Política

O Judiciário, o CNJ e a opinião pública

Que o Supremo opte por fazer a democracia reencontrar-se com a política, estabelecendo que o CNJ tenha suas prerrogativas de controle reafirmadas contra o corporativismo

Na sessão de abertura dos trabalhos do Judiciário em 2012, Cezar Peluso (à direita de Michel Temer), diz que o debate sobre o CNJ ganhou ares "apaixonados". Foto: Marcello Casal/Abr
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Por Fernando Filgueiras*

 

Uma das características desejáveis para o Poder Judiciário, para o liberalismo, é que ele seja imune aos interesses políticos e privados, assim como o processo de decisão realizado pelos juízes seja surdo ao clamor da opinião pública. Um dos preceitos fundamentais do liberalismo político é que o Poder Judiciário seja despolitizado, de forma que suas decisões ocorram na letra fria da lei e que, desse modo, ocorra a justiça como resultado final do processo judicial.

O que se defende, portanto, é que o processo decisório da magistratura seja procedimental, uma vez que se atenha aos procedimentos e regras estipulados em códigos de processo e de conduta dos juízes.

Se a justiça é o objetivo final, para o liberalismo ela deve ser desprovida da política e de qualquer concepção moral dos valores. Se a justiça vincular-se a qualquer valor supremo, tal como os valores religiosos, por exemplo, o risco é que ela sirva para que uma maioria que defenda esses valores imponha suas preferências a uma minoria contrária a esses valores.

O resultado é que a justiça acaba servindo de instrumento de opressão contra as minorias. Um Judiciário imune aos clamores da opinião pública, portanto, é mais do que desejável para que a justiça possa, de fato, ser concretizada.

O que este tipo de leitura a respeito do Poder Judiciário não observa é o fato de que ele, como qualquer outro poder político, estabelece decisão e, também como qualquer outro poder político, não está imune aos interesses. Uma vez que estabelece decisão, os juízes fazem escolhas por quais leis aplicar e como aplicá-las.

Ademais, as decisões estabelecidas pelos juízes fazem com que o Estado intervenha na vida das pessoas.

Ou seja, o Judiciário é um poder político, uma vez que seus agentes fazem escolhas e decidem a respeito dos valores e das concepções de bem da comunidade. Um Judiciário que decide que a união homoafetiva representa uma concepção de família e que, a partir disso, os parceiros têm os mesmos direitos de sucessão que os casais heterossexuais, está decidindo em torno de valores e fazendo escolhas pelo bem comum. Da mesma forma, um juiz que decide por permitir e autorizar a reintegração de posse em uma área ocupada por pessoas que carecem de moradia está tomando uma decisão política.

Mas o juiz está decidindo casos privados, podem argumentar alguns. Todavia, a sua decisão tem que ser publicamente justificada, com bases em normas que têm o caráter público, gostemos delas ou não.

Se é a decisão que importa, o Judiciário é um poder político, e, como tal, está sujeito à avaliação da opinião pública. De fato, nem sempre a opinião pública é a melhor conselheira e as decisões devem ser tomadas com base em normas publicamente estabelecidas e voltadas para o bem comum. Entretanto, a opinião pública a respeito da atuação do Poder Judiciário pode ser reveladora da sua legitimidade (política) e da sua capacidade de decisão voltada para o bem comum.

Em recente pesquisa realizada pelo Centro de Referência do Interesse Público nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Goiânia e Recife, fica constatada como a decisão judicial importa para o processo político da democracia. Para 60% dos cidadãos entrevistados nesta pesquisa, as leis não consideram os cidadãos igualmente, e para 45% da amostra, o Judiciário não toma as suas decisões sem ser influenciado por políticos, empresários ou outros interesses.

O resultado geral é que nesta mesma pesquisa evidenciou-se que 58% da amostra está insatisfeita ou muito insatisfeita com a democracia. O resultado final, a partir de diferentes testes estatísticos estabelecidos, é que a falta de observação da igualdade por parte do Judiciário, especialmente em seus procedimentos, impacta negativamente a adesão dos brasileiros à democracia.

A opinião pública, nesse caso, não serve para fundamentar as decisões judiciais. Mas serve para mostrar que o Judiciário, como qualquer outro poder republicano, deve submeter-se ao interesse público e ter a sua ação controlada.

Os desvios do Poder Judiciário impactam negativamente a democracia, de maneira que a forma da democracia desencontra-se com a política. Uma democracia não política, nesse sentido, é o melhor caminho para o autoritarismo e para formas populistas (inclusive de atuação do próprio Judiciário).

Que o Supremo Tribunal Federal opte por fazer a democracia reencontrar-se com a política, estabelecendo que o Conselho Nacional de Justiça deva ter as suas prerrogativas de controle da magistratura reafirmadas contra qualquer interesse corporativo, de natureza puramente privada. Além disso, que o processo de controle da magistratura tenha um pano de fundo político, porquanto esteja balizado em uma decisão de fundo, movida pelo interesse público e pelo bem comum.

