Política

O golpe de Gurgel

O procurador-geral da República pretende ser dono do CNMP. Não contava com a resistência de Collor

Com empenho infatigável, vejam só quem volta a aparecer em defesa da democracia... Foto: Moreira Mariz / Ag. Senado
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Sob a permanente e severa fiscalização do senador Fernando Collor, o procurador Roberto Gurgel adotou a velha lição de que o seguro morreu de velho e cuidou de blindar a retaguarda no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que ele, por lei, preside.

Lerdo para agir em certos casos, ele é ágil quando é preciso. Foi rápido, por exemplo, ao promover reforma no regimento interno, na última sessão do CNMP, realizada no dia 24 de outubro e, com isso, o Ministério Público Federal passou a ter 8 dos 14 votos nesse conselho. Gurgel controla a maioria. Um golpe típico.

Não bastou, para ele, a liminar concedida pela ministra Rosa Weber, do STF, em mandado de segurança impetrado por Gurgel. Ela suspendeu a apuração no CNMP em representação encaminhada pelo senador Collor, que acusa o procurador-geral por “inércia ou excesso de prazo” nas investigações sobre o bicheiro Carlinhos Cachoeira.

Para Collor, tanto Gurgel quanto a subprocuradora-geral da República, Cláudia Sampaio Marques, “teriam permanecido inertes quanto ao dever de investigar, permitindo que os delitos atribuídos ao grupo chefiado por Carlos Augusto de Almeida Ramos, conhecido como Cachoeira, continuassem a ser praticados”.

De fato, Gurgel “sentou” sobre as investigações e só mesmo a força natural de uma CPI o fez sair de cima. Em decisão que ainda será apreciada no mérito, Rosa Weber guarneceu Gurgel apoiada no princípio da “simetria”. A “preeminência” do CNMP equivaleria à do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ou seja, a exoneração cabe ao presidente da República com apreciação do Senado.

A propósito, Collor fez da tribuna do Senado um lugar especial para fustigar o poder de Gurgel. Um poder fácil de ser percebido diante do silêncio, de descaso ou cumplicidade, da maioria dos senadores.

Collor voltou ao ataque na segunda-feira 12. Acusou Gurgel de vazar informações sigilosas para a imprensa e incorrer, assim, em crime “contra a administração pública, tipificado como Violação de Sigilo Funcional”. Da tribuna ele lamentou o fato de o CNMP não “tomar as devidas providências” contra o procurador-geral, que, segundo Collor “se recusa a ser investigado”. O senador atirou no que viu e acertou no que não viu. Há o dedo de Gurgel na reforma. A digital é visível.

Nas mudanças havia a ideia de eliminar a inconstitucionalidade que havia quando o procurador-geral estava ausente nas votações do CNMP. Votava o vice-procurador-geral. Vários conselheiros sustentavam que somente a Constituição poderia autorizar a introdução de um “corpo estranho” na composição do Conselho.

Gurgel passou a ter poderes que nenhum dos antecessores dele teve. A prática disso fica assim: o Ministério Público Federal (MPF) passa a ter dois votos ordinários: o do próprio procurador-geral (Gurgel) e o do nome indicado pelo MPF (Mario Bonsaglia). E ainda, no caso do procurador-geral, ele mantém o chamado voto de Minerva, exercido em caso de empate.


Mas o grande final dessa história não é aquele. É este: nas questões disciplinares, a lei requer, em caso de condenação, a maioria absoluta. Exatamente os oito votos que o procurador-geral passou a ter. Ficou quase impossível condenar administrativamente um membro do Ministério Público Federal.

É essa a ameaça que a representação de Collor faz a Gurgel.

Andante Mosso

Entre quatro paredes


Um empresário paulista diz a um ministro de Dilma: “Sua chefe gosta de dar piruetas na corda bamba. Faz isso por ter rede de proteção. E se a rede for retirada?” O ministro pergunta: “E qual seria essa rede?” Resposta: “Lula”.

