Política

Os generais Mourão e o perigo do autoritarismo redentor

Ao sugerir que o Exército talvez terá de impor uma solução para o problema político, militar recupera discurso purificador de 1964

Olímpio Mourão Filho protagonizou dois golpes. Seu homônimo sugere caminho semelhante
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O Estado Novo e a ditadura civil-militar de 1964 dependeram da atuação central de um certo general Mourão. Em 1937, Olimpío Mourão Filho foi responsável por redigir o plano Cohen, um documento falsamente atribuído aos comunistas e utilizado como pretexto para a consolidação da ditadura de Getúlio Vargas.

Quase 30 anos depois, o mesmo general ordenou que as tropas da 4ª Divisão de Infantaria, sediadas em Juiz de Fora, marchassem rumo ao Rio de Janeiro para concretizar um golpe de Estado a partir do qual se consolidou uma ditadura de mais de 20 anos.

Em 2017, um novo general Mourão alinha-se a seu antecessor homônimo na busca por uma saída autoritária. Em uma palestra promovida pela maçonaria em Brasília, Antônio Hamilton Mourão, secretário de economia e finanças do Exército, defendeu de forma aberta uma possível intervenção das Forças Armadas caso as instituições “não resolvam o problema político”.

Segundo o general, ou o Judiciário retira da vida pública “esses elementos envolvidos em todos os ilícitos” ou o Exército terá de “impor isso”. Ele afirmou que não existe uma fórmula de bolo para uma revolução ou uma intervenção, mas há “planejamentos muito bem feitos”.

Exonerado em 2015 do Comando Militar do Sul pelo comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, o general Mourão ocupa uma função burocrática atualmente. Na ocasião, ele foi afastado após criticar o governo de Dilma Rousseff.

Há dois anos, Mourão chegou a afirmar em uma apresentação que a mera substituição da petista, embora necessária em sua visão, não traria uma mudança significativa no “status quo”, que dependeria do “despertar para a luta patriótica.”

É difícil medir se o discurso de Mourão ainda é minoritário nas Forças Armadas. Em 2016, o general Villas Bôas disse haver chance zero para a volta dos militares ao poder e chamou de “tresloucados” os que pensam diferente.

O desembaraço com que Mourão tem defendido uma atuação do Exército na política mostra, porém, como há cada vez menos constrangimentos das viúvas da ditadura em defender seus planos autoritários para o País, ao utilizar a própria defesa dos tempos de repressão como argumento para uma intervenção na atualidade.    

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Na palestra, Mourão afirma que há um incômodo de “sua geração” com os “sucessivos ataques” ao Exército, feitos, segundo ele, de “forma covarde” e “não coerente com os fatos que ocorreram no período de 1964 a 1985”. O general cita companheiros que reclamam de terem buscado “fazer o melhor” naqueles anos e continuam a levar “pedradas de todas as formas”.

Mesmo que seja “tresloucada”, para utilizar uma definição de Villas Bôas, a opinião de Mourão viceja a partir de dois contextos preocupantes. Em primeiro lugar, a tentativa de desenterrar os crimes da ditadura durante o governo de Dilma pela Comissão da Verdade, inclusive com o objetivo de punir militares que praticaram torturas e assassinatos, gerou rancores em setores mais autoritários do Exército. A declaração de Mourão sobre os ataques “covardes” que a instituição sofreu por sua atuação entre 1964 e 1985 não poderia ser mais clara: há militares que jamais aceitaram a revisão de seus erros.

Além disso, alguns deles buscam reconstruir a defesa dos tempos de ditadura a partir do apoio popular crescente à intervenção. Assim como certos militares, muitos civis saudosos dos tempos de repressão têm desfilado em atos políticos a defender a mesma tese.

Há ainda cada vez mais representantes na Câmara dispostos a celebrar o passado autoritário, a exemplo de Jair Bolsonaro. Na sessão que afastou Dilma da Presidência, o deputado fez uma defesa entusiasmada do período ao celebrar o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI, órgão responsável por inúmeros assassinatos e sessões de tortura de militantes de esquerda. Na ocasião, Bolsonaro referiu-se a Ustra como o “terror” de Dilma. A ex-presidenta integrou a luta armada nos anos 1960 e 1970 e foi torturada pelos militares.

Gera ainda mais preocupação a declaração de Mourão estar relacionada a uma necessidade de a Justiça afastar “os elementos envolvidos em todos os ilíticos”. Embora haja graves acusações contra diversos integrantes da classe política, a lógica de ser possível eliminá-los sumariamente parece sugerir à Justiça atuar de forma açodada nas punições, sem respeitar o devido processo legal e o direito de defesa.

Se a atuação recente do Judiciário merece críticas por sua sede na busca por condenações, estimular essa celeridade só pode originar-se de um pensamento puramente autoritário, que não reconhece direitos aos adversários.

Campanhas de purificação contra a corrupção costumam preceder intervenções militares no Brasil. O movimento tenentista que antecedeu a revolução de 1930 denunciava a corrupção do sistema eleitoral comandado pelos oligarcas da Primeira República. A ditadura civil-militar de 1964 nutriu-se de acusações de corrupção contra João Goulart e seu antecessor Juscelino Kubitschek e chamou-se de “redentora”.

É importante estar atento à reaproximação crescente entre o autoritarismo e o discurso contra a corrupção. Se a Comissão da Verdade não foi suficiente para o conjunto das Forças Armadas revisarem seu passado, há sempre risco de as intenções do atual general Mourão e seu antecessor homônimo prevalecerem no futuro. 

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