Política

Partidos têm aumento de até 163% em candidaturas com nomes religiosos

Cerca de 700 candidatos voltam a concorrer neste ano com o diferencial do nome religioso, que chega a 12.759 em todo o Brasil

Religião na política
Nomes religiosos aumentam cerca de 20% a cada eleição municipal. Foto: iStockphotos Nomes religiosos aumentam cerca de 20% a cada eleição municipal. Foto: iStockphotos
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Irmão, pastor, irmã, missionária, bispa, padre… Não é novidade o uso de nomes religiosos por candidatos a cargos eletivos no Brasil, mas nas últimas duas eleições municipais o aumento foi exponencial e culmina em um 2020 inédito: 12.759 candidatos irão às urnas buscando uma aprovação prévia dos eleitores com base na sua identidade religiosa. As religiões cristãs se destacam, principalmente as evangélicas.

 

Religião e Poder fez um levantamento quantitativo com base nos nomes de urna declarados por candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral, que revela que esse uso aumentou 21% entre 2012 e 2016 e 24% entre 2016 e 2020. O dado se torna expressivo quando comparado ao crescimento total das candidaturas, que expandiram 3% entre 2012 e 2016 e 12% entre 2016 e 2020.

A análise também revelou que 712 candidatos das eleições de 2016 decidiram adotar o nome religioso nas urnas somente agora, em 2020. Por outro lado, 587 candidatos que usaram o nome religioso nas urnas em 2016 desistiram de mantê-lo no pleito deste ano.

Lívia Reis, antropóloga, pesquisadora da UFRJ e do Iser (Instituto de Estudos da Religião), avalia que o nome religioso é uma estratégia de campanha que visa à eleição, e que, como muitas estratégias, faz parte de um jogo de “tentativa e erro”. Ao mesmo tempo, não é desprezível o aumento do apelo dos candidatos à identidade religiosa, em sua maioria cristã, principalmente após as eleições de 2018.

“O perfil religioso da população brasileira mudou muito nos últimos 40 anos e é natural que isso se reflita nos processos eleitorais. Adotar o nome religioso na urna é uma estratégia eleitoral que vem crescendo a cada pleito, mas essa eleição é ainda mais significativa porque sucede 2018, quando Bolsonaro e candidatos ligados ao bolsonarismo foram muito eficientes ao mobilizar a identidade cristã a seu favor, mesmo quando não usavam nome religiosa na urna. É uma estratégia que em 2018 foi efetiva, então, ela está se replicando agora, por isso esse aumento significativo”, afirma.

Até 5% do total

Candidatos e candidatas que usam nome religioso na urna não estão distribuídos igualmente entre os partidos, concentrando-se mais em uns do que em outros. No Avante, por exemplo, eram 179 candidatos em 2016 e são 472 em 2020, um aumento de 163%. O PSL, partido pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu presidente em 2018, registrou um aumento de 125%: de 257 para 579. O Podemos também se destaca: dobrou o número de candidatos com nome religioso na urna, passando de 242 para 487.

Apesar do aumento expressivo em números absolutos, os nomes religiosos representam uma média de 5% das candidaturas totais desses partidos. Entretanto, a maioria vem aumentando esse percentual a cada pleito. Entre 2012 e 2020, apenas Podemos (antigo PTN), PSTU, PCB e PCO reduziram as candidaturas com nomes religiosos.

Para Lívia Reis, este é um indicativo de que os partidos abraçaram as estratégias dos candidatos, disponibilizando as estruturas partidárias para atender o apelo que surge por parte do eleitorado.

É como se adotar uma identidade evangélica indicasse para os eleitores uma proximidade com valores morais característicos de um determinado tipo de cristianismo, mais conservador em relação a temas como direitos sexuais e reprodutivos, por exemplo. Esse movimento ajudou o PSL a eleger 52 nomes para a Câmara dos Deputados em 2018.

Para Reis,“as pessoas perceberam que se associar a esse tipo de discurso moral funciona, e a forma mais fácil de comunicar isso é indicando na urna seu pertencimento religioso enquanto missionário, irmão ou pastor. Isso não significa que vai dar certo, inclusive a tendência é de que esses candidatos não se elejam. Não à toa, muitos candidatos que usaram nome religioso na urna no pleito anterior o retiraram para concorrer este ano”.

Individualidade

Ainda assim, não se pode dispensar a trajetória de cada um. Pastora Leda, candidata à vereadora em Teixeira de Freitas, na Bahia, contou à Religião e Poder que a mudança de nome (em 2016, ela foi Leda da Aposentadoria nas urnas) se deu por conta de uma experiência pessoal de fé, a partir da qual ela não poderia mais negar publicamente seu chamado a exercer a função de pastora. Por este motivo, também, ela é contra usar nome religioso e o púlpito de igrejas para angariar votos.

“Não uso o título de pastora para ganhar, mesmo que alguém possa pensar isso. Não peço votos em igreja, não falo da minha campanha em igrejas. Eu tenho que ganhar pela minha obra, pelas minhas propostas”, explica.

O mesmo aconteceu com Rosimeri, que antes era Rosi do Bar. Entre 2016 e 2020, ela se aproximou da religião e agora é a Irmã Rosimeri na urna. Neste ano, concorre ao cargo de vereadora em Jaguaré (ES).

Alta representação cristã

Entre os 12.759 candidatos com nomes religiosos nas eleições de 2020, há 240 ocorrências de “padre” e 4.698 ocorrências de “pastor” ou “pastora”. Apenas 312 candidatos usam nomes associados a religiões de matriz africana, como “mãe” e “pai”. Uma entre esses poucos candidatos é Mãe Lézia de Oyá, candidata a vereadora em Guaíba (RS).

Em entrevista a Religião e Poder, ela analisa a alta quantidade de cristãos usando suas religiões nas urnas, no comparativo com candomblecistas e umbandistas. Para ela, há um receio de pessoas “do axé” reivindicarem a religião nas urnas por medo de sofrer preconceito. Um segundo ponto, de acordo com sua percepção na própria cidade, é uma falta de união dos praticantes de religião de matriz africana em comparação aos evangélicos.

“Não temos expressão de axé dentro da Câmara. Lá dentro são mais os evangélicos. Eu vi nos últimos anos que precisamos ter gente nossa lá dentro”, diz, explicando a necessidade de sua candidatura.

Um fator de atenção é que o nome na urna não é sinal de eleição mais fácil. Marco Feliciano (PSC/SP) e Marcelo Crivella (Republicanos/RJ), por exemplo, exercem uma agenda moral estreita, legitimando-se a partir de seu pertencimento religioso, apesar de não usarem nome religioso nas urnas. Feliciano é pastor e um nome crucial entre os religiosos mais influentes do Congresso Nacional com identidade religiosa ativa, e Marcelo Crivella é bispo licenciado da Universal que tenta a reeleição à prefeitura do Rio de Janeiro.

Na próxima semana, Religião e Poder analisará quantos desses religiosos conseguiram alcançar a eleição.

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