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O ministro das ruas

Guilherme Boulos apresenta sua estratégia para estreitar a relação do governo com a população

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Orçamento participativo. “Vamos percorrer 30 cidades até junho e, além de levar serviços públicos, queremos ouvir as demandas da população” – Imagem: Leandro Paiva/Redes Sociais Guilherme Boulos
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Guilherme Boulos parece ter levado ao pé da letra a missão confiada por Lula. Não por acaso, batizou seu primeiro programa à frente da Secretaria-Geral da Presidência de “Governo na Rua” – uma definição precisa para a estratégia de levar serviços públicos às comunidades mais desassistidas, mesmo que seja por meio de carretas. Mais que oferecer soluções prontas, a iniciativa também busca ouvir as demandas da população e construir um orçamento participativo. Na entrevista a seguir, o ministro detalha a iniciativa, celebra a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil reais, aponta o fim da escala 6×1 como prioridade para 2026, defende direitos básicos para trabalhadores plataformizados e comenta a prisão de Jair Bolsonaro, após a tosca tentativa de violar a tornozeleira eletrônica com um ferro de solda. “A confissão em vídeo desarmou até os seguidores mais apaixonados. Terminaram o ano desmoralizados”, observa Boulos. A íntegra, em vídeo, está disponível em www.cartacapital.com.br.

CartaCapital: Qual é a proposta do Governo na Rua?
Guilherme Boulos: A ideia é levar as ações do governo federal para todos os territórios, porque muita coisa que fazemos não chega a todos. Uma das principais frentes são as “feiras da cidadania”. A estreia será no Sol Nascente, em Ceilândia (DF), uma das maiores favelas do Brasil. Vamos levar uma tenda do Ministério da Educação para inscrever jovens no Pé de Meia, uma carreta da Saúde com especialistas, outra do Sesi com atendimento odontológico e uma da Caixa com o programa Reforma Casa Brasil, que oferece crédito de até 30 mil reais para famílias reformarem seus lares. Isso terá grande impacto nas periferias, onde muitas vezes a obra fica incompleta: o filho casa, faz um puxadinho, mas precisa rebocar a parede, construir um banheiro… É uma iniciativa nova, poucos sabem como se inscrever. Vamos percorrer 30 cidades até junho e, além de levar serviços, queremos ouvir as demandas da população para construir um orçamento participativo. Aqui, do outro lado da Praça dos Três Poderes, vemos emendas parlamentares rolando soltas no Congresso, sem muita transparência. Se há o “orçamento secreto”, vamos fazer o “orçamento do povo”.

“Zerar o Imposto de Renda de quem ganha até 5 mil reais e taxar os super-ricos é pagar uma dívida histórica”

CC: A relação do governo com o Congresso continua tensa. Como lidar com as resistências? O caminho é pelas ruas?
GB: Lula foi eleito com quase 60 milhões de votos, mas o campo progressista não tem nem um terço da Câmara. É um governo de coalizão. Para aprovar seus projetos, o presidente precisou compor com partidos que não o apoiaram nas eleições, como União Brasil, Republicanos, PP, PSD e MDB. Mas a relação não é tão tensa quanto parece. Se estivesse só em pé de guerra, o governo não teria conseguido aprovar uma de suas maiores realizações: zerar o Imposto de Renda de quem ganha até 5 mil reais e taxar os super-ricos. Estamos falando de uma dívida histórica: fazer os privilegiados colocarem a mão no bolso e aliviar a carga sobre os trabalhadores.

CC: Esse projeto foi aprovado logo após manifestações contra a PEC da Blindagem e a anistia para golpistas…
GB: Sim. De um lado, há um esforço de diá­logo com o Congresso, liderado pela ministra Gleisi Hoffmann, mas não é um trabalho fácil, sobretudo depois que as emendas se tornaram regra. Mas também há a pressão social, isso é inegável. À época, eu ainda não era ministro, mas ajudei a convocar esses protestos, que levaram 1 milhão de brasileiros às ruas. Aqueles atos foram decisivos não só para enterrar iniciativas em prol da impunidade, mas também para tirar da gaveta o projeto de isenção do IR, cuja tramitação se arrastava há seis meses. Reafirmamos isso, por exemplo, na discussão sobre o fim da escala 6×1: o lobby empresarial é brutal e, sem mobilização nas ruas e nas redes, dificilmente o trabalhador terá redução de jornada.

CC: Essa é uma agenda prioritária para 2026?
GB: Sem dúvida. Ontem estive com Gleisi­, os ministros Sidônio Palmeira e Luiz Marinho, além de parlamentares que têm projetos sobre redução de jornadas, como a deputada Érika Hilton e o senador Paulo Paim. Há algum tempo, foi instalada uma comissão na Câmara para debater o fim da escala 6×1, mas o relator Luiz Gastão acabou de apresentar um texto que a mantém. É inaceitável. Fizemos uma coletiva no Planalto para reiterar que essa é uma proposta prioritária tanto para o governo quanto para o presidente Lula.