Democracia e o “domínio do fato” I


Passou pelo Brasil o advogado alemão Claus Roxin, que, involuntariamente, tornou-se a principal referência do STF no julgamento do “mensalão” petista. Desmentiu a história de que criou a teoria do “domínio do fato”.

“Mas fui eu quem a desenvolveu em um livro com cerca de 700 páginas”, disse Roxin ao  jornal Tribuna do Advogado, da OAB-RJ. “Sempre achei que, ao praticar um delito  diretamente, o indivíduo deveria ser responsabilizado como autor e quem ocupa uma posição dentro de um aparato organizado e comanda uma ação criminosa também deve responder  como autor e não como partícipe, como rezava a doutrina da época”, explicou.

Democracia eo “domínio do fato” II


Ele explicou que, posteriormente, a Justiça de seu país adotou a teoria para julgar os crimes  na Alemanha Oriental, especialmente quanto às ordens para disparar contra os que tentaram  fugir para a Alemanha Ocidental. A teoria consta do estatuto do Tribunal Penal Internacional.

Ao longo do tempo, a argumentação desenvolvida por Roxin tornou-se referência, “sobretudo na América do Sul”, e foi aplicada com sucesso na Argentina, no julgamento do general Rafael  Videla, e no Peru, com Alberto Fujimori.

Democracia e o “domínio do fato” III


É possível usar a teoria para condenar um acusado presumindo-se a participação dele no  crime por ocupar determinada posição hierárquica?

Roxin foi enfático na resposta. “Não, de forma nenhuma. A pessoa que ocupa uma posição no topo de uma organização tem de ter comandado os acontecimentos, ter emitido ordem.   Ocupar posição de destaque não fundamenta o domínio do fato. A conclusão de um suposto conhecimento vem do direito anglo-saxônico. Não a considero correta.”

Democracia e o “domínio do fato” IV


É possível a adoção da teoria para fundamentar a condenação por crimes supostamente  praticados por dirigentes governamentais em uma democracia? “Em princípio, não. A não ser que se trate de uma democracia de fachada, em que é possível imaginar alguém que domine os fatos específicos praticados dentro desse aparato de poder.

Numa democracia real, a teoria não é aplicável à criminalidade de agentes do Estado”, disse Roxin. Ele explicou que trabalha com o critério da “Dissociação do Direito”. Ou seja, a  característica de todos os aparatos organizados de poder é que estejam fora da ordem jurídica.

Em busca da democracia


José Luis de Oliveira Lima, advogado de José Dirceu, parte para a Alemanha no fim de  novembro. Vai conversar com os juristas Claus Roxin, em Munique, e Gunter Jacob, na  Universidade de Bonn. Na pauta, a condenação de Dirceu apoiada na teoria do “domínio do fato”, tropicalizada pelo STF.

JB no divã


Joaquim Barbosa, ministro relator do “mensalão” petista, reage mal às contraditas dos pares  dele no Supremo Tribunal Federal. E causa muita surpresa ao telespectador. A psicologia tem explicação banal para isso: o relator se confunde com o que relata e, assim, assume a  dissidência como preconceito pessoal.

Quanto às razões complexas só Freud explica.

Biografia: Trotskismo


O jornalista Sergio Caldieri resgata no livro Eternas Lutas de Edmundo  Moniz (Editora  Dinigraf), relançado agora, um pouco da história do jornalismo brasileiro e, também, ou  principalmente da trajetória do trotskismo no País.

Aspas para o que diz, com total insuspeição, o ensaísta Sergio Paulo Rouanet: “Edmundo Moniz foi um dos homens mais completos que conheci, ligando uma invejável formação teórica a  uma grande capacidade política”. Moniz, ao lado de Mario Pedrosa, talvez forme a dupla que, nos trópicos, represente melhor a trajetória dos equívocos e dos acertos dos bolchevistas partidários de Leon Trotski, banido da União Soviética e assassinado no México por ordem


de Stalin, então o guia espiritual do comunismo.

