Política
Palanque vazio
Preterido para a vaga do STF, o senador Rodrigo Pacheco resiste em concorrer ao governo estadual
Uma máxima tem sido repetida a cada eleição presidencial: “Quem ganha em Minas Gerais, ganha no Brasil”. O estado é um termômetro da disputa nacional. “Minas é uma síntese do País, nas suas virtudes e nos seus problemas”, define Malco Camargos, cientista político, professor da PUC e diretor do Instituto Ver Pesquisa e Estratégia. Com 16,4 milhões de eleitores registrados em 2024, segundo maior colégio eleitoral, atrás apenas de São Paulo, o estado é um amálgama de culturas. O Norte assemelha-se ao Nordeste, o Sul reflete o Sudeste, o Triângulo Mineiro aproxima-se do eixo Sul-Sudeste e o Noroeste guarda paralelos com o Centro-Oeste. Esse mosaico social explica o fato de a unidade da federação ser decisiva para qualquer projeto de poder e de todos os presidenciáveis, sem exceção, concentrarem esforços na conquista do eleitorado mineiro.
De olho nesse tabuleiro, o presidente Lula intensificou a presença em Minas Gerais. Só neste ano, visitou o estado sete vezes para lançar programas federais como o “Gás do Povo” e obras de infraestrutura. Em 11 e 12 de dezembro, retorna para a Caravana Federativa, iniciativa do governo federal que busca aproximar a União de estados e municípios por meio do diálogo direto entre gestores públicos e representantes de órgãos federais. “Vamos receber prefeitos, vereadores, lideranças e movimentos sociais para acolher demandas e qualificar projetos”, afirma o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
O empenho responde a dois objetivos, recuperar terreno perdido para a extrema-direita e estruturar um palanque competitivo no estado. A principal tarefa da federação formada por PT, PV e PCdoB é definir a chapa. As articulações buscam incluir PSOL, PSB, PDT e MDB. “É hora de construirmos uma grande frente progressista para governar Minas e eleger Lula”, defende Nilmário Miranda, ministro de Direitos Humanos e Cidadania no primeiro governo Lula.
Apesar da movimentação no plano nacional, o cenário político em Minas está longe de ser simples. “Está extremamente confuso”, avalia Camargos. Segundo ele, embora bem avaliado, o governador Romeu Zema não conseguiu transformar o vice, Mateus Simões, em nome competitivo. Na oposição, falta um candidato para a disputa. Lula ainda aposta em Rodrigo Pacheco, embora o ex-presidente do Senado tenha dado indicações de que pretende deixar a vida pública após ter sido preterido na indicação para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal com a saída de Luís Roberto Barroso. Os petistas mineiros não se dão por convencidos e pretendem usar todos os meios para convencer Pacheco a disputar a eleição. De qualquer maneira, o presidente nacional da sigla, Edinho Silva, esteve em Belo Horizonte para se reunir com Alexandre Kalil, hoje no PDT, considerado o plano B.
A recusa deixa o presidente Lula desguarnecido na campanha mineira
Em 2022, Zema venceu Kalil com 56,18% dos votos contra 35,08%. A estratégia agora é apoiar um candidato ao governo de perfil centrista, além de lançar para o Senado a prefeita de Contagem, Marília Campos. Boa de voto, a petista cumpre seu quarto mandato à frente do município. “Temos esperança de que Pacheco assuma a campanha. Caso desista, Kalil é um bom nome”, avalia Miranda. “Vou conversar com o presidente Lula antes de qualquer decisão. Tenho duas exigências: não quero disputar cargo executivo e ser a única candidata de Lula ao Senado por Minas”, afirma a prefeita.
No desenho da chapa pensada pelo Palácio do Planalto, o ministro Silveira aparece como “curinga”. Ele não tentará a reeleição ao Senado e eventualmente pode disputar o governo ou ocupar a vice na chapa, mantendo-se no cargo de ministro e na coordenação da campanha presidencial no estado. Nos últimos quatro anos, Silveira consolidou-se como a principal voz do governo Lula em confrontos políticos com Zema, cumprindo papel estratégico na articulação política local.
O bolsonarismo e o Centrão, por sua vez, estão fragmentados. A importância do estado na disputa eleitoral levou Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, a fazer uma mexida estratégica na sucessão mineira, levando para seu partido o vice-governador Matheus Simões, antes no Novo, assim como outras dezenas de prefeitos, consolidando a legenda com 142 chefes de Executivo em território mineiro. A manobra de Kassab obriga Silveira e Pacheco a trocar de partido e abre a porta para qualquer candidatura no campo extremista que pretenda ser levada a sério. Secretário de Tarcísio de Freitas, Kassab articula ainda a aliança com outros partidos em uma frente que poderia incluir o Republicanos, do senador Cleitinho Azevedo, líder nas pesquisas, mas indeciso sobre a candidatura. O PL também entraria no arranjo. A legenda almeja a vaga de vice, a manutenção de Nikolas Ferreira como principal puxador e uma candidatura ao Senado.
A condenação e a prisão de Jair Bolsonaro projetam efeitos imediatos sobre 2026 e aceleram a reorganização do bolsonarismo, reduzindo a dependência do clã. Zema tenta ocupar esse espaço nacional ainda indefinido. Sua eventual candidatura ao Palácio do Planalto ou ao Senado adiciona mais incertezas. No fim das contas, a disputa por Minas expõe a fragilidade estrutural da política nacional: nenhum projeto avança sem decifrar o enigma mineiro. O cenário aponta para a sobrevivência da extrema-direita bolsonarista e, ao mesmo tempo, para a tentativa de surgimento de uma direita mais moderada. Não se sabe se e quando essa ruptura, de fato, ocorrerá. •
Publicado na edição n° 1390 de CartaCapital, em 03 de dezembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Palanque vazio’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.



