normativa regula essa situação de transferência, a legislação também e, por fim, o próprio mandado era enfático e determinante e foi até discutido entre os delegados do Cinq o que seria necessário constar nele para a proteção dos policiais que fariam a captura e o recolhimento.

Do ponto de vista da produção de provas, o senhor avalia que a ausência da transferência do Milton Ribeiro para Brasília prejudicou em algo a investigação?

O presidente do inquérito e o coordenador investigativo da operação sou eu. Sou eu que determino o que é interessante ou não do ponto de vista investigativo, isso é a autonomia do delegado de Polícia Federal. Somente o delegado presidente do inquérito requisita ações em prol da sua investigação. Foi o que eu fiz, eu requisitei à PF o traslado do Milton de Santos para Brasília e o fundamento da minha requisição era um mandado judicial. Então a natureza jurídica era uma decisão judicial. Qual foi a natureza jurídica do documento utilizado para não levar o Milton? Existia uma cassação do mandado? Existia uma cassação do mandado? Existia um outro documento judicial que impedia? Essa é a pergunta que não foi respondida.

O senhor considera então que houve descumprimento à ordem do juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal?

Não sou só eu que considero. O juiz considera, o MPF considera também. Todo o sistema de Justiça assim entende.

O senhor se sente pressionado pela Polícia Federal a deixar essa investigação?

Eu entendo desnecessária essa corrida desenfreada pelos atos correcionais ou de eventuais ilícitos administrativos que visam somente à minha pessoa, como ficou caracterizado na sindicância 08. A sindicância refutou o que eu trouxe à tona e inverteu a situação. Eu de investigador virei investigado.

Isso porque na conclusão eles determinaram a abertura de um PAD contra o senhor.

Sob o argumento de que eu omiti informações de interesse administrativo. E a outra foi que eu propiciei a divulgação de informações contrárias à Polícia Federal. Eu quero saber onde que eu fiz isso. Eu falei que eu manteria a minha postura de entender como interferência o que aconteceu em Santos. Foi uma situação do meu ponto de vista totalmente fora do padrão da PF. Isso aí é algo claro.

Atualmente há diligências em andamento no inquérito. Um dos delegados convocados para depoimento entrou com habeas corpus no STF pedindo a suspensão argumentando que a ministra Cármen Lúcia não havia decidido o foro da investigação. É possível dar andamento ao caso sem esse despacho da ministra?

Todos os atos investigativos podem ser realizados encartados nos autos ou enviados à autoridade judicial competente. Apesar de a ministra não ter se manifestado sobre os fatos, ela recebeu os autos da Justiça Federal e disse inclusive que os fatos ali são ‘gravíssimos’ e encaminhou-os à PGR. Agora os autos estão conclusos com a ministra Cármen Lúcia. Eu penso que em razão do aforamento no STF e até a manifestação da ministra, todas as atividades realizadas no bojo do inquérito devem ser encaminhadas a ela. É isso que eu estou fazendo.

Não há nenhum procedimento clandestino, inclusive o diretor-geral da Polícia Federal foi ouvido, respondeu às perguntas com urbanidade, boa-fé, e se manifestou no próprio procedimento que dizem ser clandestino. Então a própria Polícia Federal tem diuturnamente me enviado informações a respeito desse caso para eu decidir. Então há má-fé nessa alegação, porque a própria administração que me envia expedientes relativos ao caso está alegando essa suposta atuação clandestina.

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