Política

O que esperar da oposição na volta do recesso parlamentar?

No segundo semestre, os parlamentares da oposição buscam superar a amarga derrota na votação da Previdência

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“Tratoraremos, votaremos e venceremos. Simples assim.” O tripúdio da líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann, ecoava na Câmara dos Deputados na véspera da votação da reforma da Previdência. E a profecia dela se cumpriu. Os 379 votos favoráveis às mudanças na aposentadoria superaram apostas de governistas e encerraram o semestre com uma derrota amarga para a oposição, que reuniu apenas 131 votos contrários. A volta do recesso parlamentar, na segunda-feira 5, traz desafios ainda maiores, como resistir ao ambicioso plano de privatizações tramado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e que pode alcançar o valor recorde de 1 trilhão de reais. Diante disso, somam-se incertezas sobre a capacidade dos opositores de barrar retrocessos anunciados. 

A derrota na votação da Previdência escancara as dificuldades dos partidos de oposição em manter unidade em suas próprias bancadas. A traição mais polêmica, da deputada Tabata Amaral, não veio sozinha: outros sete deputados do PDT ignoraram a orientação da sigla, que fechou questão em relação ao tema, e votaram a favor do projeto do governo. No PSB, 11 dos 32 deputados da sigla desobedeceram o acordo de votar contra.

Apesar de apoiar a agenda econômica do governo, a maioria no Congresso não referenda tudo que o presidente da República propõe. A falta de articulação com parlamentares da própria base e as declarações impróprias de Jair Bolsonaro fizeram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, designar a Casa como “blindada” da “usina de crises” do governo. Embates com o “Centrão” e a inexperiência de alguns membros do PSL criaram a impressão de que, na verdade, não é entre as legendas da esquerda que o Palácio do Planalto enfrenta reais obstáculos. 

Apesar dos reveses na Previdência, os opositores negam estar enfraquecidos. “Com certeza, não”, rebate o deputado Alessandro Molon, líder da oposição na Câmara, em resposta a CartaCapital. “Conseguimos fazer uma série de mudanças no projeto original que foram grandes vitórias da oposição, como a retirada das perversas mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e do sistema de capitalização.”

Apesar dos reveses, Molon e Rocha negam que a oposição esteja enfraquecida

O parlamentar do PSB diz não enxergar dificuldades para unir as siglas de esquerda. “O próprio governo está conseguindo construir unidade contrária às suas propostas, não apenas entre a oposição, mas em setores mais ao centro.” Segundo Molon, entre as conquistas nos últimos meses estão o impedimento da retirada da Fundação Nacional do Índio do Ministério da Justiça e a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, extinto por Bolsonaro em Medida Provisória de janeiro. “Foram muitas as vitórias.” 

Para o segundo semestre, o deputado afirma que a oposição deve ser mais propositiva. “Reduzimos danos de uma reforma mais cruel do que a aprovada e resistimos a alguns retrocessos que o governo tentou impor. Mas é fundamental que a oposição seja mais propositiva. Ou seja, apontar melhor as alternativas às políticas defendidas pelo governo.” Molon indica como prioridades a tentativa de barrar a privatização do sistema de saneamento básico e a apresentação de propostas para recuperar o crescimento econômico, com investimentos públicos e incentivos para a demanda e a geração de emprego e renda.

A oposição no Senado também terá gigantescos desafios. Para os governistas, a reforma da Previdência é dada como favas contadas na Casa Legislativa. Há ainda a indicação de Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do presidente, para a embaixada brasileira nos EUA, que já conta com maioria de votos favoráveis, segundo os cálculos do senador Fernando Bezerra Coelho, do MDB. 

Governistas “tratoraram” ao aprovar mudanças nas  regras de aposentadorias

Para o líder do Bloco Parlamentar de Resistência Democrática, o petista Paulo Rocha, a esquerda não sofreu exatamente uma derrota na Câmara, porque não era contra a necessidade de reformar a Previdência, “e sim à forma da capitalização”. O senador diz que a estratégia será ganhar tempo com a votação, para criar condições de novas mobilizações populares e contrapor “ataques aos trabalhadores” que permaneceram na proposta. Sobre a indicação do filho do presidente à embaixada, o senador diz que “o bolsonarismo é forte” no Senado, mas que a oposição vai aproveitar as etapas do processo para levantar o debate. “Vamos fazer todos os questionamentos e usar o regimento para construir maioria.”

Doutor em Ciência Política e professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Nelson Rojas de Carvalho faz um diagnóstico oposto. Ele enumera que as principais dificuldades da oposição são a ausência de unidade e a contaminação com o antipetismo, movimento forte durante o impeachment e as eleições, que ainda abastece o governo. O pesquisador também cita um cenário desfavorável, graças à equação midiática que favorece a venda do patrimônio nacional, por meio do senso comum do “Estado corrupto”. 

No segundo semestre, os parlamentares da oposição buscam superar a amarga derrota na votação da Previdência

No olhar do professor, a oposição tem baixa capacidade de vocalização e não aparece para a sociedade como “um polo de poder alternativo”, como o sinalizado por Rodrigo Maia. “O vazio e a fraqueza da oposição são elementos da conjuntura que saltam aos olhos. Na verdade, o que há é uma oposição no próprio campo conservador, entre Congresso e Executivo”, avalia. “O protagonismo oposicionista ao governo tem sido ocupado pelo Congresso. Só que o Congresso converge com a equipe econômica do Planalto.” 

No campo congressual, para Carvalho, resta o óbvio: defender os ativos estatais e desmontar a figura do presidente. O fundamental, no entanto, é disputar as ruas. “Mesmo com o desgaste no governo, eu não esperaria um caminho de recuperação da oposição. Mas o episódio mais importante do primeiro semestre, em ameaça ao governo, foi a ocupação das ruas pela educação. Então, devemos assegurar articulações que orbitem a rua e a sociedade civil, o protagonismo de novas lideranças e a garantia da unidade. Do contrário, será goleada.”

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