Política

Para uma democracia mais ou menos, eleição geral e reforma política

Aprimorar o processo democrático brasileiro passa por superar a crise devolvendo o poder ao povo

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Não podemos nos contentar com uma solução menos pior. O impeachment foi anti-democrático, mas eleições disputadas com imensos recursos financeiros vindos de caixa dois também não são democráticas.

Na estrutura social, desigualdade de riqueza implica diferenças de poder econômico, social, político; nas campanhas eleitorais, financiamentos desiguais também constroem poder desigual entre os candidatos, principalmente quando as fontes de recursos não são declaradas, e não declaradas elas são pois servem para pagamentos que não emitem nota fiscal, como corrupção e compra de votos. Essa é nossa democracia mais ou menos.

É uma excrescência democrática Michel Temer estar como presidente interino. Além de ter articulado o impeachment da presidente, crendo-se o porta voz da vontade popular, sem consultar a população para saber o que ela queria, sua campanha com Dilma Rousseff, como indicam alguns depoimentos, foi inflada por caixa dois.

Esse é um problema ao qual a esquerda faz vista grossa, mas que precisa ser discutido. Lutamos contra a iniquidade de oportunidades construída pela desigualdade na concentração da riqueza social, mas nos esquecemos das diferentes oportunidades eleitorais que financiamentos desiguais trazem?

O candidato derrotado Aécio Neves também contou, segundo indícios, com vastos recursos de caixa dois. Por sinal, reiteradas delações contam que é essa a prática há tempos nas campanhas do PSDB, em especial em Minas Gerais e em São Paulo. Seria inocência pensarmos que os grandes partidos não partilhassem os desvios. Aquele que fizesse isso, construiria seu suicídio partidário.

Fica claro que nossa democracia se refere só ao poder de escolha, mas não ao poder de influenciar esta escolha, que é mal distribuído nas fontes legais, piorado pelos recursos de fontes corruptas e, portanto, muito pouco democrático.

Se lutamos por democracia, que venham novas eleições, para que as escolhas sejam feitas em condições justas. Tais eleições precisam ser gerais, envolvendo todos os representantes, parlamentares e do Executivo. Sobretudo, é preciso também formar-se uma assembleia parlamentar exclusiva para realizar a reforma política. Ambas precisam ser financiadas com recursos públicos, igualmente distribuídos.

Como não vivemos em um parlamentarismo, não existe a figura de um governo técnico para momentos de crise institucional. Ao mesmo tempo, como dito acima, o governo Temer não tem qualquer pincelada democrática. Assim, eleições gerais, e para constituintes da reforma política, precisariam ser realizadas em paralelo. De todo modo, ambas devolveriam ao povo o poder.

Três questões finais são relevantes e merecem discussão:

(1) “Novas eleições seriam uma ruptura institucional”. Aqui a retórica é importante, pois aqueles que usam o termo ruptura buscam denunciar novas eleições como algo grave, portanto, ruim. Porém, qual o pior: a ruptura que hoje existe, com parlamento e Executivo esfacelados, ou a tentativa democrática de conserto do problema?

O que as eleições farão é romper com a ruptura hoje vigente, sendo essa a única forma de consertá-la, já que nossos representantes são técnica e moralmente incapazes de dar resolução à situação.

(2) “Não há novos líderes, em que votaríamos?” Pois bem, dizer que não há novos líderes é assumir que os que hoje lá estão sejam líderes. Se esperarmos novos líderes com estes antigos no poder, podemos desistir do Brasil.

Possibilitemos que candidatos concorram com novas ideias e que o povo escolha seus líderes, gostemos individualmente do resultado ou não. Democracia não é o que eu gosto, é o resultado da maioria.

(3) “O financiamento público da campanha é custoso aos cofres públicos.” Além de ser este um argumento incorreto, mesmo em tempos de constrição fiscal, a mais importante resposta a ser dada a este ponto é outra pergunta: é serio que a democracia tem preço agora?

*Fábio Terra é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia. Pós-Doutor pela Universidade de Cambridge, Reino Unido

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