Política

Os desafios dos novos prefeitos

As cidades precisam de zeladores capazes de lidar com enchentes e outras questões urbanas. Não de futuros candidatos a “cargos mais altos”

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Se pudessem, seis em cada dez moradores de São Paulo deixariam a metrópole para viver em outra cidade. Os números, apurados pelo Ibope em pesquisa encomendada em 2010 pelo Movimento Nossa São Paulo, é só um dos muitos indicativos do que o prefeito Fernando Haddad (PT) terá pela frente a partir de 1º de janeiro de 2013. Trânsito carregado, violência banalizada, falta de espaços públicos adequados de convivência, sujeira acumulada, custo de vida elevado, centro expandido e decadente, poluição, postes sem iluminação, escassez de moradias, falta vagas em creches, escolas e hospitais de qualidade, riscos de inundação, alagamento e quedas de barreira durante boa parte do ano.

Não são poucos os motivos que fazem os paulistanos vislumbrarem em cidades distantes a projeção de vida ideal, longe da balburdia de quem vive menos e sobrevive mais a cada dia numa rotina que coloca em teste a própria capacidade de não enlouquecer. Convencer essas pessoas de que a metrópole pode, sim, ser o lugar ideal para se criar os filhos seria tarefa complexa para qualquer administrador disposto a arregaçar as mangas e consertar o que tiver ao seu alcance. É tarefa ingrata, mas possível. O problema é quando o prefeito faz parte dos 57% dos moradores da metrópole que, se pudessem, fugiriam para longe.

É mais ou menos isso o que acontece quando 11 milhões de habitantes são tratados como trampolins para voos supostamente mais altos.

Quando escolhe um prefeito, o eleitor busca um administrador com uma postura nem mais nem menos comprometida que a de um zelador de condomínio capaz de sair de pijama em plena madrugada para acionar Deus e o mundo e resolver problemas de infiltração, encanamento, falta de energia, briga entre vizinhos. Esses 11 milhões de habitantes, portanto, não têm o menor interesse em saber se, em 2018, o prefeito que mal terá assumido seria o “candidato ideal” para a Presidência da República, ao governo do estado, ao Vaticano ou à direção-geral da ONU.

Por isso ele costuma ser implacável quando o “zelador” deixa o prédio no início de mandato para concorrer ao governo do estado. Ou quando ele passa a maior parte do tempo falando sobre a criação de um novo partido – catando apoiadores de praça em praça nas horas supostamente livres – do que dos piscinões, corredores de ônibus ou novos hospitais que jamais saíram do papel.

Pelo País, os exemplos de quem parece ter se enfadado com o cargo, ou se descuidado demais pensando em voos mais ambiciosos, se espalham. Não à toa, o sentimento de mudança predominou no resultado das urnas em 2012, como ocorreu, além de São Paulo, em Manaus, Salvador, Curitiba, Natal, entre tantas outras.

Ainda assim, a um dia do início dos novos mandatos, o que não faltam são perguntas sobre as próximas eleições. Haddad construirá, em dois anos, um palanque sólido na maior cidade do País para o PT se manter na Presidência e emplacar, finalmente, um governador em São Paulo? Márcio Lacerda, de Belo Horizonte, será o catalisador da união entre o seu PSB e o PSDB do aliado e ex-chefe Aécio Neves? No Paraná, o neoaliado Gustavo Fruet (PDT) vai pavimentar na capital o caminho da ministra Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, ao governo estadual? Arthur Virgílio (PSDB), em Manaus, e ACM Neto (DEM), em Salvador, ganharão musculatura nos cargos locais para voltarem a se projetar nacionalmente como símbolos da oposição? A vitória de Geraldo Julio (PSB), prefeito eleito de Recife, credenciou o seu padrinho político, o governador pernambucano Eduardo Campos, a se candidatar à Presidência?

Nessas horas, a “nacionalização da pauta” não é só indesejada. É um erro. Basta lembrar do exemplo de quem usou, ou foi usado, como trampolim após assumir o mandato. Na capital potiguar, por exemplo, a gestão de Micarla de Sousa, única prefeita eleita pelo PV em 2008, foi apontada à época como a grande vitrine de seu partido para eleições futuras. Ela foi injetada do cargo antes do fim do mandato, sob a suspeita de usar dinheiro público para pagar despesas pessoais e com mais de 90% de reprovação.

Em Curitiba, o prefeito que deveria montar guarda para o governador aliado desdenhou as demandas por uma nova cidade – com espaço ampliado para ciclistas, por exemplo – e não chegou sequer ao segundo turno. (Detalhe: Fruet, o novo prefeito, promete ir à posse de bicicleta. Não poderia ser mais simbólico).

