Política

Oposição terá que escolher o mal menor na eleição da Câmara

PCdoB, PDT, PSB, PSOL, PT e Rede não conseguem eleger o presidente. Mas desequilibram a balança entre o grupo de Maia e o centrão de Lira

(Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados)
Apoie Siga-nos no

O grupo de WhatsApp dos ministros de Jair Bolsonaro pegou fogo na terça-feira 8. Marcelo Álvaro Antônio disse ali que o negociador político do governo, o general Luiz Eduardo Ramos, promovia toma-lá-dá-cá em favor do candidato do Centrão ao comando da Câmara dos Deputados. Para ter uma boquinha que usar na barganha, o milico teria sugerido a Bolsonaro cortar a cabeça de Antônio da pasta do Turismo. “Traíra”, escreveu Antônio. Este era um sobrevivente. Seguia no posto mesmo denunciado à Justiça por plantar um laranjal de candidaturas femininas no PSL na eleição de 2018. Isso o presidente deixara passar numa boa. A alegação de que Ramos é desleal e esbalda-se na “velha política”, não. Ou será que na verdade o ex-capitão ouviu o general sobre boquinha?

Enquanto Bolsonaro demitia o “laranjeiro” na quarta-feira 9, o líder do centrão na Câmara, o alagoano Arthur Lira, do PP, anunciava que concorrerá à vaga de Rodrigo Maia, do DEM, cujos sonhos reeleitoreiros haviam sido enterrados dias antes pelo Supremo Tribunal Federal, em um julgamento em que politicagem e mídia contaram mais do que a Constituição. É para empurrar Lira ao cargo responsável por abrir impeachments, que Ramos aderiu, segundo Álvaro Antônio, à trairagem e ao “é dando que se recebe”, mantra do Centrão.

Lira é réu no Supremo desde outubro de 2019, acusado de receber 106 mil reais de um sujeito que dirigia a estatal federal de trens CBTU em 2012 e queria continuar no posto. A Justiça de Alagoas acaba de invalidar provas contra o deputado em uma ação por peculato, à sombra de um esquema estadual de “rachadinha”. Condenado na esfera cível neste caso, Lira só concorreu na eleição de 2018 graças a uma liminar que suspendeu sua “ficha suja”. Sua ex-mulher, Jullyene Lins, que lhe cobra pensão gorda para os filhos, diz que ele esconde bens, uma história que Bolsonaro viveu com uma ex, Ana Siqueira Valle. Na eleição de 2010, sua primeira para deputado federal, Lira declarou patrimônio de 2 milhões de reais. Na de 2014, 1,1 milhão. Caso raro de político que, digamos, empobreceu.

Arthur Lira (PP-AL), o favorito: empresário, ruralista e do centrão (Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados)

Em junho deste ano, foi acusado, pela Procuradoria-Geral da República, ao Supremo de receber propina de 1,5 milhão de reais da empreiteira Queiroz Galvão, em dinheiro vivo entregue a um assessor. A denúncia era assinada pela subprocuradora-geral Lindôra Araújo, braço-direito do “xerife” Augusto Aras, um indicado de Bolsonaro. Em setembro, veja só, Lindôra pediu ao STF que deixe o caso para lá, pois faltariam provas. Agora é nesse sortudo Arthur Lira, um fã do condenado ex-deputado Eduardo Cunha, que Bolsonaro aposta para se livrar do grupo de Maia na eleição de fevereiro. “O governo está desesperado”, tascou o demista.

Diferentemente de Maia, Lira topa dar corda à pauta bolsonarista de costumes.

O “desespero” não se limita à proteção contra a avalanche de pedidos de impeachment guardada na gaveta da presidência da Câmara. Se é partidário da política econômica ultraliberal do ministro Paulo Guedes, Maia tem sido uma barreira aos intentos mais reacionários do bolsonarismo em outras áreas. Não deixou andar ideias como facilitar a circulação de armas, abolir o aborto legal e criar a “escola sem partido”. Uma conduta que a filósofa americana Nancy Fraser, de 73 anos, batizou nos Estados Unidos, com tristeza, de “neoliberalismo progressista”. Maia quer um sucessor desse naipe, de olho na construção de uma candidatura conservadora não extremista que enfrente Bolsonaro em 2022. Empresário e ruralista, Lira, de 51 anos, professa visões econômicas parecidas. Esqueça siglas e nomes pomposos como “Cidadania”: o partido que manda no Congresso é o neoliberal. “Nós temos várias reformas para discutir”, afirmou o alagoano, para quem o “teto de gastos” fica e, “se precisar, cortando na carne” (do povo, vide a reforma da Previdência, pois austeridade é chicote no lombo alheio).

Diferentemente de Maia, no entanto, Lira topa dar corda à pauta bolsonarista de costumes. “O plenário é soberano por maioria e, na sua soberania, as pautas serão levadas à discussão. As pautas serão socializadas pelos deputados”, comentou, ao lançar a candidatura.

Espremida entre o neoliberalismo progressista e o bolsonarismo, a oposição é cobiçada. Juntos, PCdoB, PDT, PSB, PSOL, PT e Rede não conseguem eleger o presidente da Câmara. Se agirem unidos, desequilibram a balança ou para o grupo de Maia (em tese, 157 deputados de DEM, MDB, PSDB, PSL, PV e Cidadania), ou para o Centrão (em tese, 170 de PL, PP, PSD, Avante e Solidariedade). “Agora os nossos votos decidem quem senta naquela cadeira do poder. Porque, depois disso, eles nos atropelam. A hora que a gente tem 140 votos (133, na verdade) para dizer quem é que senta naquela cadeira é agora. E nós temos de nos pautar pela agenda. É agora que a gente decide a agenda do País. O que a gente não quer e o que quer votar”, diz a deputada Jandira Feghali, do PCdoB do Rio.

