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Oportunidade única

Com a segunda maior reserva do mundo, o Brasil corre contra o tempo para estruturar sua cadeia produtiva

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Imagem: Marco Prosch/Audi Motors
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Terras-raras. Por sua baixa concentração na natureza e acentuada dificuldade de extração, esse é o nome dado a um grupo de minerais formado por 17 elementos, como ítrio, escândio e neodímio, entre outros. Utilizadas na fabricação de itens que vão de sistemas de navegação de aeronaves e mísseis teleguiados a baterias para veículos elétricos, painéis solares e componentes de Tecnologia da Informação, essas substâncias estão no centro de uma disputa geopolítica que tem como principais protagonistas China e Estados Unidos. Além de pressionar os chineses em negociações tarifárias, o governo Donald Trump chegou a ameaçar ocupar a Groenlândia e condicionou o envio de ajuda militar à Ucrânia ao acesso às terras-raras e a outros minerais considerados críticos e estratégicos.

Com a segunda maior reserva de terras-raras do planeta, estimada em 21 milhões de toneladas, o Brasil corre contra o tempo para entrar nessa disputa. As descobertas são relativamente recentes e o País processou apenas 20 toneladas em 2024. A baixa produtividade tem relação direta com a falta de domínio tecnológico no setor, avalia Clauber Leite, coordenador do Instituto E+, think tank brasileiro dedicado a pautar discussões sobre transição energética e a transformação verde da indústria. “Temos grandes reservas, mas uma produção marginal e carência tecnológica em etapas como separação e beneficiamento, hoje dominadas pela China.”

Essa deficiência tecnológica faz com que o valor gerado pelas terras-raras não permaneça no Brasil. “Isso nos deixa vulneráveis a práticas de exploração majoritariamente voltadas à exportação de bens de baixo valor agregado, com pouco retorno socioeconômico associado às tecnologias da transição”, diz Leite. Para evitar permanecer nessa posição, acrescenta o especialista, o País precisa “investir em P&D e desenvolver tecnologia própria, estimular parcerias internacionais com transferência real de tecnologia e usar instrumentos de política industrial para fomentar a produção nacional de componentes e equipamentos de baixo carbono”.

Para Maurício Angelo, fundador do Observatório da Mineração, a indústria nacional ainda é pouco desenvolvida e o Brasil precisa agir rapidamente, se quiser inserir-se de forma soberana no mercado global de terras-raras. “O País tem de sair do modelo primário exportador e desenvolver essa cadeia de ponta a ponta, o que exige investimentos significativos, vontade política e tempo, além de enfrentar os interesses de multinacionais e de outras nações que não querem concorrência”, explica. “Mesmo que se estabeleça uma política para o setor e haja interesse da indústria em investir, não há garantias de que esse processo ocorra de forma estável ou se concretize na prática nos próximos anos”, acrescenta.

Fonte: United States Geological Survey (USGS)

O governo brasileiro pretende anunciar, até o fim do ano, sua Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE), com foco na transição energética, segurança alimentar e redução da dependência de cadeias produtivas internacionais em setores estratégicos. “O objetivo do governo é promover o desenvolvimento sustentável da cadeia mineral, com base em proteção ambiental, inclusão, circularidade de materiais e uso eficiente dos recursos”, explica Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia. Segundo ele, a nova política setorial terá como diretrizes a priorização do licenciamento federal para projetos estratégicos, o fortalecimento do mapeamento geológico, a articulação com estados e municípios, o apoio financeiro à exploração e ao processamento, o incentivo à pesquisa e à inovação, a qualificação da mão de obra e o desenvolvimento de infraestrutura, além da “atração de investimentos e parcerias internacionais em um ambiente tributário e tarifário competitivo”.

Relator na Câmara da proposta que institui a PNMCE, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania) apresentará seu parecer na terceira semana de agosto. “Estou em diálogo com o Executivo e com a Frente Parlamentar da Mineração Sustentável, buscando construir um consenso”, diz. Segundo ele, a nova política buscará, inicialmente, criar as condições para que o Brasil conheça plenamente seu potencial. “Nossa base de dados é insuficiente. Vamos apontar a necessidade de reforçar o conhecimento geológico, para que o País tenha um conceito claro de exploração desses minerais. Mais que isso, queremos fomentar uma cadeia de aproveitamento e beneficiamento, para que não fiquemos restritos à condição de meros exportadores.”

Angelo ressalta que tanto a União Europeia quanto os EUA dificilmente conseguirão desenvolver uma cadeia própria de terras-raras em menos de uma década. “Isso abre ao Brasil a possibilidade de ampliar sua capacidade de extração, beneficiamento e comércio, desde que consiga desenvolver sua indústria de ponta a ponta”, diz o coordenador do Observatório da Mineração. Ele destaca ainda que a China não apenas concentra quase metade das reservas mundiais, como também domina as etapas de processamento e beneficiamento, o que lhe confere um enorme trunfo comercial. “A China tem usado esse poder como arma geopolítica”, revela.

O governo pretende anunciar, até o fim do ano, sua Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos

O valor da carta na manga chinesa ficou evidente em junho, quando ­Washington e Pequim, em meio a uma acirrada escalada tarifária, anunciaram um acordo que, na prática, permitirá que os norte-americanos continuem comprando terras-raras da China, enquanto estudantes chineses mantenham acesso às universidades dos EUA. Donald Trump já sinalizou ao líder chinês, Xi Jinping, a possibilidade de ampliar o acordo para incluir novos minerais, em troca da continuidade no fornecimento de chips eletrônicos, produtos químicos e outros insumos estratégicos. Ainda assim, a China aceitou firmar o acordo por apenas seis meses, o que mantém elevada a tensão geopolítica. “Esperamos que o tema dos minerais críticos, em especial das terras-raras, seja resolvido de forma permanente”, disse Howard Lutnick, secretário de Comércio dos EUA.

Professor da Escola Superior de Guerra, Ronaldo Carmona destaca a corrida global pelo controle dos minerais críticos e estratégicos, essenciais tanto para a transição energética – na fabricação de baterias, turbinas elétricas e painéis solares – quanto para materiais militares avançados, incluindo drones e caças de última geração. Consultorias projetam um aumento exponencial da demanda na próxima década. “Precisamos condicionar investimentos estrangeiros em extração a iniciativas de agregação de valor, refino e processamento, como ocorre com as terras-raras”, afirma. O Brasil segue, porém, alguns passos atrás nessa corrida: “Empresas chinesas têm adquirido mineradoras brasileiras, e há investimentos americanos em lítio em Minas Gerais sem exigência de contrapartida. A maior empresa privada brasileira de lítio está sediada no Canadá, com ações na Bolsa de Toronto”. •

Publicado na edição n° 1372 de CartaCapital, em 30 de julho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Oportunidade única’

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