Política

O PT precisa se reinventar, diz governador eleito no Ceará

Ex-deputado estadual, Camilo Santana surge como um dos novos nomes do partido e defende prioridade para as “reformas importantes” pedidas nas ruas

O nome de Camilo Santana é uma homenagem ao padre colombiano Camilo Torres, que aderiu à guerrilha na década de 1960
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As eleições deste ano deram ao PT a chance de governar, pela primeira vez, o estado do Ceará. Apoiado pelo atual governador Cid Gomes (PROS), Camilo Santana (PT) superou Eunício Oliveira (PMDB) e foi escolhido para o cargo. Com a reeleição apertada da presidenta Dilma Rousseff e a diminuição da bancada petista no Congresso, que analistas defendem como indício do possível esgotamento da legenda, Santana surge como um dos novos nomes do partido para a política nacional. Em entrevista a CartaCapital, Santana afirma que o PT precisa “voltar a discutir formação política e se reinventar”.

“Sempre defendi que o PT precisava se reinventar, se reciclar, voltar a discutir a formação política”, afirmou antes de admitir que o partido se afastou das suas origens. “É natural, quando um partido cresce muito, ele fugir um pouco às origens. Essa é uma discussão interna que é fundamental. É um grande partido, um partido democrático, que tem discussão, vida. Um partido no qual seus militantes têm vida, têm poder de decisão. É um partido orgânico”, defende.

Ex-deputado estadual, Camilo Santana começou na política pelo PSB e foi derrotado duas vezes na disputa pela Prefeitura de Barbalha, cidade localizada a aproximadamente 500 km de Fortaleza. Ganhou projeção durante os mandatos de Cid Gomes: primeiro como secretário de Desenvolvimento Agrário e depois como titular da Secretaria de Cidades. Filho de outro quadro antigo do PT, o ex-deputado Eudoro Santana, o governador eleito ganhou esse nome em homenagem ao padre colombiano Camilo Torres, que aderiu à guerrilha pelo Exército de Libertação Nacional, na década de 1960.

O governador eleito, no entanto, chamou a atenção por defender durante a campanha bandeiras associadas normalmente ao PSDB, como a meritocracia no serviço público. Além disso, uma das suas principais propostas para a área de segurança é melhorar um programa de policiamento ostensivo, chamado Ronda do Quarteirão, em que os moradores de um bairro podem ligar diretamente para a viatura policial responsável pela região. “O fato de ser do PT ou do PSDB não importa. O importante é que as boas ideias, independente de que classe seja, precisam ser absolvidas”, rebate.

Além de Camilo Santana, o PT terá no nordeste os governos do Piauí, com Wellington Dias, e da Bahia, com Rui Costa, estados que fazem divisa com o Ceará. Questionado sobre formas de integração regional, ele elege como prioridade ajudar a presidenta Dilma a fazer “reformas importantes”. “As ruas pediram isso. Precisamos urgentemente de uma reforma política.”

Leia a entrevista na íntegra:

CartaCapital: Umas das principais bandeiras da sua campanha foi o Ronda do Quarteirão, um programa de segurança que trata a criminalidade como um problema policial. Isso não difere do que o PT defendeu historicamente?

Camilo Santana: Na verdade, o Ronda do Quarteirão foi criado em 2008 pelo Cid e funcionou muito bem até 2012, quando houve paralisação da polícia do estado. A partir dali, houve uma desorganização do programa, quebrou um pouco a hierarquia. O programa fugiu um pouco da origem. De 2012 a 2013, tivemos um elevado índice de violência. Eu propus reorganizar o Ronda, voltar ao papel original e também ampliar um pouco mais um tipo de polícia que é a polícia ostensiva no estado, principalmente contra o tráfico de drogas. [Precisamos] Colocar bases nessas áreas e fazer uma ação integrada para atacar a causa dessa violência, que é a falta de oportunidade aos jovens.

CC: Esse programa foi bem avaliado por passar uma sensação de segurança para as pessoas. Você realmente acredita que ele ajuda a diminuir os índices de violência?

