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Gilberto Kassab interfere na sucessão da Câmara, de olho em um projeto de poder bem maior

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Imagem: Yuri Salvador/MCTI
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Gilberto Kassab, presidente do PSD e homem forte do governo de Tarcísio de Freitas em São Paulo, quer seu partido no comando da Câmara dos Deputados a partir de fevereiro. Desde o fim do ano passado, não perde uma chance de ir a Brasília defender a candidatura do líder da bancada, o baiano Antonio Brito. Em 9 de julho, esteve na cidade sob o pretexto de uma comemoração coletiva do aniversário de parlamentares pessedistas. Alguns ministros do governo Lula, o PSD tem três, compareceram. Idem Valdemar Costa Neto, o presidente do PL, sigla do inelegível Jair Bolsonaro. O dono do restaurante que sediou a festa é, aliás, fã do capitão e fazia parte daquela turma de empresários pronta a apoiar um golpe de Estado. A certa altura do convescote, Costa Neto cochichou no ouvido de Kassab. Mais tarde, contou a jornalistas o que tinha dito: “Vou meter o ferro em você”.

Kassab e Costa Neto são dois “empresários da política”, teoriza um petista que foi autoridade em Brasília. Controlam muito dinheiro graças a dois fundos públicos. O eleitoral, distribuído em todas as campanhas, e o partidário, anual. Na soma de ambos, o PSD terá recebido 850 milhões de reais de 2022 a 2024 e o PL, 1,4 bilhão, cifras que os colocam entre os cinco partidos mais ricos. Para Costa Neto, Kassab quer fazer de Freitas o ­presidenciável reacionário em 2030, a fim de tomar politicamente São Paulo para si. Aconteceu algo parecido quando o pessedista era vice-prefeito da capital paulista. Assumiu a prefeitura em 2006 e reelegeu-se em 2008, após o tucano José Serra deixá-la para concorrer a governador. No plano kassabista de agora, o atual governador tentaria a reeleição em 2026 com Kassab na chapa. O vice atual já é do PSD, indicado pelo chefe da sigla. “(Kassab) Não vai ser (vice) porque não vamos deixar”, disse Costa Neto ao portal Metrópoles.

A posição do líder do PSD o coloca em rota de colisão com Valdemar Costa Neto

A sede de poder de Kassab passa por levar o PSD a reinar na Câmara, outra ambição conflitante com as pretensões de Costa Neto. O pessedista tornou-se peça-chave na sucessão de Arthur Lira, do PP de Alagoas. A rinha do PL com ele é uma das razões para o líder do PT, o mineiro Odair Cunha, ser a favor de embarcar imediatamente na candidatura do paraibano Hugo Motta, do Republicanos, nome abraçado por Lira recentemente. Petistas comentam nos bastidores que permitir ao PSD mandar na Câmara seria fortalecer Kassab demais, o que gente no dito “Centrão” não admitiria. Brito é visto como submisso ao dirigente. O Palácio do Planalto prefere esperar o fim das campanhas municipais antes de tomar uma posição. O presidente Lula, embora tenha feito chegar várias vezes à praça que não tem a intenção de se meter no assunto, se encontrou com Brito (em 16 de setembro), Motta (dia 4) e Kassab (dia 3).

Na conversa com Kassab, Lula pediu-lhe para abandonar Brito. Tinha abertura para tanto. O PSD, repita-se, possui três ministros: Alexandre Silveira (Minas e Energia), André de Paula (Pesca) e Carlos Fávaro (Agricultura). Um colaborador de total confiança de Kassab é secretário de Política Agrícola no time de Fávaro. É o ex-deputado paulista Guilherme Campos, empossado após aquela lambança federal no leilão de compra de arroz para os gaúchos vítimas das enchentes. Desde 2023, Campos era o superintendente do Ministério da Agricultura em São Paulo. Lula e seus conselheiros palacianos achavam que o jóquei mais conveniente para substituir Lira, dadas as circunstâncias e a correlação de forças no Congresso, era Marcos Pereira, o capixaba eleito por São Paulo e presidente do Republicanos. Seu partido é outro no primeiro escalão. O deputado pernambucano Silvio Costa Filho está à frente da pasta de Portos e Aeroportos. Kassab não topou largar Brito. Em conversas reservadas após o encontro com Lula, falou das chances de vitória do PSD, até citou números.