Já havia sido assim, quando da eleição de Maia, em fevereiro de 2019. O demista vencera com 334 votos, 65% dos 513 deputados. O muro contra o reacionarismo presidencial vem dessa época. Foi possível arrancar de Maia até um compromisso econômico, apesar de ele ser neoliberal na linha de Paulo Guedes. Por exemplo, deixar em banho-maria a lei de privatização da Eletrobras, enviada à Câmara pelo governo Temer, em 2018, depois pelo governo Bolsonaro, em novembro de 2019. É por isso que o “Posto Ipiranga” às vezes ataca Maia. “Como é que pode ter um acordo político que impede as privatizações?”, queixou-se o ministro em novembro.

José Guimarães (PT-CE), líder na minoria na Câmara: “Ninguém vai aceitar a nossa pauta mínima” (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

Líder da minoria, o deputado cearense José Guimarães, do PT, não tem ilusões de conseguir acordos econômicos em temas caros aos neoliberais. É o caso da autonomia do Banco Central, já aprovada no Senado, da reforma administrativa, enviada pelo governo ao Congresso em setembro, e do corte de salário de servidor com redução da jornada, em curso no Senado. “Ninguém vai aceitar a nossa pauta mínima, mas é importante que a gente tenha o discurso político contra essas propostas”, afirma Guimarães. Importante também a oposição atuar unida, teoriza ele. Há ensaio de divisão. Obra do PSB, o segundo maior do bloco, atrás do PT. Os pessebistas reuniram-se na quarta-feira 9 e a maioria defendeu apoiar Lira. O líder da bancada, Alessandro Molon, do Rio, é contra. No mesmo dia, os líderes de toda a oposição conversaram via web e combinaram um café da manhã em Brasília, na terça-feira 15, para tentar fechar uma posição conjunta.

Espera-se que até lá o PSB resolva a crise interna criada, conforme fontes do partido, pelos deputados João Campos, eleito prefeito do Recife, e João Henrique Caldas, vitorioso em Maceió com apoio de Lira, que é de lá. O pepista falou ainda com o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, outro do PSB, e teria obtido boa vontade. O governador e o presidente pessebista, Carlos Siqueira, almoçaram com Maia na terça-feira 8. Siqueira quer apoiar o candidato do grupo do demista. Um competidor sem rosto até a manhã da quinta-feira 10, conclusão desta reportagem.

Na lista de possibilidades estavam o paraibano Aguinaldo Ribeiro, do PP, o paulista Baleia Rossi, líder e presidente do MDB, o baiano Elmar Nascimento, ex-líder do DEM, e o pernambucano Luciano Bivar, presidente do PSL. Maia diz não ter pressa para definir um nome. Mais, que quanto mais claro ficar para a sociedade que Lira é Bolsonaro e ajudaria a passar a boiada na área ambiental e na comportamental, melhor. Será?

Em Brasília, poucos duvidam que a indefinição quanto ao candidato do grupo de Maia foi causada pela esperança que o demista tinha de se reeleger. Faltou pouco para ele poder se candidatar. Ele e o colega de partido Davi Alcolumbre, atual comandante do Senado, aliás. Uma história desenrolada no Supremo, onde também há acusação de trairagem. No caso, contra o presidente da corte, Luiz Fux. Em 4 de dezembro, o tribunal começou a julgar uma ação proposta em agosto pelo PTB, partido bolsonarista, contra a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. Desde meados dos anos 1990, existe essa reeleição, mas apenas quando acaba uma legislatura de quatro anos e começa outra. Um jeitinho arranjado na era FHC para acomodar os interesses de PMDB, hoje MDB, e PFL hoje DEM. A Constituição é cristalina no artigo 57: “É vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. Era para reafirmar essa proibição que o PTB tinha ido à corte.

O relator da ação era Gilmar Mendes. Em 25 de novembro, ele pautou para 4 de dezembro o julgamento do processo no plenário virtual do STF, aquele em que os juízes depositam seus votos escritos, sem se pronunciar perante as câmeras de tevê. Na véspera, Rodrigo Maia havia criado uma comissão de juristas para estudar o processo constitucional e entregado o comando dela a Mendes. Este estava disposto a passar por cima do artigo 57 da Constituição e liberar a reeleição. O togado preparou o terreno na mídia. Soprava a jornalistas que era bom manter Maia, pois este peita Bolsonaro. E que, às vezes, a política se impõe à Constituição. Uma retórica usada internamente e que teria dobrado Fux.

Externamente, pressão no tribunal. PTB e PP pediram que o julgamento fosse perante as tevês. Empresários bolsonaristas mandaram uma carta aos juízes contra a reeleição. Idem os partidos do Centrão, o PT, o PSB e a Rede. Simpáticos a Maia, os opositores PDT e PCdoB não assinaram. Resultado final do julgamento: 7 a 4 contra a reeleição de Maia e 6 a 5 contra a de Alcolumbre. Fux votou contra os dois, provavelmente porque a mídia reclamava de violação da Constituição. O noticiário teria convencido também Luís Roberto Barroso, magistrado que, como Fux, gosta de jogar para a plateia. Agora ambos são alvo, especialmente o primeiro, da ira dos colegas que se sentem traídos, Mendes à frente. Emoções à vista na eleição interna na Câmara, emoções à vista nos corredores supremos…

Publicado na edição nº1136 de CartaCapital, de 16 de dezembro de 2020

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo