Política

Orientações de Moro alteraram oitiva de Lula, mostra novo vazamento

Novos vazamentos indicam que Dallagnol excluiu procuradora Laura Tessler da acusação após queixa do então juiz

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Instruções do ex-juiz Sérgio Moro resultaram em uma troca de procuradores na bancada acusatória do caso do tríplex do Guarujá, que prendeu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo novos vazamentos noticiados pelo jornalista Reinaldo Azevedo, na rádio Band News. Desta vez, os diálogos revelados envolvem os procuradores Deltan Dallagnol e Carlos Fernando, sobre o episódio em que Moro se queixou do desempenho da procuradora Laura Tessler nas audiências do petista. A apuração foi realizada em parceria com o site The Intercept Brasil.

Os novos trechos dizem respeito ao momento em que Moro afirmou a Dallagnol que a procuradora Laura Tessler era uma excelente profissional, mas, em ocasiões de inquirição na audiência, “ela não vai muito bem”. Segundo Azevedo, após receber a opinião de Moro, Dallagnol chamou o procurador Carlos Fernando no aplicativo Telegram e sugeriu modificação na escala de acusadores na audiência seguinte.

Ao chamar o colega, Dallagnol perguntou: “Recebeu a mensagem do Moro sobre a audiência também?”. Carlos Fernando teria respondido: “Não, o que ele disse?”. Em resposta, Dallagnol reforçou: “Não comenta com ninguém e me assegura que teu Telegram não tá aberto aí no computador e que outras pessoas não estão vendo por aí, que falo”.

Após ter certeza de que Carlos Fernando não estava com o aplicativo aberto, Dallagnol reproduziu a mensagem de Moro, que dizia: “Prezado, a colega Laura Tessler de vcs é excelente profissional, mas para inquirição em audiência, ela não vai muito bem. Desculpe dizer isso, mas com discrição, tente dar uns conselhos a ela, para o próprio bem dela. Um treinamento faria bem. Favor manter reservada essa mensagem”.

Carlos Fernando teria dito que apagou as mensagens e Dallagnol prosseguiu: “Vamos ver como está a escala e talvez sugerir que vão 2, e fazer uma reunião sobre estratégia de inquirição, sem mencionar ela”. Fernando, então, comentou: “Por isso tinha sugerido que Júlio ou Robinho fossem também. No do Lula não podemos deixar acontecer”.

Dois meses depois, no dia 10 de maio de 2017, a audiência do ex-presidente Lula não contava com a presença da procura Laura Tessler, que teria dado lugar aos acusadores Roberson Pozzobom e Júlio Noronha, segundo Azevedo. O jornalista afirma que os diálogos contradizem a versão de Moro na audiência realizada na quarta-feira 19, no Senado. Na sessão, Moro disse ao senador Nelsinho Trad (PSD-MS) que “em nenhum momento no texto, há alguma solicitação de substituição daquela pessoa. Tanto que essa pessoa continua e continuou realizando audiências e atos processuais, até hoje, dentro da operação Lava Jato”.

Sucessão de vazamentos

Esta é a quinta data em que o Intercept libera trechos de mensagens privadas no âmbito da Lava Jato. Na última terça-feira 18, uma reportagem do portal revelou diálogos em que Moro teria sugerido poupar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) de investigações. Na ocasião, o então juiz teria alertado que uma operação como essa poderia “melindrar alguém cujo apoio é importante”.

Na semana passada, o site também divulgou conversas que mostrariam uma suposta articulação entre Moro, Dallagnol e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux. Outros vazamentos noticiados demonstram que Moro teria zombado da defesa de Lula, enquanto orientava acusadores a produzir nota, sugeria testemunhas, solicitava troca de fases na investigação e cobrava ações da força-tarefa. Além disso, uma das reportagens aponta que Dallagnol tinha dúvidas sobre as provas contra o ex-presidente petista no caso do tríplex do Guarujá, pouco antes de apresentá-las no processo.

Na última quarta-feira 19, Moro passou quase nove horas em audiência no Senado, para esclarecer os vazamentos veiculados na imprensa. Em sua defesa, Moro se concentrou em exaltar a Operação no combate à corrupção, denunciar a invasão de criminosos a celulares de autoridades públicas e classificar as divulgações do Intercept como “sensacionalistas”. Segundo sua teoria, o escândalo é orquestrado por hackers que têm o objetivo de anular condenações de corruptos ou obstaculizar processos em andamento.

Sobre o conteúdo vazado, o ministro reforçou que não reconhece a autenticidade das mensagens, porém, não descartou ter mencionado trechos noticiados. “Tem coisas que eventualmente eu possa ter dito. Outras causam estranheza. Mas essas mensagens podem ter sido total ou parcialmente adulteradas”, afirmou. Além disso, disse que considera os diálogos “absolutamente corriqueiros”.

Após a audiência, a Associação Juízes para a Democracia publicou nota de repúdio às falas de Moro no Senado. Segundo a instituição, é inaceitável que o ministro confunda a urbanidade na interação entre juízes e membros do Ministério Público com a fusão de seus distintos papéis processuais. “Tais práticas não refletem, em absoluto, a conduta das magistradas e dos magistrados brasileiros que cumprem o seu dever funcional. Ao defendê-las, o Ministro promove uma inaceitável banalização do exercício distorcido da atividade judicante, ofensiva à sua dignidade, seriedade e respeitabilidade”, diz o parecer.

O próximo a ser ouvido no Senado deve ser o procurador Deltan Dallagnol, conforme anúncio do Senado na terça-feira 18. O requerimento é de autoria do senador Angelo Coronel (PSD-BA), que tem o objetivo de apurar “suposta e indevida coordenação de esforços” na força-tarefa.

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