 

* Fernando Filgueiras é professor do Departamento de Ciência Política da UFMG.

Por Fernando Filgueiras*

 

Uma das características desejáveis para o Poder Judiciário, para o liberalismo, é que ele seja imune aos interesses políticos e privados, assim como o processo de decisão realizado pelos juízes seja surdo ao clamor da opinião pública. Um dos preceitos fundamentais do liberalismo político é que o Poder Judiciário seja despolitizado, de forma que suas decisões ocorram na letra fria da lei e que, desse modo, ocorra a justiça como resultado final do processo judicial.

O que se defende, portanto, é que o processo decisório da magistratura seja procedimental, uma vez que se atenha aos procedimentos e regras estipulados em códigos de processo e de conduta dos juízes.

Se a justiça é o objetivo final, para o liberalismo ela deve ser desprovida da política e de qualquer concepção moral dos valores. Se a justiça vincular-se a qualquer valor supremo, tal como os valores religiosos, por exemplo, o risco é que ela sirva para que uma maioria que defenda esses valores imponha suas preferências a uma minoria contrária a esses valores.

O resultado é que a justiça acaba servindo de instrumento de opressão contra as minorias. Um Judiciário imune aos clamores da opinião pública, portanto, é mais do que desejável para que a justiça possa, de fato, ser concretizada.

O que este tipo de leitura a respeito do Poder Judiciário não observa é o fato de que ele, como qualquer outro poder político, estabelece decisão e, também como qualquer outro poder político, não está imune aos interesses. Uma vez que estabelece decisão, os juízes fazem escolhas por quais leis aplicar e como aplicá-las.

Ademais, as decisões estabelecidas pelos juízes fazem com que o Estado intervenha na vida das pessoas.

Ou seja, o Judiciário é um poder político, uma vez que seus agentes fazem escolhas e decidem a respeito dos valores e das concepções de bem da comunidade. Um Judiciário que decide que a união homoafetiva representa uma concepção de família e que, a partir disso, os parceiros têm os mesmos direitos de sucessão que os casais heterossexuais, está decidindo em torno de valores e fazendo escolhas pelo bem comum. Da mesma forma, um juiz que decide por permitir e autorizar a reintegração de posse em uma área ocupada por pessoas que carecem de moradia está tomando uma decisão política.

Mas o juiz está decidindo casos privados, podem argumentar alguns. Todavia, a sua decisão tem que ser publicamente justificada, com bases em normas que têm o caráter público, gostemos delas ou não.

Se é a decisão que importa, o Judiciário é um poder político, e, como tal, está sujeito à avaliação da opinião pública. De fato, nem sempre a opinião pública é a melhor conselheira e as decisões devem ser tomadas com base em normas publicamente estabelecidas e voltadas para o bem comum. Entretanto, a opinião pública a respeito da atuação do Poder Judiciário pode ser reveladora da sua legitimidade (política) e da sua capacidade de decisão voltada para o bem comum.

Em recente pesquisa realizada pelo Centro de Referência do Interesse Público nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Goiânia e Recife, fica constatada como a decisão judicial importa para o processo político da democracia. Para 60% dos cidadãos entrevistados nesta pesquisa, as leis não consideram os cidadãos igualmente, e para 45% da amostra, o Judiciário não toma as suas decisões sem ser influenciado por políticos, empresários ou outros interesses.

O resultado geral é que nesta mesma pesquisa evidenciou-se que 58% da amostra está insatisfeita ou muito insatisfeita com a democracia. O resultado final, a partir de diferentes testes estatísticos estabelecidos, é que a falta de observação da igualdade por parte do Judiciário, especialmente em seus procedimentos, impacta negativamente a adesão dos brasileiros à democracia.

A opinião pública, nesse caso, não serve para fundamentar as decisões judiciais. Mas serve para mostrar que o Judiciário, como qualquer outro poder republicano, deve submeter-se ao interesse público e ter a sua ação controlada.

Os desvios do Poder Judiciário impactam negativamente a democracia, de maneira que a forma da democracia desencontra-se com a política. Uma democracia não política, nesse sentido, é o melhor caminho para o autoritarismo e para formas populistas (inclusive de atuação do próprio Judiciário).

Que o Supremo Tribunal Federal opte por fazer a democracia reencontrar-se com a política, estabelecendo que o Conselho Nacional de Justiça deva ter as suas prerrogativas de controle da magistratura reafirmadas contra qualquer interesse corporativo, de natureza puramente privada. Além disso, que o processo de controle da magistratura tenha um pano de fundo político, porquanto esteja balizado em uma decisão de fundo, movida pelo interesse público e pelo bem comum.

 

* Fernando Filgueiras é professor do Departamento de Ciência Política da UFMG.

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