Fim da escala 6×1. “Sem mobilização, não tem como vencer o lobby empresarial” – Imagem: Coletivo Educação em Primeiro Lugar/Carol Mendonça

CC: O senhor receberá entregadores de aplicativos nesta semana. Como tem sido a relação do governo com esses trabalhadores plataformizados?
GB: A esquerda tem enfrentado, em vários países, dificuldades para construir relações nesse novo mundo do trabalho. Estamos falando de quem está na informalidade, dos autônomos, dos nanoempreendedores, dos que prestam serviços por plataformas. Em geral, esses trabalhadores são mais fragmentados e um tanto refratários à organização sindical. Aproximar-se desse setor não é um desafio apenas para o presidente Lula, mas para o campo progressista globalmente. Estamos tentando avançar na perspectiva de garantir direitos a quem não tem a proteção da CLT.

CC: Eles querem a proteção da CLT?
GB: Todo mundo quer férias, descanso semanal, 13º salário e aposentadoria. Mas, até pela precarização da reforma de Temer em 2017, muitos rejeitam o emprego celetista devido aos baixos salários e às longas jornadas, inclusive na escala 6×1. Hoje, os motoristas de aplicativo valorizam, por exemplo, a possibilidade de esticar o trabalho em um dia para poder acompanhar o filho ao médico no outro. O problema é que os aplicativos transformam essa flexibilidade em superexploração, graças à ausência de regulação adequada.

CC: O que o governo propõe?
GB: Primeiro, garantir piso mínimo de rendimento. É injusto: essas plataformas de transporte apenas fazem a intermediação tecnológica e cobram até 50% das corridas. Não têm carro, não trocam pneus, não colocam combustível, só mantêm a plataforma funcionando. O porcentual deveria ser fixo e limitado. No caso dos entregadores, as rotas são agrupadas para reduzir pagamentos por entrega, e ninguém sabe como funcionam os algoritmos. Além disso, precisamos debater a Previdência: um dia esses trabalhadores não poderão mais trabalhar. Vão ficar sem aposentadoria? E se sofrerem acidentes? As contribuições deveriam ser custeadas principalmente pelas empresas, com uma contrapartida mínima dos trabalhadores.

CC: Bolsonaro foi preso e, ao contrário do que diziam seus aliados, não houve convulsão social. Qual a força do bolsonarismo hoje?
GB: Os bolsonaristas perderam capacidade­ de mobilização. Antes lotavam avenidas, mas os atos estão cada vez menores. Não houve comoção com a prisão, e as circunstâncias ajudaram: diziam que a prisão domiciliar era injusta, que não havia risco de fuga, mas Bolsonaro foi flagrado tentando violar a tornozeleira com um ferro de solda. A confissão em vídeo desarmou até os seguidores mais apaixonados. Terminaram o ano desmoralizados.

“Tarcísio é o candidato da direita e também do sistema. É o queridinho da Faria Lima, dos bancos e das fintechs

CC: Quem assume o espólio de Bolsonaro na disputa com Lula?
GB: Tarcísio de Freitas trabalha dia e noite com esse propósito, mas permanece em cima do muro para não melindrar o clã Bolsonaro e por reconhecer a força eleitoral de Lula. Está claro que ele é o candidato da direita e do sistema. É o queridinho da Faria Lima, dos bancos, das fintechs…

CC: E o senhor, disputará cargo eletivo em 2026?
GB: Entrei na Secretaria-Geral em outubro. Para concorrer, teria de me desincompatibilizar em abril, como prevê a lei. É difícil desenvolver um trabalho completo em tão pouco tempo, então pretendo permanecer até o fim com Lula. Mas também tenho o compromisso de ajudar a construir o palanque em São Paulo, o mais populoso do País. Se Tarcísio se lançar à Presidência, a esquerda tem chances de vencer no estado. Afinal, qual foi sua grande realização? A venda da Sabesp? Prometeu reduzir tarifas, mas a empresa privatizada já anunciou um aumento de 6% na conta de água. E espalhou pedágios invisíveis, o tal Free Flow, que multam se você não notar ou esquecer de pagar. Os eleitores não são bestas, percebem essas coisas.

CC: As pesquisas ainda não captaram essa insatisfação…
GB: Se for candidato à reeleição, Tarcísio ainda é favorito, porque controla a máquina estadual. A oposição é minoritária na Assembleia Legislativa, o governador tem a simpatia de grande parte da mídia. Muita coisa não aparece, mas, quando começar o debate eleitoral, vamos ver como se sai diante de temas espinhosos, como a privatização da Sabesp e os pedágios. •

Publicado na edição n° 1391 de CartaCapital, em 10 de dezembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O ministro das ruas ‘

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