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Os riscos do PL que altera a lei de criação de rádio e canais de TV no Brasil

Um projeto aprovado a toque de caixa permite que qualquer empresa possa pleitear estações de rádio ou TV aberta

Líder do governo no Congresso Nacional, senador Eduardo Gomes (PL-TO), e Jair Bolsonaro. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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Sem qualquer alarde, a Comissão de Comunicação e Direito Digital do Congresso aprovou um Projeto de Lei que mexe bastante com a já preocupante estrutura de comunicação no Brasil. O PL aprovado (7/2023) altera o Decreto-Lei 236, de 1967 e passa a permitir que emissoras de radiodifusão sejam organizadas como sociedade unipessoal (ou seja, de apenas um sócio) e que sociedades de qualquer natureza jurídica, inclusive a unipessoal, possam atuar no mercado de radiodifusão.

Além de alterar a permissão para quem pode atuar na radiodifusão no país, o PL também amplia o número máximo de estações de rádio e televisão que cada entidade pode ter. Atualmente, de acordo com a legislação ainda vigente, cada grupo pode ter seis estações de rádio de frequência modulada (FM) com alcance local e três rádios de alcance regional em ondas médias. Em relação às TVs, o número atual que pode ser outorgado a cada entidade ou grupo é de 10 estações. Com as mudanças previstas pelo PL 7/2023, cada entidade poderá ter até 20 estações de rádio – que podem ser FMs, ondas médias, ondas curtas ou ondas tropicais – e até 20 estações de TV.

Trocando em miúdos: o projeto aprovado a toque de caixa possibilita que seja dobrado o número de outorgas permitidas por Lei e permite que qualquer tipo de negócio, qualquer empresa, de qualquer natureza, constituída apenas por um sócio, possa pleitear estações de rádio ou TV. A medida pode até parecer positiva e inclusiva, mas não é bem assim que funciona no Brasil

Segundo a legislação atual, que é de 1967, sociedades unipessoais não podiam atuar em serviços de radiodifusão. O projeto de Lei que propõe as mudanças foi apresentado pelo deputado Marcos Pereira (Republicanos–SP), recebeu parecer favorável do relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO), e requerimento para celeridade na tramitação pelo senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), tendo sido aprovado por unanimidade na Comissão, segundo informações da Agência Senado. Essas informações revelam o grupo político interessado na pauta da comunicação e na expansão das outorgas.

Trocando em miúdos para ajudar a dimensionar o tamanho dessa mudança: o projeto aprovado a toque de caixa possibilita que seja dobrado o número de outorgas permitidas por Lei e permite que qualquer tipo de negócio, qualquer empresa, de qualquer natureza, constituída apenas por um sócio, possa pleitear estações de rádio ou TV. A medida pode até parecer positiva e inclusiva, mas não é bem assim que funciona no Brasil. Portanto, precisamos entender o porquê dessa ação tão articulada – e danosa – em relação à comunicação ao findar o ano de 2023, e há alguns elementos muito relevantes.

Em primeiro lugar, precisamos falar, sempre, na concentração que marca o sistema comunicacional brasileiro. Poucos grupos empresariais concentram a esmagadora maioria dos veículos de comunicação, contrariando a regra da Constituição de 1988 para evitar a propriedade cruzada dos meios (a propriedade cruzada dos meios de comunicação refere-se à propriedade de diferentes tipos de meios – como televisão, impresso, rádio e online – por um mesmo grupo empresarial); apenas quatro redes concentram mais de 70% da audiência no país, e o sinal de apenas uma emissora chega à quase totalidade dos municípios brasileiros – todos esses dados são da pesquisa Media Ownership Monitor. Mesmo que haja queda na audiência em decorrência de certa migração para o ambiente digital, TV e rádio ainda são muito importantes para o conjunto do país. Esse breve panorama mostra que não há pluralidade em termos de informação no Brasil e que o direito humano à comunicação não é respeitado. A mudança do PL, com ampliação de outorgas para qualquer grupo, não vai melhorar esse cenário, pelo contrário.

Outro aspecto é que a extrema-direta e suas derivações têm uma clara compreensão do papel e da importância da comunicação em todos os ambientes, não apenas o digital, e se organiza muito bem nesse sentido. Apenas para recordar: em 2020, auge da pandemia, um grupo de empresários se articulou para comprar uma estação de rádio e garantir um veículo que apoiasse as pautas do então governo – o assunto chegou a ser tratado com o então secretário de Comunicação do Governo Bolsonaro. Além disso, alguns dos ministros sempre tiveram grande inserção em programas de rádio, onde disseminavam à vontade ideias como a de um “demônio” vermelho que ocupava o Planalto no passado.

Um terceiro elemento nesse contexto é que houve uma grande expansão do uso da mídia tradicional, dos meios de comunicação, por grupos religiosos ultraconservadores, que usam esses canais para difundir sua pauta moral, que se alinham às pautas do bolsonarismo. E o fazem com maestria.

Por fim, a consolidação da desinformação e a expansão do uso da comunicação tradicional por grupos específicos são duas bases de um mesmo projeto político de extrema direita, que tem nessa articulação um poderoso instrumento para consolidar suas pautas e difundir a realidade paralela – como bem vimos nos últimos anos. E nesse sentido, a articulação e a interface entre os vários sistemas – midiático, religioso, político – confere à produção desse ecossistema de desinformação uma capilaridade gigantesca e muito eficiente no agendamento de temas, na projeção de atores políticos, na ressignificação de conceitos, na reconfiguração do debate público. Portanto, a aprovação de um projeto como o PL 7/2023, que amplia enormemente as possibilidades de outorga de TVs e rádios no país, que passou despercebida por todos, é especialmente danosa e se configura numa forte ameaça à democracia, sobretudo quando se aproxima um novo período eleitoral.

A Comunicação não é uma peça de vitrine para ser usada somente em ano eleitoral. E a extrema direita sabe muito bem disso.

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