Política

Parlamentares defendem proibição de pesquisas às vésperas de eleições

Após estimativas passarem longe dos resultados das urnas, projetos de lei sugerem veto por 15 dias, um mês e até a campanha inteira

Ibope apontou tendência de vitória para Manuela D'Ávila (PCdoB) em Porto Alegre, na véspera de sua derrota. Foto: Reprodução/Globoplay
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Após o 2º turno das eleições municipais, no domingo 29, parlamentares apresentaram projetos de lei que proíbem a divulgação de pesquisas eleitorais nos dias anteriores à data da votação, em períodos de 15 dias, um mês e até a campanha inteira. Para deputados e senadores, os levantamentos influenciam a escolha dos eleitores de forma indevida.

 

A iniciativa ocorre depois que as pesquisas passaram longe dos resultados oficiais em algumas capitais. No caso de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, o Ibope chegou a pedir desculpas por apresentar tendência de vitória para a candidata Manuela D’Ávila (PCdoB), que acabou derrotada por Sebastião Melo (MDB).

Em projeto apresentado na manhã desta quinta-feira 3, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) propõe a divulgação de pesquisas eleitorais até 30 dias antes da votação.

O parlamentar criticou o caso de Fortaleza, em que o Ibope estimou 61% contra 39% na véspera entre José Sarto Nogueira (PDT) e Capitão Wagner (PROS), e o percentual final foi de 51,7% contra 48,3%. Girão acusa os institutos de pesquisa de produzir “fake news” e qualificou a prática como criminosa.

“A gente sabe que tem muita gente ainda que quer aquele voto útil. Quando a pesquisa mostra que há polarização, mesmo tendo escolhido alguém da 3ª via, o voto de consciência, do coração, ele [o eleitor] vai para aquele que vai definir a eleição. A gente precisa acabar com esse tipo de manipulação”, afirmou o senador.

“Virou piada o que esses institutos estão fazendo. Algo até criminoso. Precisamos apurar a quem servem esses institutos.”

Na Câmara, dois deputados também apresentaram nesta semana projetos com a mesma proibição, mas em um período menor, de 15 dias.

No Projeto de Lei (PL) 5301/2020, protocolado já na segunda-feira 30, Ubiratan Sanderson (PSL-RS) sugere que a divulgação de pesquisas no período proibido seja crime, com pena de dois a cinco anos de prisão e multa em valor entre 53 mil e 100 mil reais. Também pede responsabilização de institutos de pesquisa pela divulgação e realização de pesquisas fraudulentas, com a mesma punição. As novas normas seriam acrescidas ao Artigo 33 da Lei nº 9504/1997, que trata das regras eleitorais.

Sanderson classificou como “erros grosseiros” casos das eleições de 2018, em que os institutos previram derrota para Wilson Witzel (PSC) na disputa para governador do Rio de Janeiro, e o candidato acabou como vencedor.

“O eleitor, como se sabe, além de questões ideológico-partidárias, também pode basear seu voto em informações probabilísticas e incertas que são fornecidas por pesquisas eleitorais prévias”, escreve o deputado. Em seguida, cita investigações do Ministério Público de Goiás (MP-GO) sobre levantamentos fraudulentos em 80% das cidades do estado. “Não bastasse isso, não são raros no Brasil os casos de manipulação dolosa de dados.”

Na quarta-feira 2, o deputado André Janones (Avante-MG) argumentou, no PL 5333/2020, que a decisão do eleitor sofre impacto da pesquisa “seja em direção ao voto útil, quando o eleitor é influenciado pelas enquetes a votar em quem supostamente tem mais chance; seja no chamado ‘voto de veto’, quando o eleitor quer fazer com que um candidato específico perca”.

Um terceiro projeto de lei na Câmara, apresentado pelo deputado Roberto Pessoa (PSDB-CE) na quarta-feira 2, sugere a maior restrição de todas: a divulgação das pesquisas estaria permitida somente até a data final das convenções partidárias. Em 2020, as convenções ocorreram entre 31 de agosto e 16 de setembro. Na prática, não haveria levantamentos durante toda a campanha.

“As pesquisas divulgadas têm sido, de um modo geral, retrato da vontade de grupos e candidatos, e não mais de opinião isenta e cientifica dos eleitores. Daí a necessidade de evitar a sua divulgação entre a data final da realização das convenções partidárias até as 18 horas do dia da eleição”, diz a justificativa do PL 5319/2020.

Antes do 2º turno, o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) também propôs proibição das pesquisas nos 15 dias que precedem a votação.

Em relação às estimativas distantes dos resultados oficiais nas últimas eleições, o Ibope e o Datafolha alegaram que reproduziram com fidelidade as opiniões dos entrevistados, mas que não foi possível mensurar os impactos da pandemia e das abstenções nos índices finais.

Resultado das urnas foi diferente de estimativas de algumas pesquisas eleitorais neste ano. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirma que exige uma série de requisitos nos procedimentos dos levantamentos para que eles estejam dentro da lei. Por meio do Sistema de Registro de Pesquisas Eleitorais, é obrigatório informar o contratante da pesquisa, com CPF ou CNPJ; o valor e a origem dos recursos gastos; a metodologia e o período de sua realização; o questionário aplicado ou a ser aplicado; o nome do estatístico responsável; e a indicação do estado em que o estudo será realizado.

Empresas que divulgam pesquisas fraudulentas ou sem o registro prévio já são sujeitas a multa entre 53,2 mil e 106,4 mil reais, com possibilidade de prisão de seis meses a um ano ao responsável. O TSE também proíbe a divulgação de enquetes, que caracterizam as coletas de dados sem plano amostral, que dependem da participação espontânea do interessado e que não utilizam método científico.

Para Jairo Pimentel, cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em pesquisas eleitorais, o período sugerido pelos parlamentares é muito grande. Ele destaca que a legislação da Itália proíbe a divulgação dos levantamentos em até duas semanas antes da votação, e a França impõe o período de 48 horas.

O professor avalia que o bloqueio dessas pesquisas aumentará o espaço para que rumores criados de forma irresponsável na internet sejam as únicas fontes de informação a influenciar os eleitores.

“As pesquisas são divulgadas com critérios claros e regulação do TSE. Proibi-las é bem pior do que manter a situação como está. O que eu defendo é que quanto mais pesquisas, melhor, inclusive que sejam disponibilizadas na íntegra, com seus bancos de dados, para que possamos controlar a lisura. Não é impedi-las, mas sim o contrário, torná-las cada vez mais transparentes”, examina o especialista.

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