Política

Operação Carne Fraca é frágil, mas uma coisa é certa: há corrupção

Polícia Federal cometeu erros e agora diz que problemas são pontuais, mas há indícios fortes de recebimento de propina por agentes públicos

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A Operação Carne Fraca, deflagrada na sexta-feira 17 pela Polícia Federal, chocou os brasileiros com denúncias de violações sanitárias e foi capaz de causar sérios danos à imagem de gigantes do setor alimentício, como JBS e BRF. As notícias correram o mundo, e diversos países importadores anunciaram duras restrições à entrada de carne brasileira em seus territórios, afetando um setor estratégico da economia.

Uma semana após o escândalo, fica evidente a fragilidade da investigação da PF, que na quarta-feira admitiu que as irregularidades encontradas são pontuais. A história do “papelão na carne” também não se sustentou por muito tempo. Pelos indícios expostos até aqui, os flagrados falavam sobre o local em que as embalagens deveriam estar, e não sobre a própria carne.

A existência de um largo esquema de corrupção, contudo, parece evidente. Anunciada como a maior operação da história da PF, a Carne Fraca revelou uma organização criminosa liderada por fiscais agropecuários federais e empresários do agronegócio. De acordo com a investigação, agentes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) recebiam propina para emitir certificados sanitários sem fiscalização.

Entre os flagrados do lado das companhias estão Roberto Mülbert, da Big Frango, e Flavio Evers Cassou, da Seara, este apontado como dono de uma “relação quase societária” com Maria do Rocio Nascimento, tida como uma das líderes da organização criminosa investigada. As duas empresas são controladas pela JBS

Da BRF, o funcionário de mais alto escalão investigado na Carne Fraca é Roney Nogueira dos Santos, gerente de Relações Institucionais e Governamentais da companhia. Santos é acusado, entre outras coisas, de negociar com Dinis Lourenço da Silva, superintendente do Ministério da Agricultura em Goiás, a manutenção do funcionamento de um frigorífico em Mineiros (GO) mesmo diante de um parecer que recomendava seu fechamento

Neste ambiente, diz a PF,  era comum que agentes públicos visitassem frigoríficos, mas não realizassem inspeção de fato. Faziam “vista grossa” para situações que iam desde falta de higiene e desrespeito a prazos de validade até presença da bactéria salmonella.

Reportagem publicada pelo portal UOL na quinta-feira 23 aponta que, em 2014, fiscais que atuavam no Paraná deixaram de aplicar 453 mil reais em multas, referentes a 29 irregularidades encontradas em frigoríficos do Estado. Das 21 empresas investigadas pela Carne Fraca, 18 estão no Paraná.

PMDB, PP e Osmar Serraglio

O inquérito da PF não entra em detalhes a respeito de partidos políticos, mas durante uma entrevista coletiva, o coordenador da operação, o delegado Mauricio Moscardi Grillo, apontou que parte da propina era direcionada ao PMDB e ao PP. Os dois partidos, por anos durante os governos petistas, tiveram grande influência no Ministério da Agricultura,

A PF não citou especificamente quais políticos estariam envolvidos no esquema – o que gerou críticas –, mas o nome do ministro da Justiça do governo Michel Temer, Osmar Serraglio (PMDB-PR), aparece em áudios interceptados pela Carne Fraca.

Em um primeiro grampo, revelado na sexta-feira 17, o próprio Serraglio aparece em diálogo com Daniel Gonçalves Filho, ex-superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná e apontado como líder da quadrilha, a quem chama de “grande chefe”. Na conversa, Serraglio avisa Gonçalves Filho sobre a possibilidade de um frigorífico ser fechado em Iporã (PR).

A pressão contra o ministro aumentou nesta semana, depois que a senadora e ex-ministra da Agricultura Kátia Abreu (PMDB-TO) afirmou que Serraglio atuava como protetor de Gonçalves Filho, fazendo pressão para que ele não fosse afastado do cargo.

O segundo grampo foi revelado na quarta-feira 22. Segundo reportagem publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, Serraglio foi identificado como o “velhinho que está conosco” por Maria Rocio Nascimento, funcionária do MAPA presa pela PF e apontada como uma das cabeças do esquema. No áudio captado pela PF, Nascimento conversa com o veterinário da Seara (grupo JBS) Flavio Evers Cassou, que também foi preso preventivamente.

Doadoras de campanha

O impacto político da operação pode ser grande. A JBS, que controla as marcas Friboi e Seara, foi a maior doadora do País nas eleições de 2014: foram mais de 350 milhões de reais doados a dezenas de políticos e partidos. A campanha à reeleição de Dilma Rousseff (PT), por exemplo, recebeu 73,4 milhões da JBS; a do adversário da petista no segundo turno, Aécio Neves (PSDB-MG), recebeu 51 milhões de reais.

A empresa também doou 200 mil reais à campanha à campanha para a Câmara dos Deputados de Osmar Serraglio. O dinheiro foi enviado ao diretório nacional do PMDB, que repassou o valor para a campanha do hoje ministro.

O futuro

A Polícia Federal, após os danos à economia provocados pela operação, ficou evidentemente acuada. Em nota conjunta divulgada na noite de terça-feira 21, a PF e o Ministério da Agricultura informaram que os problemas encontrados são pontuais e que o sistema de controle garante a qualidade da carne brasileira.

“Embora as investigações da Polícia Federal visem apurar irregularidades pontuais identificadas no Sistema de Inspeção Federal (SIF), tais fatos se relacionam diretamente a desvios de conduta profissional praticados por alguns servidores”, diz a nota. “O SIF garante produtos de qualidade ao consumidor brasileiro.”

Diante da pressão contra a PF por conta dos eventuais exageros na operação, falta saber se as investigações dos supostos casos de corrupção também serão jogadas para baixo do tapete. Muitos agradeceriam.

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