Em Salvador, os eleitores da terceira maior cidade do País querem ver o diabo na frente mas não querem ver João Henrique Carneiro, que deixa o cargo sob a pecha de prefeito omisso, apático e mal comprometido. Bucha do canhão peemedebista na disputa com o PT pelo poder local, em 2008, ele se isolou e acabou suspenso do próprio partido – que lançou Mário Kertész na disputa pela prefeitura e não conseguiu nem 10% dos votos.

Em São Paulo, Gilberto Kassab passou boa parte do mandato costurando apoio para o seu PSD, uma solução nem à esquerda nem à direita e nem ao centro para se aproximar do governo federal, petista, sem se afastar do governo estadual, tucano. Tudo isso enquanto o diretor responsável pela aprovação de empreendimentos na cidade acumulava patrimônio incompatível com a sua renda graças, segundo o próprio Ministério Público, ao suborno das construtoras dos luxuosos shopping centers, talvez o único equipamento cultural do qual o paulistano não pode se dizer carente. Ele pode, a partir de agora, virar ministro, senador ou governador. Mas deixa a prefeitura com apenas 24% de aprovação, segundo pesquisa Datafolha divulgada em agosto.

É fato que, dos cargos eletivos, não deve haver outro mais desgastante e ingrato que o de prefeito, praticamente a última ponta de um mal ajambrado pacto federativo a ligar o poder público e a população. Na prefeitura, a popularidade não é medida em sorrisos ou discursos em assembleias de organismos multilaterais. É medida, isso sim, pela quantidade de água represada em concreto, asfalto e bueiros incapazes de dar vazão à ordem natural da correnteza.

A tarefa é ingrata já de saída: são quatro anos, renováveis por mais quatro, para promover reparos sobre omissões centenárias. Mas, ao ser eleito, o prefeito define prioridades e assume um compromisso – no caso de Haddad, ampliar o alcance ao Bilhete Único e extinguir a loteria da inspeção veicular, num primeiro passo, e, mais à frente, ajudar a diminuir o fosso entre ricos e pobres da metrópole. Para isso terá uma base de apoio robusta na Câmara Municipal, provavelmente comandada pelo vereador José Américo (PT), um dos coordenadores de sua campanha, e o apelo popular de quem viu em sua candidatura uma brecha para mudanças. Se for bem sucedido, não conseguirá se credenciar para voos mais altos. Conseguirá, em vez disso, uma cidade mais humana, mais respeitável e mais suportável para 11 milhões de pessoas viverem em sanidade. Não é pouco. Ao menos não deveria ser.

 

Leia mais análises sobre as eleições 2012:

Se pudessem, seis em cada dez moradores de São Paulo deixariam a metrópole para viver em outra cidade. Os números, apurados pelo Ibope em pesquisa encomendada em 2010 pelo Movimento Nossa São Paulo, é só um dos muitos indicativos do que o prefeito Fernando Haddad (PT) terá pela frente a partir de 1º de janeiro de 2013. Trânsito carregado, violência banalizada, falta de espaços públicos adequados de convivência, sujeira acumulada, custo de vida elevado, centro expandido e decadente, poluição, postes sem iluminação, escassez de moradias, falta vagas em creches, escolas e hospitais de qualidade, riscos de inundação, alagamento e quedas de barreira durante boa parte do ano.

Não são poucos os motivos que fazem os paulistanos vislumbrarem em cidades distantes a projeção de vida ideal, longe da balburdia de quem vive menos e sobrevive mais a cada dia numa rotina que coloca em teste a própria capacidade de não enlouquecer. Convencer essas pessoas de que a metrópole pode, sim, ser o lugar ideal para se criar os filhos seria tarefa complexa para qualquer administrador disposto a arregaçar as mangas e consertar o que tiver ao seu alcance. É tarefa ingrata, mas possível. O problema é quando o prefeito faz parte dos 57% dos moradores da metrópole que, se pudessem, fugiriam para longe.

É mais ou menos isso o que acontece quando 11 milhões de habitantes são tratados como trampolins para voos supostamente mais altos.

Quando escolhe um prefeito, o eleitor busca um administrador com uma postura nem mais nem menos comprometida que a de um zelador de condomínio capaz de sair de pijama em plena madrugada para acionar Deus e o mundo e resolver problemas de infiltração, encanamento, falta de energia, briga entre vizinhos. Esses 11 milhões de habitantes, portanto, não têm o menor interesse em saber se, em 2018, o prefeito que mal terá assumido seria o “candidato ideal” para a Presidência da República, ao governo do estado, ao Vaticano ou à direção-geral da ONU.

Por isso ele costuma ser implacável quando o “zelador” deixa o prédio no início de mandato para concorrer ao governo do estado. Ou quando ele passa a maior parte do tempo falando sobre a criação de um novo partido – catando apoiadores de praça em praça nas horas supostamente livres – do que dos piscinões, corredores de ônibus ou novos hospitais que jamais saíram do papel.