Na banalidade que preside os dias atuais, o livro parecerá aos bárbaros uma perda de tempo. Não será inútil a ninguém, no entanto, dedicar-se à leitura deste trabalho esmerado de  Caldieri, que, no mínimo, compõe com grandeza o painel da diversidade do pensamento  político e social no Brasil.

Sob a permanente e severa fiscalização do senador Fernando Collor, o procurador Roberto Gurgel adotou a velha lição de que o seguro morreu de velho e cuidou de blindar a retaguarda no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que ele, por lei, preside.

Lerdo para agir em certos casos, ele é ágil quando é preciso. Foi rápido, por exemplo, ao promover reforma no regimento interno, na última sessão do CNMP, realizada no dia 24 de outubro e, com isso, o Ministério Público Federal passou a ter 8 dos 14 votos nesse conselho. Gurgel controla a maioria. Um golpe típico.

Não bastou, para ele, a liminar concedida pela ministra Rosa Weber, do STF, em mandado de segurança impetrado por Gurgel. Ela suspendeu a apuração no CNMP em representação encaminhada pelo senador Collor, que acusa o procurador-geral por “inércia ou excesso de prazo” nas investigações sobre o bicheiro Carlinhos Cachoeira.

Para Collor, tanto Gurgel quanto a subprocuradora-geral da República, Cláudia Sampaio Marques, “teriam permanecido inertes quanto ao dever de investigar, permitindo que os delitos atribuídos ao grupo chefiado por Carlos Augusto de Almeida Ramos, conhecido como Cachoeira, continuassem a ser praticados”.

De fato, Gurgel “sentou” sobre as investigações e só mesmo a força natural de uma CPI o fez sair de cima. Em decisão que ainda será apreciada no mérito, Rosa Weber guarneceu Gurgel apoiada no princípio da “simetria”. A “preeminência” do CNMP equivaleria à do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ou seja, a exoneração cabe ao presidente da República com apreciação do Senado.

A propósito, Collor fez da tribuna do Senado um lugar especial para fustigar o poder de Gurgel. Um poder fácil de ser percebido diante do silêncio, de descaso ou cumplicidade, da maioria dos senadores.

Collor voltou ao ataque na segunda-feira 12. Acusou Gurgel de vazar informações sigilosas para a imprensa e incorrer, assim, em crime “contra a administração pública, tipificado como Violação de Sigilo Funcional”. Da tribuna ele lamentou o fato de o CNMP não “tomar as devidas providências” contra o procurador-geral, que, segundo Collor “se recusa a ser investigado”. O senador atirou no que viu e acertou no que não viu. Há o dedo de Gurgel na reforma. A digital é visível.

Nas mudanças havia a ideia de eliminar a inconstitucionalidade que havia quando o procurador-geral estava ausente nas votações do CNMP. Votava o vice-procurador-geral. Vários conselheiros sustentavam que somente a Constituição poderia autorizar a introdução de um “corpo estranho” na composição do Conselho.

Gurgel passou a ter poderes que nenhum dos antecessores dele teve. A prática disso fica assim: o Ministério Público Federal (MPF) passa a ter dois votos ordinários: o do próprio procurador-geral (Gurgel) e o do nome indicado pelo MPF (Mario Bonsaglia). E ainda, no caso do procurador-geral, ele mantém o chamado voto de Minerva, exercido em caso de empate.


Mas o grande final dessa história não é aquele. É este: nas questões disciplinares, a lei requer, em caso de condenação, a maioria absoluta. Exatamente os oito votos que o procurador-geral passou a ter. Ficou quase impossível condenar administrativamente um membro do Ministério Público Federal.

É essa a ameaça que a representação de Collor faz a Gurgel.

Andante Mosso

Entre quatro paredes


Um empresário paulista diz a um ministro de Dilma: “Sua chefe gosta de dar piruetas na corda bamba. Faz isso por ter rede de proteção. E se a rede for retirada?” O ministro pergunta: “E qual seria essa rede?” Resposta: “Lula”.

