Política

“Objetivo da lista fechada é proteger os líderes partidários”

Para professora da UERJ, discussão sobre mudança no sistema eleitoral é estratégia para livrar investigados na Operação Lava Jato

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A discussão sobre voto em lista fechada para as eleições legislativas, reaberta pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, e pelos presidentes da Câmara e do Senado, é uma estratégia para proteger pessoas investigadas na Operação Lava Jato. O diagnóstico é da cientista política Argelina Maria Cheibub Figueiredo, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Especialista no estudo de temas como instituições e políticas públicas, Figueiredo diz, em entrevista a CartaCapital, que o debate da lista fechada, além de ser uma desculpa para quem está comprometido, é baseado em “falsos problemas” do sistema eleitoral brasileiro, como a afirmação de que os partidos não têm força no País.

Apesar de crítica do Congresso, Figueiredo lembra que ele é o fórum adequado para fazer discussão sobre mudanças no sistema. Pior seria, diz ela, deixar o debate a cargo do Supremo Tribunal Federal (STF) e do TSE, presidido por Gilmar Mendes. “Ele sim não tem legitimidade para ocupar o posto de ministro que ocupa, não é um presidente isento no TSE e acho que deveria sofrer um processo de cassação”, afirma.

Carta Capital: Como a senhora avalia as propostas de reforma eleitoral em discussão?

Argelina Figueiredo: As reformas que estão sendo propostas, principalmente a lista fechada, mas também o fim das coligações e a cláusula de barreira, têm dois objetivos principais: um, que é dito, é fortalecer os partidos. O outro é proteger os líderes partidários dos próprios eleitores, pois quem vai definir a lista é o partido e certamente os líderes terão lugar privilegiado nessa lista. Eu sou totalmente contra a lista fechada.

CC: Por quê?

AF: Não é verdade, por exemplo, que a lista fechada reduz a corrupção. Pelo contrário. Há estudos comparativos que mostram que onde há lista fechada há mais corrupção. Claro que os estudos de corrupção são problemáticos, porque se baseiam na percepção de corrupção, e não na corrupção propriamente dita, que é muito difícil de medir, mas vamos pensar nos escândalos que estamos vendo agora. Pode notar que os partidos estão sempre envolvidos. Não por acaso, são os tesoureiros dos partidos os primeiros a serem pegos. Foi assim inclusive no período Collor.

Muitos problemas que são imputados ao modelo que nós temos hoje, de lista aberta, são falsos. Por exemplo: dizer que os partidos não têm força no Brasil. É o partido que recebe o fundo partidário, é o partido que distribui [o dinheiro] entre aqueles que a ele interessa mais eleger.

A distribuição desses recursos públicos é muito desigual, e a taxa de sucesso eleitoral dos candidatos que recebem recursos do fundo é muito maior. Então, além de compor a lista, o partido tem o direito de distribuir os recursos.

O mesmo acontece com o dinheiro de caixa 2, que é controlado pelos partidos. Os candidatos com maior probabilidade de se eleger ou que se reelegem são aqueles que ganham mais recursos do partido. Então o partido pode muito bem ser corrupto, e tem sido. Tanto que eles querem anistiar o caixa 2.

CC: Qual é a sua opinião a respeito dessa anistia ao caixa 2?

AF: O caixa 2 é um crime eleitoral, não tem como dizer que não é. Você pode até distinguir aqueles que usaram caixa 2 para fins políticos daqueles que o usaram para fins pessoais, mas é preciso punir os dois. Um está no Código Penal, o outro está no Código Eleitoral.

Se as empresas dão caixa 2 para os partidos, e os partidos recebem na forma de caixa 2, é porque as empresas fazem caixa 2. Caso contrário elas teriam que declarar.

CC: Para que as mudanças possam valer para as eleições de 2018, é preciso aprová-las até setembro deste ano. Essa reforma é, de fato, urgente?

AF: Urgente é o interesse deles. Uma reforma dessa natureza não pode passar sem uma discussão mais ampla. E se entrar em uma discussão mais ampla, não vai dar em nada, como nunca deu.

Argelina-Figueiredo ‘Uma reforma dessa natureza não pode passar sem uma discussão ampla’, diz Figueiredo

Eles falam muita coisa, mas o principal objetivo é passar a lista fechada. Eu já mostrei, em trabalhos anteriores, que os partidos têm força dentro do Legislativo. Na Câmara, os líderes partidários comandam o processo legislativo, então existe esse risco.

E a dependência do Congresso em relação ao governo aumentou, porque há um jogo de chantagem mais forte. O problema não é o presidencialismo de coalizão, mas a forma como ele está sendo praticado hoje.

Na atual conjuntura, o principal objetivo da lista fechada é aumentar o poder dos partidos para proteger os líderes comprometidos com a Operação Lava Jato. A liderança do PMDB, principalmente. Tudo raposa velha, são profissionais.

Eu não sou contra os partidos, pelo contrário. Mas eu não aceito, por exemplo, aumentar o poder dos partidos excluindo o poder dos eleitores. Eles dão várias desculpas, dizem que o objetivo é reduzir a corrupção, garantir que o fundo público vá para o partido, mas eu, como cidadã, não tenho nenhum interesse. Acho que tem que ter fundo público, sim, mas eu quero ter voz para escolher os candidatos. Acho que o fundo tem que ser misto: público e privado. E privado de preferência por pessoas físicas, com limite para doações.

CC: Os parlamentares que defendem a lista fechada argumentam que não faz sentido dizer que o objetivo é proteger político porque a população está muito atenta à Lava Jato…

AF: A população está atenta e eles podem receber menos votos, mas esses votos serão suficientes para salvar as lideranças. 

Hoje, a exposição dos líderes é, de fato, muito grande. Essa exposição tão negativa tem um efeito sobre o eleitor, e o risco de não se reeleger e perder o foro privilegiado é grande. Mas a salvação, para esses caras, é a reeleição. O caso vai para o Supremo, e o Supremo leva anos para julgar, até prescrever.

CC: Diante da corrupção muitos questionam a legitimidade do Congresso. Uma possibilidade, assim, seria mais uma vez deixar a questão nas mãos do Supremo, que já decidiu sobre o financiamento, por exemplo. Como a senhora avalia isso?

AF: Eu não acho que seja uma questão de legitimidade. A gente pode não gostar desse Congresso, que ficou muito mais conservador, mas ele foi eleito em um processo que ninguém contestou e é legítimo para fazer reformas. Seria muito pior deixar nas mãos do Supremo, que fez várias bobagens quando se meteu na questão eleitoral.

Nem nas mãos do Supremo, nem do Tribunal Superior Eleitoral, principalmente por causa da figura do Gilmar Mendes. Ele sim não tem legitimidade para ocupar o posto de ministro que ocupa, não é um presidente isento no TSE e acho que deveria sofrer um processo de cassação.

O que precisa é aumentar a fiscalização. Estamos vendo bem qual é a relação de intimidade entre poder econômico e poder político. Isso não é particularidade do Brasil, isso acontece em outros lugares. Nos Estados Unidos, por exemplo, não há financiamento público, e o financiamento privado por empresas é, a rigor, proibido. Mas existem maneiras, todo mundo sabe, de passar dinheiro de empresa, e a influência do poder econômico é enorme.

Não estou dizendo que nenhuma instituição vale. Vale, sim, e eu defendo várias instituições que a gente tem. No entanto, as instituições não resolvem qualquer problema, e os homens sempre arranjam uma maneira de corromper as instituições.

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