Política

O que o novo partido de Bolsonaro explica sobre a política do Brasil?

Para pesquisadora, Bolsonaro foge dos princípios democráticos da fundação de um partido: ‘A briga é pelo controle de uma máquina’

O senador Major Olímpio (PSL-SP), o presidente Jair Bolsonaro e o presidente do PSL, Luciano Bivar, durante encontro com a bancada do partido em fevereiro. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Após usar termos do universo de um “casamento” para explicar suas relações políticas com o ministro Paulo Guedes e o presidente Maurício Macri, o presidente Jair Bolsonaro não fugiu do seu catálogo de expressões nupciais ao divulgar o nome de seu novo partido, anunciado na semana passada: Aliança Pelo Brasil. O divórcio de Bolsonaro com o PSL marca um fato inédito na República brasileira, que nunca viu, em 130 anos de história, um presidente abandonar um partido no curso de um mandato. O que esta separação explica sobre o atual momento da política brasileira?

Bolsonaro declara o término da relação após escândalos que envolvem candidaturas laranjas do PSL e desavenças com importantes figuras da legenda, como o presidente do PSL, Luciano Bivar, a ex-líder do governo no Congresso Nacional, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), e o ex-líder da sigla na Câmara, deputado delegado Waldir (PSL-GO). De imediato, é possível considerar que o primeiro intuito do presidente ao anunciar partida é a tentativa de se desvincular dos casos de corrupção dentro do partido.

Para a doutora em Ciência Política e professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Andréa Marcondes de Freitas, o movimento vai além. É possível dizer que, em primeiro lugar, a criação de um partido não precisamente seja a única alternativa para quem tenta evitar contaminação política com condutas irregulares de correligionários. Afinal, não é comum que líderes pulem fora do barco em caso de descoberta de corrupção dentro de suas legendas.

Para Andréa, Bolsonaro reafirma sua tradição antipartidária percebida em sua trajetória rica em rompimentos: Aliança Pelo Brasil será seu nono partido, desde que sua carreira política iniciou em 1993.

“A decisão de Bolsonaro pode não fazer sentido segundo motivos pelos quais partidos são construídos, mas, posto o seu discurso antissistêmico, estar no PSL era, de certa forma, contraditório. A briga com o partido é alinhada com seu discurso antipartidário. Criar um partido sem o nome de partido e que leva o nome de ‘Aliança Pelo Brasil’ se encaixa bem com sua ideia de que ‘o Brasil é o meu partido'”, avalia.

A pesquisadora examina que a criação da Aliança Pelo Brasil foge do motivo originário do processo de instituição dos partidos, se considerados princípios correntes desde o século XVII relacionados aos fundamentos de uma democracia. Segundo ela, a concepção de um partido passa pelo objetivo de narrar um conjunto de ideias com um agrupamento de preferências da população para alavancá-las em um sistema representativo.

Jair Bolsonaro

Bolsonaro, por sua vez, em oportunidades anteriores, já demonstrou indiferença aos princípios que legitimam a criação de um partido e chegou a considerar a possibilidade de ser um “presidente sem partido”, como declarou a jornalistas em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, no fim de outubro: “Tanto faz eu estar com partido ou sem partido”.

A decisão em criar uma nova sigla, então, atende a um objetivo de obter o controle de uma máquina, privilégio atraente para o posto e que, para a pesquisadora, justifica parcialmente a quantidade de legendas existentes hoje no país. A opinião da estudiosa condiz com a declaração do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, em 12 de novembro, ao saber da nova empreitada de Bolsonaro: “Brasil já tem partidos em demasia”. O TSE tem, hoje, 32 partidos legalizados.

Andréa lembra que o próprio STF estimulou a criação de partidos quando decidiu, em maio de 2018, em favor da permissão da migração para legendas recém-criadas sem perda de mandato para parlamentares. O incentivo seria reforçado também pelo fato de a sigla nova ter direito a recursos. No entanto, apesar de representar uma brecha, não se criou novos partidos baseados nesta decisão.

Outro fator que ela elenca, então, é que a disputa pelo controle sobre uma máquina partidária representa uma dificuldade de convivência na classe política.

“Os partidos no Brasil têm dificuldade em conviver internamente. São pouco democráticos e não conseguem absorver com facilidade novas lideranças. Esses dois fatores fazem com que cada um queira ter o seu próprio nicho”, afirma. “Bolsonaro e o PSL não estão desencaixados do ponto de vista dos ideais. A briga é pelo controle de uma máquina e pelos recursos que o partido pode dar.”

No manifesto da Aliança Pelo Brasil, divulgado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o partido se apresenta como “sonho e a inspiração de pessoas leais a Bolsonaro”. O texto ressalta que a aliança é entre “famílias, pessoas de bem, trabalhadores, empresários, militares, religiosos e todos aqueles que desejam um Brasil realmente grande”. Além disso, afirma que almeja “livrar o país dos larápios, dos ‘espertos’, dos demagogos e dos traidores que enganam os pobres e os ignorantes”.

Na análise de Andréa, a estratégia discursiva é maniqueísta e voltada para um indivíduo, em vez de propor um ideário definido.

“Há um discurso voltado para a personalidade. Não é uma defesa a um conjunto de reformas para tornar o estado mais eficiente, por exemplo. O discurso é sobre um indivíduo que vai salvar todo um contexto. O manifesto é uma definição manual de populismo”, observa.

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