CS: É o seguinte: teve essa fase do Ronda, mas, no início deste ano, teve uma fase a mais, que foi um programa chamado Em Defesa Da Vida. O estado foi dividido em 18 áreas de integração de segurança. A meta é diminuir em 6%, a cada trimestre, os homicídios e assaltos em cada uma dessas áreas e dar uma bonificação para os policiais. Há mais ou menos 9 meses que o programa está funcionando. É uma experiência nova que está dando resultado. Estou convencido de que, para resolver o problema da segurança e violência, vamos progressivamente universalizar escolas em tempo integral. Já estamos com 107 escolas profissionalizantes. Antes, não tinha nenhuma. Para você ter uma ideia, a cada dez alunos que entram na escola profissionalizante hoje, seis já estão empregados. Essa é a estatística que a gente tem. É importante fazermos algumas ações na área do atendimento efetivo. Mas a causa do problema a gente precisa atacar. A única solução é investir em educação, que é uma forma de você proteger o jovem e preparar para o futuro. Cerca de 70% dos municípios do Ceará têm alguma relação com o tráfico de drogas. Isso é uma coisa que a gente quer mexer fortemente. Esse é o compromisso que assumi durante a campanha.

CC: A questão da bonificação remete a outro ponto da sua campanha, que é a meritocracia. Esse é um tema que, na campanha presidencial, foi usado principalmente pelo Aécio Neves. Isso não o distancia do PT?

CS: São coisas que eu defendo. Acho que a gente tem que valorizar e premiar as pessoas pelo mérito, e esse tem que ser um princípio do serviço público. Eu propus que, da mesma forma como foi implementada na área da segurança, levar para a saúde. Até porque é uma forma de valorizar os bons profissionais. Inclusive serve para você identificar onde está bom e onde está ruim para corrigir. O próprio paciente vai fazer uma avaliação. Vai entrar numa UPA, numa Policlínica, num hospital, e vai fazer uma avaliação da qualidade do atendimento. A equipe toda vai receber a premiação. É uma forma de criar espírito de equipe e garantir o melhor serviço para a população.

CC: Incomoda essa proposta ser tão associada ao PSDB?

CS: Eu acho o contrário. Nós que somos do PT, eu, pelo menos, defendo isso há muito tempo. O fato de ser do PT ou do PSDB não importa. O importante é que as boas ideias, independente de que classe sejam, precisam ser absolvidas. Estamos falando do bem da população, do bom resultado. Essa ideia, inclusive, foi minha nesta eleição. Fomos nós que fizemos essa proposta.

CC: Por que só agora o PT conseguiu assumir o governo do Ceará? Por que essa dificuldade?

CS: Nas últimas eleições o PT não lançou candidato, não lançou candidato em 2006. Apoiamos o governo Cid Gomes. Indicamos o vice. Não é que o PT teve dificuldade, o PT tem sido aliado. Agora se lançou com o apoio do atual governador e graças a Deus fomos vitoriosos. Não é questão de dificuldade de ser governo. É que estávamos defendendo um projeto de partidos aliados.

CC: Bahia, Piauí, Ceará e Maranhão terão governo do PT ou aliados. São estados que fazem divisa entre si. O senhor pensa em algum tipo de integração que possa beneficiar a região?

CS: Acho que quero primeiramente ajudar a presidenta Dilma. Há a necessidade de algumas reformas importantes no Brasil. As ruas pediram isso. Precisamos urgentemente de uma reforma política e quero me reunir com os governadores do Nordeste para discutir uma pauta com e para a região. Não só com os governadores do PT, mas com todos os governadores do Nordeste.

CC: Na campanha presidencial, foi discutida a transposição do rio São Francisco, que está em boa parte no Ceará. Como o senhor vê a demora na conclusão das obras e sua importância para a região?

CS: Essa é uma obra que se conclui agora em 2015. Todos os trechos do Ceará já estão em obras. O Ceará partiu na frente e está fazendo um outro eixo de transposição a partir do São Francisco. Vamos pegar água do São Francisco e levar para o sul do Ceará. Em parceria com o governo federal, fizemos uma construção de 250 km de canal que hoje abastece Fortaleza e a região metropolitana. Se não fosse isso, estaríamos com um colapso de falta de água. São Paulo está passando por um problema de falta de água hoje, e 3 milhões de pessoas não têm esse problema na região metropolitana de Fortaleza por conta dessa construção. O grande problema do Ceará é o lado oeste. Nós vamos levar parte do São Francisco para lá. Já tem 150 km em obras, o chamado Cinturão das Águas, uma obra paralela à transposição. Está bem adiantando. A outra grande obra foi a Transnordestina, que liga o Ceará ao Piauí e a Pernambuco. São duas infraestruturas importantes para o Ceará e o Nordeste.