Pelo País, os exemplos de quem parece ter se enfadado com o cargo, ou se descuidado demais pensando em voos mais ambiciosos, se espalham. Não à toa, o sentimento de mudança predominou no resultado das urnas em 2012, como ocorreu, além de São Paulo, em Manaus, Salvador, Curitiba, Natal, entre tantas outras.

Ainda assim, a um dia do início dos novos mandatos, o que não faltam são perguntas sobre as próximas eleições. Haddad construirá, em dois anos, um palanque sólido na maior cidade do País para o PT se manter na Presidência e emplacar, finalmente, um governador em São Paulo? Márcio Lacerda, de Belo Horizonte, será o catalisador da união entre o seu PSB e o PSDB do aliado e ex-chefe Aécio Neves? No Paraná, o neoaliado Gustavo Fruet (PDT) vai pavimentar na capital o caminho da ministra Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, ao governo estadual? Arthur Virgílio (PSDB), em Manaus, e ACM Neto (DEM), em Salvador, ganharão musculatura nos cargos locais para voltarem a se projetar nacionalmente como símbolos da oposição? A vitória de Geraldo Julio (PSB), prefeito eleito de Recife, credenciou o seu padrinho político, o governador pernambucano Eduardo Campos, a se candidatar à Presidência?

Nessas horas, a “nacionalização da pauta” não é só indesejada. É um erro. Basta lembrar do exemplo de quem usou, ou foi usado, como trampolim após assumir o mandato. Na capital potiguar, por exemplo, a gestão de Micarla de Sousa, única prefeita eleita pelo PV em 2008, foi apontada à época como a grande vitrine de seu partido para eleições futuras. Ela foi injetada do cargo antes do fim do mandato, sob a suspeita de usar dinheiro público para pagar despesas pessoais e com mais de 90% de reprovação.

Em Curitiba, o prefeito que deveria montar guarda para o governador aliado desdenhou as demandas por uma nova cidade – com espaço ampliado para ciclistas, por exemplo – e não chegou sequer ao segundo turno. (Detalhe: Fruet, o novo prefeito, promete ir à posse de bicicleta. Não poderia ser mais simbólico).

Em Salvador, os eleitores da terceira maior cidade do País querem ver o diabo na frente mas não querem ver João Henrique Carneiro, que deixa o cargo sob a pecha de prefeito omisso, apático e mal comprometido. Bucha do canhão peemedebista na disputa com o PT pelo poder local, em 2008, ele se isolou e acabou suspenso do próprio partido – que lançou Mário Kertész na disputa pela prefeitura e não conseguiu nem 10% dos votos.

Em São Paulo, Gilberto Kassab passou boa parte do mandato costurando apoio para o seu PSD, uma solução nem à esquerda nem à direita e nem ao centro para se aproximar do governo federal, petista, sem se afastar do governo estadual, tucano. Tudo isso enquanto o diretor responsável pela aprovação de empreendimentos na cidade acumulava patrimônio incompatível com a sua renda graças, segundo o próprio Ministério Público, ao suborno das construtoras dos luxuosos shopping centers, talvez o único equipamento cultural do qual o paulistano não pode se dizer carente. Ele pode, a partir de agora, virar ministro, senador ou governador. Mas deixa a prefeitura com apenas 24% de aprovação, segundo pesquisa Datafolha divulgada em agosto.

É fato que, dos cargos eletivos, não deve haver outro mais desgastante e ingrato que o de prefeito, praticamente a última ponta de um mal ajambrado pacto federativo a ligar o poder público e a população. Na prefeitura, a popularidade não é medida em sorrisos ou discursos em assembleias de organismos multilaterais. É medida, isso sim, pela quantidade de água represada em concreto, asfalto e bueiros incapazes de dar vazão à ordem natural da correnteza.

A tarefa é ingrata já de saída: são quatro anos, renováveis por mais quatro, para promover reparos sobre omissões centenárias. Mas, ao ser eleito, o prefeito define prioridades e assume um compromisso – no caso de Haddad, ampliar o alcance ao Bilhete Único e extinguir a loteria da inspeção veicular, num primeiro passo, e, mais à frente, ajudar a diminuir o fosso entre ricos e pobres da metrópole. Para isso terá uma base de apoio robusta na Câmara Municipal, provavelmente comandada pelo vereador José Américo (PT), um dos coordenadores de sua campanha, e o apelo popular de quem viu em sua candidatura uma brecha para mudanças. Se for bem sucedido, não conseguirá se credenciar para voos mais altos. Conseguirá, em vez disso, uma cidade mais humana, mais respeitável e mais suportável para 11 milhões de pessoas viverem em sanidade. Não é pouco. Ao menos não deveria ser.

 

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