Costa Neto, do PL, tenta manter de pé a cidadela – Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil

Motta, o líder do Republicanos, entrou no páreo justamente em razão da decisão de Kassab. Pereira tinha um acordo com Brito de apoio mútuo. Caso um fosse mais competitivo, o outro sairia de cena. O chefe do PSD “matou” o pacto, daí Pereira e Lira sacarem Motta da algibeira. “O Gilberto inviabilizou a minha candidatura”, declarou Pereira à Folha de S. Paulo em 4 de setembro. “Vou olhar para ele lembrando que ele me impediu de ser presidente da Câmara.” Palavras de alguém magoado. Seria mais um com ganas de “meter o ferro” em Kassab? Ressalte-se: Freitas é do Republicanos, mas volta e meia circula o boato de que poderia trocar a legenda pelo PL de Costa Neto.

Alguns deputados estaduais do PL em São Paulo têm estado uma fera com o governador, dadas a proximidade dele com Kassab e a visão do secretário sobre Bolsonaro. Antes de dar voz a esses paulistas, miremos três deputados federais nordestinos do partido. Costa Neto tem motivo para preocupar-se com uma tentativa de “meter o ferro” neles. Paulo Gonet, o procurador-geral da República, denunciou Josimar Maranhãozinho e Pastor Gil, ambos do Maranhão, e Bosco Costa, de Sergipe, por corrupção passiva e formação de quadrilha. Segundo a acusação, o trio pediu propina a uma prefeitura do Maranhão em troca de emendas parlamentares propostas em Brasília. Emendas são obras inseridas no orçamento federal por congressistas. O processo movido por ­Gonet no Supremo Tribunal Federal trata de 6 milhões de reais destinados à cidade de São José de Ribamar, a terceira maior do Maranhão, com 244 mil moradores.

Brito, aliado de Kassab, não desistirá da disputa à presidência da Câmara, apesar dos apelos de Lula – Imagem: Pablo Valadares/Agência Câmara

A história começou com denúncia feita em 2020 pelo então prefeito do município, Eudes Sampaio, do PTB, que havia assumido em 2019, após o prefeito eleito em 2016, Luís Fernando, do PSDB, sair do posto para ser secretário estadual. O governador do Maranhão era Flávio Dino, hoje o juiz do Supremo que lidera uma cruzada pela moralização das emendas. Em 20 de agosto, houve uma reunião na Corte entre togados da casa, ministros de Lula, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e Lira, sobre o tema. Durante a conversa, Dino citou as bandalheiras no Maranhão. Lira retrucou que não se podia asseverar que tinham sido com recursos de emendas. “O senhor sabe que foi, eu sei que foi e o senhor sabe que eu sei”, afirmou o juiz, conforme relatos no STF. A propósito: Dino acha que o gigantismo das emendas, 49 bilhões de reais neste ano, acabará naturalmente, diante das medidas moralizadores decretadas pelo tribunal.

De volta ao trio de acusados do PL. Sampaio dizia ter sofrido tentativa de extorsão por parte de um agiota, Josival Cavalcanti da Silva, conhecido como Pacovan. Este agiria em nome dos deputados, seria o cobrador da propina, ou seja, da devolução pela prefeitura de uma parte da verba recebida via emendas. A comissão seria de 25% do valor total. A Polícia Federal entrou no caso após as revelações do prefeito. Foi duas vezes às ruas e a endereços dos deputados, uma em dezembro de 2020, outra em março de 2022. Nas batidas, a PF encontrou anotações e mensagens de celular que mostram quantias e nomes, tudo aproveitado por Gonet na acusação enviada ao Supremo. Não há prova de que os deputados embolsaram a propina. Pela lei, pedir vantagem indevida configura crime de corrupção passiva. O caso corre no STF e está nas mãos de Cristiano Zanin.

