Política

O que mantém um eleitor fiel ao PT?

Por que, mesmo diante da derrocada vivida pelo partido, tantos brasileiros continuam acreditando que a saída está, direta ou indiretamente, nas mãos de Lula

'Não há um eleitor petista, um segmento ou uma característica que explique quem é esse eleitor'
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Por Yan Boechat

Não fosse o português nativo e o apreço pelas novelas da Globo, Telma, Maria e Juliana poderiam ser descritas como mulheres de três continentes distintos, tamanhas as diferenças que separam suas vidas.

Telma Alves Inês tem 50 anos e trabalha como empregada doméstica em São Paulo para ajudar nas contas da casa que divide com o marido e os dois filhos. Maria da Conceição Carvalho já contabiliza 39 aniversários, tem quatro filhos e vive numa comunidade isolada na cidade de Piripiri, no interior do Piauí. Juliana Rocha é uma roteirista com pós-graduação em filosofia, não tem filhos e participa de um coletivo de artistas de rua. Apesar de viverem em mundos que parecem tão distantes entre si, as histórias dessas três mulheres se cruzam a cada quatro anos.

As três fazem parte de um contingente cada vez menor de brasileiros que têm votado no Partido dos Trabalhadores nas eleições presidenciais de maneira fiel e contínua. Nas últimas cinco eleições presidenciais, cravaram 13 na urna eletrônica e deram seus votos ao PT sem se importar com as denúncias de corrupção e as decisões da Justiça que levaram boa parte dos principais dirigentes do partido para a prisão, incluindo seu líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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Depois de elegerem Lula e Dilma por duas vezes, no próximo domingo vão às urnas, no entanto, sem a mesma esperança de anos anteriores, a de tentar levar o candidato do PT, Fernando Haddad, ao Planalto. E, dizem, independentemente do resultado, seguirão apoiando Lula e o PT.

Telma, Maria e Juliana são o que se convencionou chamar de “o eleitor petista”, uma espécie de figura abstrata que engloba tanto estereótipos quanto contradições para aqueles que tentam definir quem são os mais de 25% de brasileiros que seguem escolhendo o Partido dos Trabalhadores como sua sigla partidária.

As três, separadas e juntas, ajudam a entender por que, mesmo diante do massacre vivido pelo partido que comandou o país por mais tempo no seu mais recente período democrático, tantos brasileiros continuam acreditando que a saída para o Brasil está, direta ou indiretamente, nas mãos de Lula.

“Não há um eleitor petista, um segmento da sociedade ou uma característica regional que explique quem é esse eleitor”, diz o cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas. “Ele é multifacetado e está distribuído por diferentes setores sociais, tanto entre os mais pobres e menos escolarizados como entre aqueles que têm alto poder aquisitivo e alta escolaridade, passando por segmentos da classe média baixa ligadas a setores com forte representação sindical”, diz ele. “O que mudou ao longo dos anos foi a composição majoritária desses segmentos. Hoje, claramente, o PT está mais conectado com as classes mais baixas, mais rurais, que foram fortemente influenciadas pelos programas de transferência de renda.”

A análise de Couto pode ser comprovada em números, tanto pelas pesquisas eleitorais quanto pelos mapas de votação do primeiro turno das eleições. A pesquisa Datafolha divulgada no dia 18 de outubro confirma uma tendência apontada por todos os levantamentos ao longo dessa eleição: Haddad só consegue ter a maioria da preferência entre eleitores com ensino básico, que recebem até dois salários mínimo ou que moram na Região Nordeste. Em qualquer outro cenário ou região do país ele é derrotado por Jair Bolsonaro.

Em Piripiri, a cidade de Maria da Conceição, Haddad venceu com quase 60% dos votos. Ali, nessa cidade do estado que mais deu votos proporcionais ao PT no primeiro turno, Bolsonaro não conquistou nem 20% dos votos, em votação muito semelhante com o restante do Piauí. “Lula mudou a vida da gente aqui, depois que ele chegou acabou a fome, acabou a miséria”, conta Maria, explicando a razão de tamanha fidelidade. “Aqui não tem emprego, não tem nada, a terra dá pouco, o Bolsa Família transformou tanto a vida do pobre como a do rico aqui nesse Nordeste”, diz ela, que acredita que Lula foi vítima de uma injustiça.