CC: A questão da Transnordestina também foi muito abordada na eleição presidencial, e foi alvo de críticas pela demora na conclusão das obras. O que o governo Cid Gomes deixou de fazer que poderia ajudar o governo federal?

CS: Eu mesmo cobrei o governo federal. O problema que existia era uma disputa entre a empresa em relação a valores com o governo. O importante é que foi resolvido. Foi dada uma ordem de serviço de 153 km. É um bom trecho da ferrovia e será fundamental para o futuro do Ceará. Até porque vai ser o eixo para que a gente possa descentralizar o desenvolvimento do estado com a siderúrgica e com a refinaria. A ideia é que a gente tenha um polo metalmecânico no interior do Estado com a refinaria, e queremos criar um polo petroquímico. Vamos tentar atrair também uma montadora de veículos para o estado com o objetivo de conseguir também novos investimentos para o estado e geração de novos empregos.

CC: No Ceará, o Produto Interno Bruto (PIB) está concentrado em pouco municípios centrais, enquanto que há uma extrema pobreza espalhada por regiões periféricas. Como o senhor pensa levar oportunidades para essas áreas?

CS: Essa é uma questão que foi se acumulando ao longo da história do Estado. As pessoas foram migrando do interior para a capital e região metropolitana não só por mais oportunidade como por conta dos serviços também. Vou te dar um exemplo da saúde. O Ceará não tinha um equipamento público de saúde do Estado no interior. O Ceará não tinha uma escola profissionalizante, não tinha universidades também. Eu, por exemplo, precisei vir pra Fortaleza porque não tinha faculdade no interior. A lógica está se invertendo. Nós construímos hospitais no interior, UPAs, escola profissionalizantes, universidades. E a gente precisa levar emprego também. Criar oportunidades para que as pessoas tenham emprego onde elas vivem. O Ceará tem uma vocação para agriculta, mas nós dependemos muito da chuva. Com o Cinturão das Águas vamos conseguir ampliar isso. Somos um dos maiores exportadores de flores, mel. Com a água, a gente pode fortalecer tudo isso. Com a siderúrgica, quero levar esse setor do polo de metalomecânico para o interior do estado. E a Transnordestina é fundamental para baratear o frete em quase 90%, tanto para trazer o aço do interior como para levar os produtos para outras regiões. Vamos incentivar que quanto mais as empresas se instalarem longe da capital maior será o incentivo fiscal do estado. E criar polos regionais no interior. Claro que não vamos reverter isso em quatro anos. É um processo. Além de qualificar a mão de obra, pretendo lutar muito para trazer, por exemplo, uma montadora de veículos para o Ceará, mas quero ela no interior do Estado. Até porque Fortaleza não tem mais espaço para esse tipo de atividade. Então a Transnordestina é fundamental para o escoamento da matéria-prima e industrializada.

CC: Cid teve muitos problemas em relação aos professores ao dizer que eles deveriam lecionar por amor e não por dinheiro. Como você pretende se reaproximar da classe no seu mandato?

CS: Nós tivemos o apoio do Sindicato dos Professores. O Ceará foi o primeiro estado a implementar o Piso Nacional para os Professores. Foi o primeiro estado do Brasil a passar de 60% para 80% do Fundeb para os professores. A relação dos professores de Ensino Médio com o governo é excelente. Até porque a secretária de Educação do Estado é uma referência nacional, que é minha vice hoje [Izolda Cela]. Estamos implementando a maior rede nacional de escolas profissionalizantes. O Ceará não tinha nenhuma escola profissionalizante. Tem 107 agora. A relação nessa área é muito boa. Eu não consigo enxergar essa situação. Vamos manter o diálogo, muito diálogo. Sempre com muita transparência, responsabilidade. Esse tem sido sempre o discurso que tenho colocado para todos os segmentos, não só para educação, como para segurança pública e saúde.