Três deputados do PL foram denunciados por desvios de recursos de emendas

Dos três deputados, Josimar, de 47 anos, é o que mais se destaca. Foi o mais votado no Maranhão em 2018 (195 mil votos) e o terceiro em 2022 (158 mil). Em 2008, ao se reeleger prefeito da cidade de Maranhãozinho, declarou 463 mil reais em bens. Em 2014, ao concorrer a deputado estadual, 6 milhões. Ao disputar uma vaga de federal em 2018, o total chegou a 14 milhões. Na eleição de 2022 ao mesmo cargo, 25 milhões. Uma espantosa evolução patrimonial. Ele comanda o PL no Maranhão, está na legenda há mais de 20 anos e é ligado a Costa Neto. Não chega a ser um “bolsonarista”. No PL é assim: há bolsonarista “raiz” e há a turma do presidente do partido.

Na Assembleia Legislativa paulista, “bolsonaristas raiz” andam inconformados com a relação de Freitas com ­Kassab. O secretário estadual de Governo e Relações Institucionais teria poder demais, além de ministério com Lula e certa aversão ao capitão. “Com certeza” Bolsonaro foi o pior presidente com quem Kassab conviveu, disse publicamente o próprio em 2021. Era o ano da CPI da Covid, duríssima contra o então presidente. No comando da comissão, havia um pessedista, o senador Omar Aziz, do Amazonas. Na CPI do 8 de Janeiro de 2023, o relatório incriminador do ex-presidente como autor intelectual do quebra-quebra em Brasília foi de autoria de uma senadora do PSD, Eliziane Gama, do Maranhão.

Josimar Maranhãozinho, Pastor Gil e Bosco Costa não passaram despercebidos pela lupa da PGR – Imagem: Redes sociais e Wesley Amaral/Agência Câmara

Em fevereiro deste ano, Bolsonaro atacou Kassab numa entrevista (“representa o caráter do velho político brasileiro”) e numa mensagem de WhatsApp a aliados (“farsante”). Em junho, o pastor bolsonarista Silas Malafaia cobrou Freitas numa entrevista à Folha de S.Paulo: “Se você quer ser aliado do Kassab, então segue seu caminho”.

As duas turmas do PL têm razões diferentes para a bronca com Kassab e os laços estreitos entre ele e o governador. Os bolsonaristas raiz temem que Freitas abandone o capitão em algum momento para se equilibrar entre o apoio dos extremistas e a pose de “moderado” que a mídia tenta associar a sua imagem. Costa Neto receia perda de espaço no xadrez político-partidário, a começar por São Paulo. Com os poderes da gestão Freitas, Kassab tem “roubado” prefeitos de outras siglas. O PSD elegeu cerca de 60 em 2020, agora conta com cerca de 300, quase metade dos municípios paulistas (645). O dirigente aposta na vitória de 800 postulantes do PSD em todo o País em outubro. Uma dessas apostas o coloca diretamente contra o clã Bolsonaro. É na cidade de Registro, de 59 mil moradores, localizada no sudoeste paulista, uma das regiões mais pobres do estado. O capitão foi criado lá. Seu irmão Renato, nove anos mais moço, é candidato azarão a prefeito pelo PL. O favorito é um aliado do PSD ­kassabista, o ex-deputado federal e ex-tucano Samuel Moreira. O Republicanos, sigla do governador, integra a coligação de Moreira, apesar de Freitas declarar publicamente apoio ao irmão de Bolsonaro.

Confusões paroquiais com reflexos no Congresso e, portanto, no futuro de ­Lula e do País. •

Publicado na edição n° 1329 de CartaCapital, em 25 de setembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O penetra’

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