Política

O impeachment será no Whatsapp

Da greve de caminhoneiros ao panelaço, o aplicativo tem se tornado o principal articulador de campanhas para quem quer vender produtos, espalhar boatos ou apenas confundir

Whatsapp soma 20 milhões de usuários apenas no Brasil
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Nem Facebook, nem Twitter. Empresas, ativistas e partidos políticos vêm aderindo em massa ao Whatsapp para vender, mobilizar e, claro, espalhar boatos. Sem anúncios e mais intimista e rápido que outras redes sociais, o aplicativo de mensagens instantâneas cai nas graças de quem espera chamar a atenção e dar credibilidade a ações nem sempre bem intencionadas.

O “panelaço” que tomou as varandas dos bairros mais ricos do Brasil durante o discurso da presidenta Dilma Rousseff no domingo 8 pegou de surpresa boa parte da população, que se assustou com a ação convocada pelo Whatsapp em 12 capitais. Antes disso, a rede já havia sido utilizada para articular o bloqueio de 128 pontos de rodovias federais na greve de caminhoneiros no mês passado.

No Piauí, o grupo Projeto Escolinha de Taipa tenta socorrer escolas públicas em más condições. Professores e membros da comunidade se articulam pelo aplicativo para arrecadar material escolar e até trocar o telhado de unidades cobertas com palha.

As ações mais recentes, no entanto, são menos nobres: no começo da semana ecoou no Whatsapp uma mensagem de voz em que um sargento Ferreira “informava” que “a inteligência das Forças Armadas” estaria aquartelada, “trabalhando descaracterizada em todo o território nacional”. Ele pede à população que estoque comida porque “está para estourar uma guerra no Brasil”: “Haverá intervenção federal de direita e de esquerda”.

Outro alarme falso chamava a atenção para o confisco da poupança, similar ao Plano Collor. “Dia 18 [de março] a Dilma vai retirar o dinheiro das contas. Saca todo o dinheiro e não deixa nada”, alertava a voz de uma mulher.

Especialista em desmascarar boatos travestidos de notícia, o editor do Boatos.org, Edgard Matsuki, fala das possibilidades multimídia da nova forma de comunicação. “Boa parte dos rumores são em formato de áudio. Se quem falou tem uma boa locução, a mensagem acaba mais convincente do que um texto digitado”, explica.

Diretor-executivo da Paradox Zero, agência de estratégias digitais, Paulo Rebêlo acredita que o Whatsapp é a rede do momento para a agitação política. “Ele é mais rápido, objetivo e pessoal do que o Facebook ou o Twitter. Ao mesmo tempo, não tem poluição visual nem anúncios e é muito mais fácil de aprender a usar.”

Com cerca de 800 milhões de usuários no mundo e 20 milhões só no Brasil, o Whatsapp decidiu, no final do ano passado, aumentar para cem o número máximo de pessoas por grupo. “Basta ter dez listas para atingir diretamente mil usuários. Com uma estratégia bem definida, a eficiência é muito alta”, calcula Rebêlo.

De olho nesse filão, agências de marketing digital se especializam em estratégias para aumentar o alcance e a eficiência das mensagens enviadas pelo aplicativo. Uma delas é a Sendixx.com. Seu diretor comercial, Marcelo Quaresma, conta que a eficácia das mensagens enviadas pelo aplicativo chega a 96% e seu tempo médio de retorno é de 2 minutos e 18 segundos. “Não existe meio mais assertivo ou retorno tão ágil no mercado.”

A empresa, então, criou uma ferramenta que permite, “por uma quantia muito baixa, o envio em grande escala de mensagens de texto, vídeo e imagem”. “Identificamos automaticamente todos os usuários ativos do Whatsapp e, através de mais de 40 mil linhas telefônicas, enviamos campanhas para milhares de pessoas de uma vez.”

No Whatsapp, explica Quaresma, ninguém precisa curtir, seguir ou compartilhar para que os outros vejam. “Se alguma mensagem impacta realmente o consumidor, ele interage, permitindo que as empresas dediquem seus esforços aqueles que são os reais interessados em sua marca ou produto.”

Mas será que as legendas politicas usariam esse potencial para fins partidários? “Sim”, garante o diretor da Sendixx. “Em todos os segmentos da política: desde grandes partidos, passando pela política dos principais clubes do País até as universitárias.” Rebêlo concorda: “É de conhecimento geral que os partidos se articulam por meio dessas ferramentas. É válido, faz parte do jogo.”

Embora não exista dispositivo para rastrear uma mensagem, Rebêlo explica que elas precisam partir de uma base. No entanto, só o Facebook – dono do aplicativo – pode rastrear o caminho reverso para identificar o número de origem, que “também pode ser forjado”.

O que preocupa Matsuki, do Boatos.org, é justamente esse alcance. No Facebook, a boataria começou logo após as eleições: Dilma chegou a ser acusada de tramar a morte de Eduardo Campos e de homenagear traficante; até o presidente venezuelano Nicolás Maduro estaria disposto a invadir o Brasil para defender a presidenta em caso de golpe.

Agora é a vez do Whatsapp. “O receptor da mensagem nem sempre se interessa por política, não lê o assunto. Sua principal fonte de informação são as redes sociais”, diz o especialista. “Muita gente quer genuinamente melhorar o Brasil ao espalhar notícias sem checar sua veracidade.” Bem intencionados ou não, acabam atuando como massa de manobra.

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