CC: O senhor prometeu durante a campanha ampliar o Minha Casa, Minha Vida. Por que acredita que Cid Gomes deixou de construir casas populares?

CS: Assumi a secretaria das Cidades em 2011, e realmente o desempenho era baixo, porque a parceria do programa, geralmente, é entre os municípios e a União. E o estado resolveu entrar como articulador disso. Eu, com essa iniciativa, comecei um comitê com a participação da Caixa Econômica Federal, sindicatos da construção civil e as companhias de energia, água e esgoto. A gente resolveu criar esse comitê e aprovamos uma lei na Assembleia permitindo que o estado pudesse aportar recursos onde fosse necessário. Em Fortaleza, o Minha Casa, Minha Vida 1 tinha construído 2.900 unidades, e 1.900 estavam paradas porque a construtora tinha paralisado as obras. No Minha Casa Minha Vida vida 2, o estado contratou 30 mil unidades. Tivemos avanços significativos nessa área e eu pretendo ampliar ainda mais.

CC: O senhor falou com o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma após a eleição? O que conversaram?

CS: Conversei com ela, parabenizei, e combinamos de conversar pessoalmente na próxima semana. O que vou pedir a ela e já pedi por telefone é para aumentar as parcerias. Conversei com o Lula na quarta-feira e compreendi a ausência dele na campanha por conta do projeto maior, que foi a campanha para a reeleição da presidenta Dilma. Combinamos de eu ir a São Paulo para tomar uma café e discutir o futuro.

CC: Sobre a possibilidade de o governador Cid Gomes ser ministro do governo Dilma, você está torcendo por isso?

CS: Olha, o governador tem dito publicamente que, por ora, quer passar um tempo no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Ele foi convidado. O governador é um extraordinário gestor, tem visão de futuro. Poderá ou pode seguir em qualquer espaço e função no Brasil ou no exterior. Até o momento, o que ele tem colocado publicamente é que a intenção dele é esta: ir para o exterior e trabalhar no BID.

CC: O seu pai, Eudoro Santana, um ex-deputado que era quadro antigo do PT, deixou o partido há algum tempo e alegou divergências com a legenda. Por que ele saiu realmente? E o que você achou?

CS: Eu sempre defendi que o PT precisa se reinventar, se reciclar, voltar a discutir a formação política. É natural, quando um partido cresce muito, ele fugir um pouco às origens. Essa é uma discussão interna que é fundamental. É um grande partido, um partido democrático, que tem discussão, vida. Um partido no qual seus militantes têm vida, têm poder de decisão. É um partido orgânico. Foi uma decisão dele, pessoal. Saiu do partido, mas também não se filiou a nenhum partido, acho que pela idade [ anos]. Foi uma decisão dele e particular.

CC: Depois do resultado que deu vitória à presidenta Dilma, o Brasil viu uma parte dos eleitores disseminarem preconceito contra o Nordeste. Como o senhor, um nordestino, acompanhou essa questão?

CS: Eu recrimino totalmente qualquer tipo de discriminação. Isso é um absurdo. O Brasil tem que se unir, tem que estar unido. Todos nós temos que pensar muito nas pessoas que mais precisam. O Lula e a presidenta Dilma deram uma grande contribuição ao Brasil. O País saiu do Mapa da Fome. Talvez as pessoas não saibam o que é passar fome. E a concentração da pobreza sempre foi mais forte no Nordeste e no Norte. Então, nós estamos vendo as pessoas terem mais oportunidades. As pessoas não tinham direito a ter uma casa, e hoje têm. Não tinham direito a entrar na universidade, e agora podem. Têm direito de comprar máquina de lavar, geladeira, viajar de avião. Era privilégio de poucos. As pessoas estão felizes com isso. Com todo o respeito, isso é um preconceito e precisa ser recriminado. A eleição passou e Dilma é presidenta de todos os brasileiros. Eu sou governador de todos os cearenses e isso faz parte da democracia. Isso precisa ser respeitado. É a vontade da maioria.

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