Política

Partido de Bolsonaro terá “cartilha” para formar candidatas mulheres

Plataforma vai ensinar ‘oratória, coaching e marketing político’. Para os homens não haverá cursos

A deputada Carla Zambelli (PL-SP). Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
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O Aliança pelo Brasil, anunciado partido do presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados, ainda não terminou o processo de oficialização no cenário político, mas já reúne um grupo no WhatsApp que almeja protagonismo após a criação da sigla.

As poucas mulheres do novo partido querem fazer escola – literalmente – e ensinar às futuras partidárias o beabá da estratégia digital que possuem nas redes, cujas práticas foram recentemente associadas às redes de robôs e fake news que permeiam o universo do bolsonarismo. Os homens do Aliança, até o momento, não precisarão da “cartilha”.

Baseada em um curso feito por feministas, cuja ideologia e prática são enfaticamente rejeitadas pelas deputadas eleitas, a plataforma de formação política faz parte da corrida contra o tempo do Aliança pelo Brasil para conseguir participar das eleições municipais de 2020.

Carla Zambelli, Bia Kicis, Caroline de Toni, Chris Tonietto, Alê Silva, Aline Sleutjes e Major Fabiana são as deputadas que irão migrar do PSL ao Aliança assim que puderem. Algumas encaram, inclusive, processos de expulsão da antiga sigla após o imbróglio entre Bivar e Bolsonaro, que culminou na derrocada do clã e na criação do novo partido.

Junto a elas e à frente da vontade de criar um curso formador de candidatas mulheres, está Karina Kufa. Além de atuar na questão legal da criação do partido, ela também é advogada pessoal de Jair e Eduardo Bolsonaro.

Apesar de próxima do bolsonarismo desde a época da campanha, Kufa já atuou por anos com pautas relacionadas ao movimento feminista, como no grupo Rede Feminista de Juristas. A participação política de mulheres também é tema de um dos projetos que ajudou a fundar, o “Eleitas”, um curso de formação administrado pela advogada e por uma colega que aborda questões legais e partidárias para interessadas na vida pública.

Baseada nisso, Kufa afirma que o Aliança pelo Brasil quer oferecer estrutura para formar possíveis candidatas já a partir da oficialização do partido. “Teremos um treinamento que será feito mensalmente, preferencialmente nas capitais dos estados para não concentrar tudo em Brasília, e incluiremos uma plataforma de treinamento EAD (Ensino a Distância) para quem não pode participar nas capitais”, diz a advogada.

Apesar das intenções declaradas por Kufa, o texto-manifesto de formação do Aliança pelo Brasil sequer menciona a participação das mulheres como um de seus pilares estruturais.

Elas aparecem apenas quando o partido afirma ser contra o aborto e, também, quando afirma que lutará para manter o “valor da maternidade como um fundamento da sociedade”. O texto chega até a criticar a pauta da representatividade, associando o termo aos “donos do poder” antes da ascensão da voz do “Brasil real e profundo” que reagiu, segundo a narrativa, em 2013.

O mais interessante para o partido parece ser a aplicação das técnicas midiáticas utilizadas pelos nomes de destaque do bolsonarismo. A narrativa que o futuro partido deixa transparecer também terá seu espaço no curso idealizado para as mulheres, a partir da formação em “oratória, coaching e marketing político”, como descrito por Karina Kufa.

A formação de novas candidatas pretende seguir a atuação das deputadas-eleitas nas redes sociais, que abarca as atuações feitas com vídeos e imagens editados que exaltam Bolsonaro, recortes de notícias com o viés conservador em destaque, lives em comissões e o protagonismo em algumas brigas com partidárias da antiga casa.

As mentoras das “aliadas”

As duas deputadas mais famosas são, também, as mais polêmicas. Bia Kicis e Carla Zambelli somam mais de 700 mil seguidores, aos quais frequentemente direcionam notícias enquadradas em montagens carimbadas com os próprios nomes. O conteúdo original das reportagens geralmente não é publicado pelas deputadas – a não ser quando o portal é ligado ao governo.

Além do engajamento, ambas também atuaram na CPMI das Fake News – com destaque ao dia do depoimento da deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), que chamou Zambelli de “burra” após dizer que ajudou a elegê-la por conta do quociente eleitoral.

Os conteúdos sensacionalistas não são raros nos perfis das deputadas. Pautas famosas do campo conservador, como o Escola sem Partido e os ataques ao educador Paulo Freire, constam do escopo dos projetos de lei sugeridos e endossados pelas parlamentares.

O primeiro chegou a ser apresentado como um projeto de lei por Zambelli, e o segundo foi aprimorado por Caroline de Toni ao sugerir tirar Freire do posto de patrono da educação brasileira.

Em relação às mulheres, a agenda anti-aborto é a que se apresenta como maior catalisadora de apoio para as parlamentares. Um PL apresentado por Chris Tonietto visa tornar a prática um crime mesmo quando a mulher é vítima de estupro. “Pergunta que não quer calar: é justo que se faça com a criança o que nem sequer o agressor quis fazer com a mãe: matá-la?”, diz o texto da deputada.

Entre elas, há também uma major da Polícia Militar do Rio de Janeiro, a Major Fabiana. No Twitter, ela atua para incluir no Aliança pelo Brasil o setor militar aliado a Bolsonaro – e faz campanha para isso.

https://twitter.com/majorfabianadep/status/1210550817536823297

Lançando mulheres bolsonaristas

Para conseguir usar a rede de práticas midiáticas das deputadas no futuro, o Aliança pelo Brasil precisará, primeiramente, passar pela regularização do partido junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), processo que ainda não teve um fim.

Caso o partido consiga lançar candidatos, a presença feminina, por lei, deverá ser contemplada. “Deve haver 30% de candidatas mulheres, um valor percentual em relação ao número de candidatos lançados pelo partido”, explica Ligia Fabris, professora de Direito da FGV-Rio.

Fabris também lembra da uma lei comumente ignorada pelos partidos, que determina a destinação de 5% de todos os recursos do Fundo Partidário para investir na formação e difusão da participação política de mulheres.

Karina Kufa diz “não ver dificuldades” em conseguir a candidatura mínima de mulheres pelo Aliança, caso o partido consiga concorrer já em 2020, e diz não se preocupar com a questão das candidaturas laranjas, tópico chave da saída de Bolsonaro do PSL.

“Nós temos grupos grandes de mulheres interessadas nesses cursos, na formação, na comunicação. Teremos um canal de denúncias, também. Nós ouvimos muitos relatos de pessoas que acabavam entrando em situações indesejáveis por falta de conhecimento, de preparo. Infelizmente, para a mulher ter voz, ela precisa estar no mínimo duas vezes mais preparada”, analisa a advogada do partido.

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