Democracia e o “domínio do fato” I


Passou pelo Brasil o advogado alemão Claus Roxin, que, involuntariamente, tornou-se a principal referência do STF no julgamento do “mensalão” petista. Desmentiu a história de que criou a teoria do “domínio do fato”.

“Mas fui eu quem a desenvolveu em um livro com cerca de 700 páginas”, disse Roxin ao  jornal Tribuna do Advogado, da OAB-RJ. “Sempre achei que, ao praticar um delito  diretamente, o indivíduo deveria ser responsabilizado como autor e quem ocupa uma posição dentro de um aparato organizado e comanda uma ação criminosa também deve responder  como autor e não como partícipe, como rezava a doutrina da época”, explicou.

Democracia eo “domínio do fato” II


Ele explicou que, posteriormente, a Justiça de seu país adotou a teoria para julgar os crimes  na Alemanha Oriental, especialmente quanto às ordens para disparar contra os que tentaram  fugir para a Alemanha Ocidental. A teoria consta do estatuto do Tribunal Penal Internacional.

Ao longo do tempo, a argumentação desenvolvida por Roxin tornou-se referência, “sobretudo na América do Sul”, e foi aplicada com sucesso na Argentina, no julgamento do general Rafael  Videla, e no Peru, com Alberto Fujimori.

Democracia e o “domínio do fato” III


É possível usar a teoria para condenar um acusado presumindo-se a participação dele no  crime por ocupar determinada posição hierárquica?

Roxin foi enfático na resposta. “Não, de forma nenhuma. A pessoa que ocupa uma posição no topo de uma organização tem de ter comandado os acontecimentos, ter emitido ordem.   Ocupar posição de destaque não fundamenta o domínio do fato. A conclusão de um suposto conhecimento vem do direito anglo-saxônico. Não a considero correta.”

Democracia e o “domínio do fato” IV


É possível a adoção da teoria para fundamentar a condenação por crimes supostamente  praticados por dirigentes governamentais em uma democracia? “Em princípio, não. A não ser que se trate de uma democracia de fachada, em que é possível imaginar alguém que domine os fatos específicos praticados dentro desse aparato de poder.

Numa democracia real, a teoria não é aplicável à criminalidade de agentes do Estado”, disse Roxin. Ele explicou que trabalha com o critério da “Dissociação do Direito”. Ou seja, a  característica de todos os aparatos organizados de poder é que estejam fora da ordem jurídica.

Em busca da democracia


José Luis de Oliveira Lima, advogado de José Dirceu, parte para a Alemanha no fim de  novembro. Vai conversar com os juristas Claus Roxin, em Munique, e Gunter Jacob, na  Universidade de Bonn. Na pauta, a condenação de Dirceu apoiada na teoria do “domínio do fato”, tropicalizada pelo STF.

JB no divã


Joaquim Barbosa, ministro relator do “mensalão” petista, reage mal às contraditas dos pares  dele no Supremo Tribunal Federal. E causa muita surpresa ao telespectador. A psicologia tem explicação banal para isso: o relator se confunde com o que relata e, assim, assume a  dissidência como preconceito pessoal.

Quanto às razões complexas só Freud explica.

Biografia: Trotskismo


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Aspas para o que diz, com total insuspeição, o ensaísta Sergio Paulo Rouanet: “Edmundo Moniz foi um dos homens mais completos que conheci, ligando uma invejável formação teórica a  uma grande capacidade política”. Moniz, ao lado de Mario Pedrosa, talvez forme a dupla que, nos trópicos, represente melhor a trajetória dos equívocos e dos acertos dos bolchevistas partidários de Leon Trotski, banido da União Soviética e assassinado no México por ordem


de Stalin, então o guia espiritual do comunismo.

Na banalidade que preside os dias atuais, o livro parecerá aos bárbaros uma perda de tempo. Não será inútil a ninguém, no entanto, dedicar-se à leitura deste trabalho esmerado de  Caldieri, que, no mínimo, compõe com grandeza o painel da diversidade do pensamento  político e social no Brasil.

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