Nem sempre foi assim. Até 2002, ano da primeira eleição de Lula, Piripiri e o Piauí votaram de forma maciça em candidatos identificados com modelos liberais e de centro-direita. Em 1989, Fernando Collor de Mello derrotou Lula com mais de 60% dos votos no estado. Em 1994 e 1998 foi a vez de o tucano Fernando Henrique Cardoso vencer o PT neste que hoje é o estado mais lulista do Brasil. Naqueles anos, o Partido dos Trabalhadores tinha sua base eleitoral em áreas urbanas e industrializadas, como o ABC Paulista e a periferia de São Paulo, o ambiente onde nasceu.

Telma Alves Inês se lembra desses tempos. Seu marido, um metalúrgico como Lula, conheceu o PT no sindicato e Telma, na igreja. Logo engajaram-se às ideias de igualdade social pregadas pelo partido. Desde então têm votado no PT com uma fidelidade inabalável. “O PT olha para os mais pobres, para os mais necessitados. O Haddad mesmo, quando foi prefeito aqui de São Paulo, fez várias obras na região, melhorou nossa vida”, diz ela. Telma vive no Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, a zona eleitoral da capital paulista que deu mais votos proporcionais ao PT nessa eleição presidencial de primeiro turno. Ela, como poucas pessoas aqui, é beneficiária do Bolsa Família.

A hegemonia petista nessa região popular e operária de São Paulo deixou de ser regra. O Jardim Ângela foi um dos poucos bairros da Grande São Paulo que deu vitória ao PT nestas eleições. Na Capital Paulista, nas 58 zonas eleitorais que reúnem quase 9 milhões de eleitores, em apenas 4 Fernando Haddad teve a maior parte dos votos.

“O sentimento é de frustração. Quando vemos um candidato que defende a violência e a ditadura conquistar tantos votos na nossa região, precisamos perguntar onde erramos”, diz o padre Jaime Crowe, um religioso católico irlandês que está no Brasil há quase 50 anos e tem uma relação íntima com o PT. Padre Jaime, como é conhecido, é o pároco da Igreja dos Santos Mártires, no Jardim Ângela. Radicado no bairro há 32 anos, ele é um dos principais ativistas na luta contra a violência e a desigualdade social nesta região. Não à toa, uma grande imagem do revolucionário argentino Che Guevara divide uma parede na Casa Paroquial da Igreja com outras figuras religiosas.

Assim como em outras regiões do País, o discurso de que o PT ameaça implantar uma “ditadura comunista” libertina no Brasil também faz eco junto ao rebanho de Padre Jaime e em toda a periferia paulista. “Dizem que Bolsonaro é nazista, mas se esquecem que o nazismo é de esquerda. Haddad quer fazer como Lula e liberar o aborto no Brasil”, conta Anderson Elias, de 24 anos, que toca violão no coral da igreja de Padre Jaime.

É o que o cientista político e professor do Insper, Carlos Melo, chama de fetichização do PT. “Quem ouve esse discurso se imaginará no contexto da Guerra Fria; acreditando que há em Moscou um Josef Stálin, que um muro em breve será erguido na Alemanha, que Fidel Castro desencaminha os jovens da América Latina, que Luiz Carlos Prestes e Leonel Brizola estão prontos para o assalto final ao poder, no Brasil. Se muito disto já era delírio no passado, o que dizer de hoje?”, escreveu ele em um recente artigo a respeito do candidato ao governo de São Paulo João Doria, que, apesar de ser do PSDB, adotou a cartilha de Jair Bolsonaro para tentar conquistar seus eleitores.

A roteirista Juliana Rocha vive distante desse mundo. Moradora dos Jardins, uma área nobre de São Paulo, vizinha à avenida Paulista, ela não tem amigos que votam em Jair Bolsonaro. Nem parentes. Só vizinhos. “Aqui no prédio têm uns loucos, fazem algum barulho, mas ainda não chegam a incomodar”, conta ela.

Estudante de mestrado na mais elitista das universidades públicas brasileiras, a USP, ela vota em Lula e no PT desde que se lembra. “Lula transformou o Brasil, tirou milhões de pessoas da miséria, acabou com a fome no Nordeste”, conta ela, que prefere passar suas férias visitando festivais de música na Europa do que a conhecer o que ela chama de Brasil profundo.

Juliana faz parte de uma classe média alta, escolarizada, que há pelo menos duas gerações têm dado apoio ao PT. Mas, assim como na periferia de São Paulo, eleitores como Juliana estão abandonando o partido após tantos escândalos de corrupção. “Muitos dos meus amigos estão mais próximos do PSOL, acham que Guilherme Boulos (candidato derrotado à Presidência pelo PSOL) é o caminho para a esquerda no Brasil”. Ela, por enquanto, se mantém fiel. Não se sabe até quando.

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